quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Balanço do governo Lula (2) /// (Alberto Carlos Almeida)

No fim de semana, as diversas avaliações do governo Lula, em cadernos especiais publicados em jornais, chamaram a atenção para dois fatos: a melhora do padrão de vida da população (o lado positivo do governo) e a inexistência de legislação reformadora, o aspecto mais negativo da administração Lula.

Estou em busca aqui, como afirmei anteriormente, de uma avaliação não tradicional do governo. Assim, há duas semanas escrevi sobre o que julgo ser o lado positivo dos oito anos de governo Lula: o fato de o presidente ter assumido aquele que considero ser o mais importante papel do presidente, o de se comunicar com a sociedade. O presidente, eis uma lição importante que fica para Dilma, não deve se imiscuir nos detalhes diários da administração sob pena de induzir a sua equipe a não tomar decisões ou a tomar decisões erradas. O presidente é antes de mais nada e acima de tudo um comunicador. Essa foi a grande virtude de Lula como também foi de Ronald Reagan, Clinton, Bush filho e tem sido a de Obama.

O lado negativo do governo foi, sim, a inoperância legislativa, mas foi também a completa falta de empenho de Lula em associar os impostos ao bom uso do dinheiro público. Não cabe aqui questionar, a princípio, a predisposição de Lula em defender mais impostos. O presidente não para de lamentar aquela que foi, em sua avaliação, a grande derrota legislativa do governo: a abolição da CPMF. Como cidadão e pagador de impostos, afirmo que a principal derrota do governo Lula foi uma grande vitória da sociedade. Nós que pagamos impostos e vemos todos os dias o dinheiro público sendo desperdiçado achamos que a derrota do governo foi, não coincidentemente, a nossa vitória.

Foi-se o tempo em que Lula defendia apenas os interesses dos movimentos sociais. Hoje ele é um homem de Estado e, portanto, defende os interesses do governo. O governo quer mais impostos, quer botar mais a mão dentro de nossos bolsos.

Não defender a redução de impostos e ficar feliz toda vez que eles aumentam faz parte da ideologia de Lula. Lula é um líder de esquerda, Lula é um social-democrata e toda pessoa de esquerda gosta de impostos. Gosta de mais e melhores impostos. É legítimo que Lula seja um entusiasta do aumento de impostos e que esa propensão se manifeste em sua indignação contra a rejeição da CPMF. Cabe aqui um parêntese irresistível: onde está a oposição em relação a esse tema? Fecha parêntese.

O que não é compreensível é que durante oito anos o grande líder social que se tornou presidente não tenha feito, em suas declarações públicas, a ligação entre pagar impostos e utilizar bem o dinheiro público. No livro de Marcelo Tas, "Nunca antes na História Deste País", há o registro de uma declaração de Lula sobre os funcionários da Presidência da República: "Há centenas de empregados à minha volta que nem sei o que estão fazendo". A frase foi dita em setembro de 2009. Ao falar isso, ele estava fazendo pouco-caso do nosso dinheiro, que é utilizado pelo governo para pagar esses empregados.

Neste mês, foi aprovado na Câmara dos Deputados um aumento salarial de 130% para o presidente e 149% para os ministros. De quebra, os próprios deputados se deram um aumento de quase 62%. Diante desse fato, Lula fez uma brincadeira: "E o Lulinha aqui ó ..." Ele se referia jocosamente ao fato de o aumento ter sido aprovado quando ele está saindo do cargo de presidente. Que pena! Lula não foi beneficiado pela magnanimidade de nossos deputados com o uso do nosso dinheiro. Há estimativas de que esse reajuste, em razão do efeito que terá sobre o aumento de deputados estaduais e outros cargos públicos de grande relevância para o funcionamento do país, tenha um impacto de R$ 2 bilhões nos cofres públicos.

