segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O elo mais fraco (Alon Feuerwerker)

E chegamos ao pulo do gato. Os espertos vão explicar ao povão, condoídos, que para implantar a pureza do financiamento público exclusivo precisarão, infelizmente, acabar com o direito de o distinto público escolher quem vai mandar ao Legislativo

A votação da reforma política ensaia entrar nos finalmentes, com os maiores partidos acertados entre si para 1) reduzir os poderes do eleitor e 2) impedir a sociedade, pessoas físicas e empresas, de apoiar financeiramente vetores alternativos.

Após anos de proselitismo sobre a suposta malignidade intrínseca do sistema político-eleitoral no Brasil, os donos da bola julgam arado o terreno para a semeadura decisiva: usar os propagandeados defeitos do modelo para aumentar ainda mais os poderes dos atuais beneficiários.

Há algum tempo os oligarcas concluíram ser impopular a lista fechada para eleição de deputados e vereadores. Pois será natural que as pessoas reajam à cassação do direito de escolher os membros do Parlamento.

Daí a tática ter derivado para a busca do elo mais fraco: o financiamento. Diante da sequência de notícias sobre malfeitos, os alquimistas explicam que a política brasileira é apenas vítima de um mau desenho.

Que o dinheiro irregular é para as campanhas eleitorais. E se houver o financiamento público exclusivo isso será resolvido.

Ou seja, os políticos que agem mal não o fazem para enriquecer, mas para pagar despesas nas eleições.

O financiamento público exclusivo criaria um problema insolúvel no âmbito partidário, mantidas as regras atuais de candidatura. Como distribuir o dinheiro entre os diversos corredores num mesmo nível?

Não é o caso das eleições para presidente, governador, senador ou prefeito. Onde há só um nome do partido ou coligação.

Mas se cada postulante a deputado ou vereador precisar correr atrás do voto por conta própria, que critério adotar na divisão do bolo financeiro?

O mesmo dinheiro para cada um? Impossível, pois toda legenda tem os campeões de voto e os apenas figurantes. Arbitrário, com cada caciquia decidindo quem vai receber mais e quem precisará se conformar com menos? Impossível. Não teria operacionalidade nem amparo legal.

E vem o pulo do gato. Nessa hora, os doutores vão explicar ao povão, condoídos, que para implantar a pureza do financiamento público exclusivo precisarão, infelizmente, acabar com o direito de o distinto público escolher quem vai mandar ao Legislativo.

Um mal que virá para o suposto bem. Para limar as impurezas, recorrer-se-á ao fascínio da ditadura virtuosa, coisa que o moralismo pátrio, nas diversas vertentes, propagandeia desde sempre.

E aí a obra estará completa. Os donos de partido estarão entronizados, com o monopólio da política nacional.

Já avançaram bastante. Na fidelidade partidária, nos prazos de filiação e domicílio, no poder absoluto para nomear e demitir dirigentes zonais, municipais e estaduais, na liberdade imperial para gastar como bem entendem o dinheiro público já disponível.

Os caciques, os mesmos que frequentam o noticiário por razões pouco abonadoras, irão decidir quem vai se eleger e quem não. Eles próprios, naturalmente, reservarão a si cadeiras legislativas sem precisar nem sair de casa para buscar voto.

O partido majoritário, por ter vencido a última eleição, terá garantida uma vantagem financeira irreversível, pois se não é razoável que a verba seja igualmente distribuída pelas legendas, o único critério alternativo é o apoio obtido na última eleição.

Isso vai acontecer mesmo em situações nas quais o governante estiver pessimamente avaliado, em que tiver perdido o apoio da maioria. Mesmo assim irá para a campanha em vantagem pecuniária insuperável, pois a oposição não terá como se financiar para equilibrar o jogo.

Novos atores políticos passarão a enfrentar ainda mais barreiras para entrar no palco. A “renovação” da política irá depender mais ainda dos “dedaços”, em que os caciques decidem os “novos” personagens encarregados de “renovar” para que tudo permaneça como está.

E restará aos insatisfeitos criar ongs, promover abaixo-assinados pela internet ou acampar em praças públicas. Enquanto os potentados institucionalizarão o direito divino de fazer do Estado brasileiro uma coisa nossa (deles).

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