Algumas análises apontam o estilo duro e pouco habilidoso de Dilma Roussef como um dos principais motivos para a insatisfação dos parlamentares governistas no Congresso.
As emendas parlamentares
No quinta-feira, dia 5 de agosto, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, afirmou ter autorizado a liberação de R$ 150 milhões para as chamadas emendas parlamentares.
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po0508201107.htm)
No quinta-feira seguinte, dia 11 de agosto, a ministra voltou ao tema para acalmar os aliados. Prometeu um calendário de liberação até o final do ano de pelo menos R$ 5 bilhões dos R$ 7 bilhões das emendas parlamentares. Assegurou que pelo menos R$ 1 bilhão será liberado até o final deste mês.
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1208201113.htm ).
Ontem, dia 16 de agosto, em encontro com parlamentares de sua base de apoio, a própria presidente Dilma prometeu acelerar a liberação de R$ 700 milhões até setembro.
(www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1708201110.htm).
São as verbas para obras indicadas por deputados e senadores. No ano anterior às eleições municipais, nas quais muitos prefeitos- apoiadores dos deputados, são candidatos à reeleição, a garantia de recursos para obras a serem inauguradas em 2012 é tida como fundamental.
O corte nos gastos públicos
Em fevereiro, o governo anunciou corte de R$ 50 bilhões no orçamento da União, como parte do esforço de combater a alta do custo de vida, que ameaça superar 6,5%, o teto da meta de inflação, cujo centro é de 4,5%.
Segundo as autoridades econômicas, o Brasil está com a economia aquecida, com o consumo superior à capacidade de produção do país. Ao diminuir os gastos, o governo freia um crescimento econômico desordenado, que não se sustentaria no médio e longo prazos.
Entre as verbas cortadas ou retidas pelos governo estão aquelas destinadas às obras
aprovadas pelas emendas parlamentares ao orçamento de 2011. E o governo anunciou ainda disposição de suspender o pagamento das emendas do orçamento de 2010, não liberado no governo Lula e inserido na rubrica de restos a pagar. Talvez aqui esteja o motivo principal da insatisfação dos parlamentares governistas.
A composição do ministério
Mas há ainda uma outra razão. Trata-se da composição do ministério e da divisão dos cargos de segundo escalão, das autarquias federais e das empresas estatais. O PMDB, dono da maior bancada no Senado e da segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, sentiu-se sub-representado na partilha do poder.
O ministério que tomou posse junto com a presidente Dilma, em janeiro de 2011, tinha então 17 ministros ligados ao PT, 6 ao PMDB e 2 ao PSB. Ao PDT, PCdoB, PR e PP coube um ministério para cada.
Além de um desequilíbrio numérico, a cúpula do PMDB, reclamou, na época, com a troca qualitativamente desvantajosa para o partido, verificada na passagem do governo Lula para a administração Dilma. O partido perdeu os ministérios da Saúde e das Comunicações para o PT, recebendo em troca os ministérios da Previdência Social e do Turismo, politicamente menos importantes.
A origem do “mensalão”
Não é demais lembrar que a disputa por espaços no poder está na origem das denúncias do deputado Roberto Jefferson, em maio de 2005, que detonaram a crise do chamado “mensalão”. O então presidente do PTB acusou o chefe da Casa Civil, o petista José Dirceu, de comandar um esquema de pagamento mensal de propinas a parlamentares em troca de apoio ao governo.
O caso levou à demissão do ministro e derrubou a cúpula do PT: o presidente do partido, José Genoíno, o secretário-geral, Sílvio Pereira, e o tesoureiro, Delúbio Soares.
Hegemonismo do PT?
Após a sua eleição em 2002, o presidente Lula entregou 20 ministérios ao PT e 1 para cada partido aliado, PCdoB, PDT, PSB, PPS, PV e PTB. Posteriormente, PP e PMDB são incorporados ao governo. No auge da crise do “mensalão”, o presidente Lula oferece 4 ministérios aos peemedebistas.
