Duas semanas atrás, tivemos uma surpresa quase inacreditável: o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, reconheceu plenos direitos aos homossexuais. Algo que eu não imaginava possível e que dificilmente o Congresso teria a coragem de votar, ou o poder executivo de sancionar, após a baixaria que foi a manipulação da questão do aborto, na campanha eleitoral. Mas, no Brasil, é raro uma notícia boa ser servida sem uma guarnição amarga: quase na mesma hora, soubemos que o Congresso aprovara plebiscitos, a realizarem-se ainda este ano, para criar dois novos Estados que seriam desmembrados do Pará.
Se essas consultas tiverem lugar só nos municípios que viriam a constituir as novas unidades da Federação, é quase certo que vença o “sim”. Na verdade, entendo que deveriam ser consultados todos os paraenses, porque seu atual Estado perderá população, território e recursos; ou todos os brasileiros, porque deveremos financiar as eventuais unidades federadas e, além disso, mudará o perfil da Câmara e do Senado.
Mas, para a política tradicional, é um presente dos céus. Haverá mais dois governadores (um para cada Estado novo), seus vices, 48 deputados estaduais, 16 federais, seis senadores, uns vinte ou mais secretários de Estado, outro tanto de desembargadores dos Tribunais de Justiça, membros dos Tribunais de Contas, isso para ficar só no topo das máquinas políticas. Um cálculo do IPEA, mencionado no site do professor Fábio Fonseca de Castro (http://hupomnemata.blogspot.com/2011/05/os-quatro-custos-de-dividir.html), da Universidade Federal do Pará, considera que um eventual Estado do Tapajós gastaria 34% do seu PIB só para manter sua administração. Essa elevada conta não inclui os investimentos que cada Estado deveria realizar, e sem os quais não haveria sentido em criá-los.
Aos cidadãos dos possíveis Estados se venderá a ilusão de que sua vida melhorará – e aqui está o problema. A ideia de que, pela criação de novas unidades federadas, as regiões mais pobres se desenvolverão é uma grande falácia. Está presa a um modelo político superado, que supõe que, multiplicando as funções de governo, o Estado fica mais perto das pessoas e eleva os indicadores sociais.
Com a mesma argumentação, por sinal, temos hoje propostas criando um total de dezoito novos Estados. Passaríamos das atuais 27 unidades federadas para 45; o Senado subiria para 135 membros e a Câmara aumentaria em cem deputados ou mais, sem contar pelo menos 300 novos deputados estaduais. Todos esses possíveis Estados, com a exceção talvez de São Paulo do Oeste e do Triângulo Mineiro, precisariam de aportes federais para sua simples subsistência. Também por isso, seriam incapazes de realizar os investimentos sociais e econômicos que deveriam fazer. Na verdade, como o Brasil aumentaria os gastos com administração, teria menos dinheiro para a economia e a sociedade. O poder público despenderia mais com atividades-meio, à custa de suas atividades-fim.
Para sentirmos a dimensão histórica dessas propostas, basta lembrar que, nos 71 anos que foram da proclamação da República até a transferência da capital para Brasília, em 1960, não foi criado nenhum novo Estado – aliás, a conta exata é de 107 anos, desde que o Amazonas se separou do Pará (1850) e o Paraná de São Paulo (1853), só que na época essas unidades se chamavam províncias e não Estados. Já no meio século que vem desde a mudança do Distrito Federal para o Planalto, foram criados seis Estados, aos quais agora se somariam Tapajós e Carajás, a maioria deles com poucos recursos próprios.
E no entanto... Nossos Estados mais pobres, situados em especial na Amazônia, no Centro-Oeste e no Nordeste, e ainda mais suas eventuais subdivisões ora cogitadas, podem conhecer um extraordinário desenvolvimento se sairmos desse modelo de criação de Executivo, Legislativo e Judiciário próprios, para o da exploração científica da biodiversidade. É nessas regiões que se situa o todo ou a maior parte dos distintos biomas que são a Floresta Amazônica, a caatinga, o cerrado e o pantanal, sem contar trechos da Mata Atlântica. Esses complexos são bem diferentes entre si, mas são, todos, ricos. Neles há muito a descobrir, a desenvolver, a utilizar. Iniciativas de nossos cientistas, ou de empresas que utilizam plantas para a produção de cosméticos, mostram um potencial de expansão que é notável.
Além disso, esses Estados entrariam num modelo de desenvolvimento sem os vícios daquele que fez São Paulo, por exemplo, crescer – mas que levou esse Estado, hoje, a uma crise monumental, da qual terá dificuldade para sair. A unidade mais rica da Federação enfrenta problemas de moradia, trânsito, poluição e segurança que será bastante complicado – e caro – resolver. Estados hoje mais pobres, mas que escolham a via do desenvolvimento sustentável, poderão evitar os erros cometidos nas unidades atualmente mais prósperas, escapando a problemas que a cada dia se agravam.
Qual seria, então, o melhor caminho para os brasileiros dessas regiões? Não é a solução já caduca de criar cargos para políticos. É aumentar o Ibama, isso sim. É termos órgãos públicos, estatais ou não, que invistam mais e mais no conhecimento da diversidade das formas de vida, na exploração dessas riquezas pelas populações locais, no uso sustentável delas para uma produção bastante diversificada de bens que terão, além de suas qualidades próprias, a vantagem econômica que um selo verde representa cada vez mais no mercado internacional. Por isso, em vez de aumentar o número de governadores, deputados e senadores, melhor será ampliar o Ibama.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
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