domingo, 15 de maio de 2011

Vargas Llosa e a Viagem literária ao coração das trevas

Viagem literária ao coração das trevas
Vargas Llosa fala sobre protagonista de O sonho do celta que enfrentou massacres, prisão e escândalo sexual

Guilherme Freitas

Numa longa reportagem intitulada "Viagem ao coração das trevas", publicada em janeiro de 2009 no "El País", Mario Vargas Llosa narrava os horrores da guerra civil do Congo, que, embora tenha durado oficialmente de meados dos anos 1990 a 2003, continua até hoje em conflitos espalhados pelo país. Os leitores do jornal espanhol não sabiam, mas a passa do escritor peruano pela rica foi dividida em duas partes, uma pública e outra secreta.

Na primeira, Vargas Llosa percorreu a divisa com Ruanda, escoltado pelos Médicos Sem Fronteiras, documentando as agressões trocadas entre hutus, tutsis e outros grupos da região para a matéria do "El País".

Depois, atravessou o Congo para conhecer as cidades de Boma e Matadi, onde viveu o protagonista do romance que pouca gente sabia que ele estava escrevendo, mas que já tinha título: "O sonho do celta".

Lançado no fim de 2010 em meio à fanfarra pelo reconhecimento tardio do comitê do Nobel de Literatura, o novo livro de Vargas Llosa, que chega agora ao Brasil pela editora Alfaguara em tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman, mostra o resultado da longa pesquisa feita pelo escritor.
"O sonho do celta" conta a história do irlandês Roger Casement, que no início do século XX foi cônsul britânico no Congo e na América Latina (inclusive no Brasil) e escreveu relatórios denunciando os massacres cometidos pelo rei belga Leopoldo 11na então colônia africana e os abusos . sofridos pelos Indios Putumayo no Peru.

Mescla de fantasia e pesquisa histórica.


Além do Congo, Vargas Llosa foi à Amazônia peruana e à Irlanda para investigar a vida de seu protagonista. No início, não estava seguro sobre o alcance de seu romance histórico, mas depois da viagem à África percebeu que os abusos denunciados por Casement há um século tinham uma ligação profunda com a situação atual do país e do continente.
Em entrevista ao GLOBO por email, Llosa recorda o momento em que se deu conta disso, num campo de refugiados com " milhares vivendo em tendas de trapos ou tombados no solo, sem ânimo para se levantar", onde ouviu o testemunho comovido de um médico sobre os estupros em série cometidos por todas as facções envolvidas na guerra civil.
Fiz a viagem ao Congo porque queria percorrer os lugares onde Casement tinha vivido e onde se passam os episódios congoleses do meu romance. O que eu não espertava era descobrir que no perfodo que eu descrevia tinha sido forjada toda essa violência atroz que ainda é a realidade cotidiana para milhões de famílias congolesas recorda.


O personagem que apresentou Vargas Llosa às consequências do colonialismo foi o mesmo que, no início do século passado, abriu os olhos de loseph Conrad, que chegou ao Congo no barco de uma companhia de Leopoldo ll, para o absurdo da ocupação belga, inspiração do romance "O coração das trevas".
Foi numa biografia recente de Conrad que o autor peruano leu pela primeira vez sobre Casement. Ficou "Intrigado e fascinado" pelo personagem e por seu "trágico destino", diz.

Depois de retornar ao Reino Unido como herói, Casement se engajou na luta pela independência da Irlanda. Preso por traição ao governo em 1911, ele se viu isolado depois da publicação de trechos de seus diários em que confessava ser HOMOSSEXUAL e pedófilo.
Foi enforcado em 1916, e seu legado de defesa dos direitos humanos foi eclipsado por esse escândalo sexual. Suspeitas de que os diários haviam sido forjados para incriminálo foram dissipadas por estudos recentes, mas Vargas Liosa se alinha aos que defendem que boa parte dos trechos mais explicitos são apenas fantasias de Casament.

Apesar dessa observação e dos anos de viagens e pesquisa em bibliotecas, o autor peruano sublinha que não quis fazer de "O sonho do celta" um documento histórico.
Sempre faço uma pesquisa extensa porque, dessa maneira, vou me empapando pouco a pouco do mundo que quero descrever..isso é um grande apoio para minha fantasia. Mas não sou um historiador e sim um romancista, e em "O sonho do celta" há multo mais invenção e fantasia do que memória histórica.


A mescla de fantasia e História é uma marca de romances importantes de Vargas Llosa, como "A festa do bode", que repassa três décadas de ditadura na República Dominicana, "A guerra do fim do mundo", baseado no cerco a Antonio Conselheiro e ao Arraial de Canudos, e "Conversa na catedral", um registro da vida no Peru de meados do século XX, que o próprio autor considera descobriu a história do irlandes Roger Casernent (à direita), protagonista do romance "O sonho do celta", lendo uma biografia de Joseph Conrad sua obra-prima.
O livro novo se aproxima da ambição desses, mas Vargas Llosa diz ter buscado um registro novo: Em "O sonho do celta" usei de maneira deliberada um tipo de escrita que se assemelha às crônicas histórlcas, aos informes e aos diários pessoais, o que não tinha feito nos romances anteriores.
Me pareceu que, usando um simulacro desses gêneros, aproximava psicologicamente o livro do tempo em que o romance transcorre, o fim do século XIX e inicio do XX explica.

As polêmicas e o medo de virar "estátua em vida"

Lançado no mês seguinte ao anúncio do Nobel, o romance se beneficiou da repercussão do prêmio. Grande parte da critica recebeu o livro com entusiasmo e viu na história de Casement a manifestação quase literal dos eloglos feitos a Vargas Llosa pela Academia Sueca, que justificou a decisão destacando "sua cartografia das estruturas do poder e suas imagens mordazes da resistêncla, revolta e derrota do individuo".
Mas não foram poucas as vozes dissonantes que lamentaram a pobreza de estilo do texto (na resenha abaixo, Wilson Alves-Bezerra critica a estratégia adotada pelo escritor de dar à prosa um tom excessivo de crônica histórica).

A polêmica sobre a qualidade do novo romance seguiram-se outras. Em tempos de eleições no Peru, o escritor que de Arquivo pois de ser derrotado por Alberto Fujimori em sua quixotesca campanha presidencial de 1990 prometeu não se envolver mais hn com política se manifestou a quando as urnas indicaram os candidatos que disputarão o segundo turno, em 5 de junho. Pan ra o ex e hoje neollberal Vargas Llosa, o país tem duas escolhas entre o nacionalista de esquerda Ollanta Humala e Keiko Fujimori, "o suicídio ou um milagre", disse à imprenn sa local.
Em artigo recente no q "El País", porém, declarou um relutante apoio a Humala, alarmado com as consequências de uma possível vitória da jovem filha de seu velho inimigo. .

Em abril, as polêmicas o ru acompanharam a Argentina. Chamado para abrir a Feira do Livro de Buenos Aires, esteve prestes a ser desconvidado pelo diretor da Biblioteca Nacional por ser um crítico da presidente » Cristina Kirchner, que terminoun o intervindo em favor do escritor.
Os conflitos o cansam, mas tamüe bém previnem contra o que:vê nmu como uma "doença" que afeta mu muitos escritores e tem o ronda-m c do desde o Nobel: "tornar-se uma estátua em vida". h m Não levo muito a sério as m referências a mim ou à minha nrW obra relacionadas com esse o prêmio. E continuo atuando com a mesma liberdade, ifíconformismo e atrevimento de antes. Não fujo dessas polêmicas políticas e literárias que, não sei por quê, parecem me acompanhar ao longo da vida como uma sombra.

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