Em termos numéricos, mesmo sem entrar na discussão do aspecto qualitativo, isto é, de importância dos ministérios, no qual o PT levava vantagem, o partido detinha 60% das pastas, enquanto no Congresso Nacional, sua representação não ultrapassava a 20% das cadeiras.
A política de alianças
A insatisfação dos aliados do governo com a distribuição de cargos e das verbas públicas, entre as quais, as destinadas às emendas parlamentares, nos leva a refletir sobre o tipo de aliança que sustenta a coalizão governista liderada pelo PT e PMDB.
Na campanha eleitoral, o PT aprovou um programa para a candidata Dilma Roussef, que não se comprometeu integralmente com ele, especialmente com pontos polêmicos como a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, receosa de perder apoio de parcelas importantes do empresariado.
O PMDB apresentou outro programa, vendendo-se como o lado moderado da aliança. Os programas foram enviados ao cordenador da campanha, o deputado Antônio Palocci. Não me recordo de que tenha havido grandes discussões públicas de um programa comum entre os dois partidos, que desse uma base programática à coligação governista.
O PMDB de hoje
Lembremo-nos de que o PMDB de hoje não é o mesmo daquele da Constituinte de 1988, liderado por Ulysses Guimarães. Àquela época, os chamados progressistas eram maioria.
O grupo de Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro, entre outros, deixou o partido para fundar o PSDB. Algumas personalidades se afastaram do PMDB, como Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Waldir Pires, sendo que estes dois últimos ingressaram no PT. Outros, como o ex-ministro Fernando Lyra, ligado à esquerda peemedebista, se filiaram ao PDT.
Com a redemocratização em 1985, parlamentares identificados com posições socialistas deixaram o PMDB, para reorganizar os partidos ideológicos, antes proibidos pela ditadura e então legalizados. Casos de Roberto Freire, Fernando Santana, Augusto Carvalho, que assumiram o PCB, o hoje, PPS, Aldo Rebelo, Aldo Arantes, Haroldo Lima, do PCdoB, e Miguel Arraes, do PSB.
As identidades programáticas
Naturalmente, aliança se faz entre diferentes. Não há que se exigir grandes purezas ideológicas. Mas, deve-se perguntar que aspectos programáticos unem o PT ao PMDB do vice-presidente Michel Temer, cujos expoentes no Congresso são políticos tidos como conservadores, como José Sarney. Com um extremo de boa vontade, talvez um projeto nacional-desenvolvimentista?
E o que une o PT ao PP de Paulo Maluf, detentor do Ministério das Cidades? Que identidades une o petismo ao PR de Waldemar da Costa Neto e ao PTB de Roberto Jefferson? Ao PRB do senador Marcelo Crivela?
As opções de alianças
De outro modo, quais as razões que levaram a cúpula do PT a vetar expressamente alianças com partidos que lhe são próximos do ponto de vista ideológico e programático, tais como PSDB e PPS? Quais os motivos para o alijamente de outras lideranças como Cristóvam Buarque, Fernando Gabeira, Marina Silva, Luíza Erundina, entre outros?
Qual o grau de participação nas grandes decisões estratégicas de governo, inclusive de decisões de política econômica, de aliados históricos do PT, como PCdoB, PSB e PDT?
No PMDB, personalidades remanescentes do grupo ulyssista fazem oposição, caso dos senadores Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon.
É curioso que PT e PMDB façam blocos parlamentares distintos na Câmara e no Senado, bem como PCdoB, PDT e PSB tenham formado bloco independente durante o governo Lula. Parece haver aí duas questões a discutir. Uma delas, a opção política para o atual quadro de alianças e que tipo de alianças são feitas. Uma outra, mais profunda, trata-se do tipo de sistema de governo existente e que tipo de política ele fomenta.
