Segundo ele, ""faxina"" é estratégia para driblar dificuldades econômicas e uma ação independente do PMDB é arriscada
Lucas de Abreu Maia
ENTREVISTA: Marcos Nobre, professor de filosofia política da Unicamp
Se insistir na "faxina" no governo federal, a presidente Dilma Rousseff arrisca-se a incentivar a recriação do "centrão" no Congresso, na avaliação do professor de filosofia política da Unicamp Marcos Nobre. Para ele, o anúncio, na semana passada, da formação de um "bloco informal" entre PMDB, PR, PP, PTB e PSC é "o embrião do centrão" - agrupamento de partidos conhecido por atravancar a atuação do Executivo nos governos Sarney e Collor.
"Este sempre foi o medo do Lula: um Legislativo independente do Executivo", diz Nobre. Nesta entrevista ao Estado, ele opina que a "faxina" foi a forma que a presidente encontrou de manter a popularidade em meio a uma situação econômica complexa. Mas esta estratégia tem data para acabar: "Não dá para levar esta situação além do primeiro semestre de 2012 (ano eleitoral)".
O que motiva a "faxina" imposta pela presidente a alguns ministérios comandados por aliados?
Dilma foi eleita em nome de continuar o pacto do crescimento do Lula, mas em patamares mais baixos. Não dá para manter o gasto público no nível que o Lula manteve em 2010. Isso exige uma pactuação "para baixo" - que se pode chamar de downsizing (diminuição) no crescimento. A tática da Dilma para lidar com esse novo pacto social ficou conhecida como faxina - que não é um termo muito bom, mas que pegou, e que eu chamei de tática da queda de braço. Esta tática só apareceu depois da queda do (ex-ministro da Casa Civil, Antonio) Palocci.
O mais importante para o Lula era ter uma base ampla, mas não depender de ninguém especificamente. Ele fazia isso de tal maneira que ninguém fosse privilegiado na distribuição do peemedebismo. Ele passou a Dilma o modelo do dividir para arbitrar: estimulava o conflito e surgia para arbitrá-lo. Palocci era o tradutor da Dilma para o sistema político ainda nos termos do Lula. Quando ele sai, aparece a política da queda de braço.
Em um âmbito mais amplo, ela tem uma tarefa muito difícil que é manter a inflação no limite do teto da meta e um crescimento econômico razoável. Essa foi a tática (da faxina) que ela escolheu para colocar em marcha a "pactuação para baixo" das expectativas de crescimento. Isso tem data para terminar: no momento em que a inflação entrar nos eixos e o crescimento estiver mais ou menos garantido em um nível razoável.
Mas esta estratégia não é livre de riscos, certo?
Não só é arriscado como também tem data de validade. Ela não pode fazer isso por quatro anos porque, desta forma, o sistema político como um todo aparece como vilão. Não dá para levar esta situação além do primeiro semestre de 2012. É em 2012 que o político fará sua base para uma candidatura em 2014. Não se pode apoiar um candidato num contexto em que todo e qualquer político é corrupto. A tática da Dilma até agora deu certo porque ela consegue se apresentar como alguém que luta contra o sistema político por dentro do próprio sistema. Também deu certo porque ela conseguiu ampliar o cordão sanitário. O cordão sanitário vem desde o governo FHC - são aquelas áreas consideradas intocáveis pelo peemedebismo, geralmente saúde, educação e política econômica. Dilma queria estender este cordão aos Transportes, por causa das obras de infraestrutura. Até o momento, deu certo. Mas tem limite, porque o sistema político se volta contra ela.
Há como mudar de postura?
Não sei como a Dilma fará para reestruturar sua imagem depois da queda de braço. Todo o governante faz isso: reconstrói sua imagem conforme as circunstâncias. A Dilma terá de refazer a sua, o que não será fácil porque ela não é maleável. Lula, depois do mensalão, conseguiu moldar uma imagem que durou até o final do seu mandato: a da metamorfose ambulante. A única pessoa que pode falar em sequência duas sentenças completamente contraditórias, sem que isso traga qualquer consequência, é o Lula. Dilma precisará se reformular, mas não pode ser contraditória.
A "faxina" pode se tornar a marca de governo Dilma?
Impossível, a não ser que a Dilma partisse para a mobilização social, o que não está na sua personalidade e no seu meio de atuação - até porque ela não tem o carisma necessário para isso. Você só consegue continuar o processo de queda de braço (com a base) se chamar a sociedade inteira e mobilizá-la contra o sistema político. A Dilma vai fazer isso? Imagino que esta não seja uma opção.
A presidente conseguirá neutralizar a atuação de seu vice, Michel Temer (PMDB-SP)?
Talvez a maior derrota do Lula no fim de seu governo tenha sido não conseguir impedir que Temer se tornasse vice da Dilma. Todas as vezes em que se tentou isolar o Temer, ele deu a volta por cima e deu o troco. Neutralizá-lo não é uma opção.
E como combater o que o sr. chama de peemedebismo?
De fato, precisamos de uma pequena revolução política. Já tivemos uma pequena revolução econômica e uma pequena revolução social. Se vai ser a Dilma quem vai fazer isso não sei. O peemedebismo tem que acabar. O problema é que a política da queda de braço da Dilma está organizando o peemedebismo. Fernando Henrique dizia que tinha uma base desorganizada, Lula também. A característica do peemedebismo é ser desorganizado, fragmentado. Dilma está ameaçando organizar o peemedebismo. E a organização do peemedebismo tem um nome: chama-se "centrão". O centrão é um poder autônomo em relação a partidos e ao governo. O poder de chantagem do centrão é muito grande. Este centrão está sendo reorganizado pelo PMDB - se chama hoje "bloco informal" (anunciado nesta semana por PR, PMDB, PTB, PP e PSC). Este sempre foi o medo do Lula: uma organização do Legislativo independente do Executivo. A organização do peemedebismo significa um travamento como tivemos no governo Sarney e no governo Collor. É muito grave.
E se o Executivo tentar governar sem o Congresso?
Seria a chave para a formação do centrão. Dilma tem três espadas apontadas para sua cabeça: a Emenda 29 (que regulamenta os gastos com saúde), a PEC que estabelece o piso para policiais civis e os royalties do petróleo. Todas estão na mão do Congresso. O governo pode não depender do Parlamento - se não quiser fazer grandes reformas, o que é o caso da Dilma -, mas não pode contorná-lo.
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