Fazia um frio danado em Domingos Martins, agora deve estar ainda pior, eu sou um daqueles caras que ficou famoso por agüentar e gostar do calor na mesma medida em que as temperaturas geladas me deixam com tremeliques bate queixo de Aborígenes Lessa. Não é que eu não goste do frio, acho até bom pra variar do tradicional bafo escaldante de Vitória, mas no final tenho que admitir: eu não suporto bem essa parada.
“Coisa de pobre!” Comentou um rapazinho muderno que vestia um longo sobretudo cinza chiquérrimo e um estrondoso tênis amarelo laranjada artificial, cuja (cuja?) cor torna-se interessante quando dita com sotaque de quem usa dentadura: lharanjhada. A mais de cem metros de distância dava pra sentir seu perfume. Nada discreta, a bunita. Não liguei pra provocação, até acho interessante, afinal as pessoas entram para a estória, inclusive esta, da maneira que conseguem, não é verdade?
Chegou uma hora que meus pés começaram a doer em algum lugar lá por dentro dos ossos, talvez também pelo cansaço de ir e vir pra cá e prá lá desde o meio dia e eram já três da manhã. Fora de casa, fora da rotina, sem hora direito pra comer ou dormir a cabeça entrou numas de não desligar mais, daí você não descansa e no dia seguinte tem tudo outra vez, quer dizer, é diferente, mas o tempo e o frio: germânicos que nem nazistas, eles não negociam cara.
A chuva começou a cair no sábado e não nos ajudou em nada, embora os lavradores estivessem achando bom: já reparou que tudo que pode ser ruim também pode beneficiar alguém e vice-versa? Eu nem levara um guarda-chuvas, não pensei que fosse precisar, não conseguia me lembrar de ter visto chuva em Domingos Martins em outra ocasião. E agora estavam lá aquelas nuvens vagas e difusas repousando preguiçosas sobre a mata das montanhas que circundam a cidade.
Fui tomar uma cerveja longe da galera, não queria ser um mau exemplo pra ninguém, nem tampouco passar a madrugada naquela friaca completamente de careta. Comprei um latão de Skol quase fora da muvuca e, apesar de ser o único - fora os seguranças - que vestia terno, duas moças locais puxaram conversa comigo. Logo danaram a reclamar da programação dizendo que não era interessante pros jovens. Daí argumentei: mas o que vocês queriam? O Rest-argh-t? Não souberam me dizer. Ah! O vinho cru das montanhas, a sombra das raparigas em flor...
Na Pousada Azul, onde eu estava muito bem hospedado toda manhã rolava uma “bruschetta”. Pode rir. Quem não acharia o nome desse quitute engraçado? Aliás, a cena inteira era propícia a piadas. No café da manhã, um frio do cacete, vinha Dona Lucinda, aquela mãezona, falar: Juca você quer comer uma bruschetta quentinha? Well Boris, considere que minha mulher tinha ficado lá em casa né? Portanto, como me negar a comer uma bruschetta quentinha na pousada da Dona Lucinda? É como dizia Rita Lee: Ninguém é de ferro, mas meus nervos são de aço...
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