domingo, 21 de agosto de 2011

Livro de Amado sobre Prestes vale apenas como curiosidade

OSCAR PILAGALLO

Escrito há quase 70 anos, o livro "O Cavaleiro da Esperança", de Jorge Amado (1912-2001), que volta ao mercado, não resistiu ao tempo.
Trata-se da biografia romanceada de Luís Carlos Prestes (1898-1990), escrita como peça para a campanha de anistia ao líder comunista. Em plena ditadura do Estado Novo, Prestes estava preso por seu protagonismo na frustrada tentativa de revolução no Brasil, em 1935.
Publicado originalmente em espanhol em 1942, quando Amado se encontrava exilado na Argentina, o livro teve circulação clandestina no Brasil até 1945.
Grande sucesso na época, "O Cavaleiro da Esperança" vale hoje apenas como curiosidade histórica.
A obra chega a ser didática ao mostrar como opera um autor engajado. Para bem servir à causa, ele afronta a forma e o conteúdo.
Em relação à estética, Amado lança mão do realismo socialista que vigorava na União Soviética.
Dirigindo-se a uma leitora imaginária, a quem chama de "amiga" ou "negra", ele despeja frases superlativas sobre o mito que ajuda a erguer.
Prestes emerge do relato como herói caricato. Estamos diante de alguém que é chamado de "estrela na noite negra, temporal do povo, raio na escuridão, vento noroeste que sacode a tirania". É como se Jorge Amado escrevesse ajoelhado.
O estilo em nada lembra os romances de costumes que, a partir do final dos anos 50, lhe garantiram o prestígio possível para um autor que sempre quis ser popular.
As primeiras obras de Amado são marcadas por sua militância comunista. Na ficção, porém, o autor nem sempre se dobrava aos interesses do partido, construindo personagens que não se enquadravam totalmente no modelo idealizado de proletário revolucionário.
Quanto ao conteúdo, não serve como fonte confiável de informação. É menos uma biografia do que um elogio.
Abstraindo-se a adjetivação hiperbólica, talvez o melhor seja a detalhada descrição da Coluna Prestes, que atravessou o Brasil nos anos 20 e contribuiu para criar as circunstâncias políticas que levaram à Revolução de 30.
O relato de outros episódios tem pouco a ver com o factual. O autor descreve o encontro com Olga com cores românticas, quando se sabe que a futura mulher de Prestes tinha sido designada pelo governo soviético para cuidar da segurança dele.
Em outro exemplo, Amado inocenta Prestes da responsabilidade pela morte da jovem Elza, companheira de um líder comunista e acusada de traição, quando estava patente que a ordem de execução partira dele.
O autor deixou o Partido Comunista depois da divulgação, em 1956, das atrocidades de Stálin, mas nunca renegou publicamente "O Cavaleiro da Esperança".
O mais próximo da autocrítica a que chegou foi a admissão, em 1979, de que a obra era ingênua. Ele tinha razão.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).

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