No dia 3, antes, portanto, do aumento desses salários, Lula afirmou que "a carga tributária no país é justa". É surpreendente que essa afirmação tenha sido feita por alguém que é percebido como defensor dos pobres. Quem mais paga imposto no Brasil, como proporção dos rendimentos, são os mais pobres. Isso não é justo. A cesta básica no Brasil é tributada em torno de 21%. Isso não é justo. A nossa carga como proporção do PIB é da ordem de 35%, o que é maior do que em muitos países desenvolvidos que fornecem para sua população ótimos serviços públicos. Isso não é justo.

O dinheiro público no Brasil deveria ser gasto com frugalidade e nada melhor do que um presidente que veio da pobreza para dar esse exemplo. Lula não fez isso em nenhum momento de seus oito anos de presidente. Nesse período, a nossa carga tributária aumentou e aumentaram também os salários e regalias de nossos funcionários públicos eleitos e não eleitos. Não bastasse o Aerolula, o presidente defendeu recentemente a compra de um novo avião, maior, mais moderno e mais caro para a Presidência da República. Seria o Aerodilma. O presidente argumentou que é vergonhoso para o líder máximo de um país como o Brasil ter que fazer escala para abastecer em voos mais longos.

O primeiro-ministro da Suécia tem direito a morar em um apartamento de vergonhosos 300 m2. O salário dos deputados dos Estados Unidos e da Alemanha é vergonhosamente mais baixo do que o de nossos deputados. A lista é longa e não por isso em nenhum desses países a vergonha foi corrigida enviando-se para a população o valor da conta.

Afirma-se em determinados meios que Lula é demagogo e populista. Pode até ser verdade. Todavia, como Max Weber vaticinou há mais de cem anos, não é possível que exista democracia sem que haja demagogia. O problema da democracia não é que exista um demagogo, é que não existam pelos menos dois demagogos, ambos em luta um contra o outro. O que controla um demagogo é a existência do outro. O admirado Barack Obama acabou de propor o congelamento do salário dos servidores civis americanos. Em um comunicado oficial do governo foi dito: "Esse congelamento não é para castigar os trabalhadores estatais nem uma falta de respeito com o trabalho que fazem. É a primeira de muitas medidas que tomaremos relacionada ao próximo orçamento, para dar ao país uma base fiscal sólida, que vai exigir sacrifícios de todos nós". Para muitos isso é demagogia.

Quem dera Lula tivesse sido demagogo para solicitar que nossos funcionários públicos (eleitos e não eleitos) fizessem o sacrifício de não ter aumento. Lula poderia afirmar que, se isso acontecesse, o povo pobre, que mais paga imposto, é quem sairia ganhando. Demagogia pura, mas muito educativa. Insisto que durante oito anos o presidente não se importou em educar a população para a conexão entre impostos e bom uso do dinheiro público. Ao menos Lula não fez isso intencionalmente.

A nossa elite política vem educando a população, de maneira completamente não intencional, para o mau uso de nosso dinheiro. Há uma crença muito disseminada na população brasileira de que mais ou menos imposto não significa nem melhora nem piora dos serviços públicos. A população pensa assim: a CPMF foi instituída e a saúde pública não melhorou, a CPMF caiu e a saúde pública não piorou, continuou ruim como sempre foi. Conclui-se, obviamente, que cobrar mais ou menos imposto não muda em nada os serviços públicos.

Lula poderia ter educado a nossa população nessa direção, poderia ter passado oito anos dizendo que o dinheiro público, que é dinheiro também do povo pobre do Brasil, deve ser utilizado de maneira eficiente. Lula não fez isso. Eis agora o Brasil assistindo ao espetáculo do aumento de salários de ministros, deputados, presidente e outros cargos públicos ao mesmo tempo em que não consegue diminuir a sua carga tributária.

Enganam-se os que acham que não há conexão entre aumento salarial de deputados e defesa da volta da CPMF. São duas faces da mesma moeda. Agradeço a Lula por ter mantido o Brasil na direção certa durante os últimos oito anos, mas agradeço, agora no fim do segundo mandato de Lula, a 35 deputados federais que (não importa se demagogicamente ou não) que votaram contra o aumento de salários para si próprios. Vocês deram um grande exemplo para o Brasil.


Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: menos Imposto, mais Consumo".
Fonte:VALOR ECONÔMICO (23/12/10)

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