Presidencialismo de coalizão
Alguns críticos do governo dizem que não existe um presidencialismo de coalizão, na qual o governo é estabelecido por alianças e discussões programáticas entre diversos partidos. O que há, afirmam, é um “presidencialismo de cooptação”, em que partidos são cooptados para apoiar o governo em troca de um quinhão do poder, com o objetivo de executar políticas clientelistas e patrimonialistas.
Segundo essa crítica, uma coalizão de verdade implicaria uma discussão programática, um compartilhamento das decisões estratégicas do núcleo do poder, inclusive de política econômica, e a renúncia a posições hegemonistas, com distribuição dos ministérios em conformidade com a representatividade de cada partido da aliança.
A apropriação dos fundos públicos
Ao contrário, criticam, a opção pelo atual quadro de alianças, confirmaria uma indisposição para discussões programáticas e o compartilhamento do poder, favorecendo o entendimento com partidos fisiológicos, sem cara ideológica e programática, ávidos para realizar uma política de clientela e de apropriação da máquina pública para os mais variados interesses privados, sem maiores questionamentos ao partido hegemônico.
A favor do governo argumenta-se que as concessões àquelas formas de fazer política é um preço a pagar para garantir a governabilidade, necessária para a execução de medidas reformistas modernizantes da vida econômica, social e política do país. Mas, até que ponto a opção por aquela política, vale dizer, o atual quadro de alianças, não é precisamente um dos entraves a uma agenda reformista para o país e base para o conservadorismo?
Mas, a julgar pelas denúncias que pipocam pela imprensa, muitas das quais reveladas por investigações provocadas pelo Ministério Público, instituição democrática conquistada pela Carta de 1988, aquela maneira de fazer política, vale dizer, de apropriação dos fundos públicos, não é exclusiva daqueles partidos, mas contaminou também os partidos ditos ideológicos do atual bloco de poder.
Ademais, mesmo o partido líder da coalizão, o PT, qual o seu grau de participação orgânica nas decisões estratégicas do governo, das discussões de política econômica e de um projeto para o país?
O hiperpresidecialismo brasileiro
Creio que aqui se coloca o tema de reforma do sistema politico e de governo do país. Durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, as forças democráticas progressistas, reunidas em torno do seu presidente, Ulysses Guimarães, não conseguiram aprovar a mudança do sistema de governo.
A adoção do sistema parlamentarista de governo, mais democrático, mais organizador e fortalecedor dos partidos, mais aberto às pressões da sociedade civil, foi bloqueado pelas forças conservadoras, com apoio do então Presidente da República, José Sarney, que conseguiram impor a manutenção do presidencialismo, com poderes hipertrofiados nas mãos do Executivo. Infelizmente, com o apoio do PT e do PDT.
Desde então, e especialmente a partir da eleição de Fernando Collor de Melo, o que se tem visto é uma não afirmação dos partidos e o seu rebaixamento ante o avassalador poder de aliciamento do Executivo. Os partidos, instrumento vital da democracia, de intermediação entre os cidadãos e o Estado, como também de controle público sobre o Estado, tem se enfraquecido sistematicamente ao longo dos anos. O Congresso Nacional se transformou em mera casa homologatória das medidas provisorias do Executivo.
Sem espaço para a afirmação programática, restou a muitos partidos a disputa para apropriar-se do Estado e promover o clientelismo e o parimonialismo como forma de garantir a sua sobrevivência eleitoral.
A questão democrática
Naturalmente, há outros elementos que também contribuem para o solapamento da representação partidária, mas o atual sistema de governo é uma poderosa força a enfraquecer os partidos. Só mesmo a falta de uma visão estratégica democrática é capaz de se conformar com a sua manutenção.
Creio eu que os cidadãos desejos de reformas políticas, sociais e econômicas profundas, democratizantes e modernizantes, devem buscar desatar esse nó que impede o avanço do país: a mudança do atual quadro de alianças, com o estabelecimento de uma nova hegemonia e a democratização do nosso sistema politico, com a adoção do parlamentarismo.
Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista
Nenhum comentário:
Postar um comentário