sábado, 7 de maio de 2011

Um bom negócio (Maria Cristina Fernandes)

Virar credor do PT parece ser um dos melhores negócios da década. O partido rola a dívida com modestas amortizações, mas isso não impede que a cada eleição os petistas consigam captar mais recursos para suas campanhas.

É um privilégio de partido que está no poder. O PSDB, por exemplo, precisou reduzir drasticamente sua dívida para conseguir se tomar novamente recursos na campanha presidencial do ano passado.

Na régua de sucesso partidário, o topo é ocupado pelo mais endividado. A expectativa de bom desempenho nas urnas favorece uma arrecadação gorda e o exercício do poder abre ainda mais portas ao crédito partidário. Estivesse no mercado, o PT seria um Friboi às portas do BNDES: capta porque é grande; é grande porque capta.

À luz do balancete do partido divulgado esta semana pelo Tribunal Superior Eleitoral é que se compreendem as três decisões mais importantes do recente diretório nacional petista: a defesa do voto em lista fechada, do financiamento público e da volta do ex-tesoureiro da legenda, Delúbio Soares.

Na brigada pelo voto em lista fechada, em que o eleitor é apresentado a uma lista de candidatos preordenada pelo partido, o PT argumenta que o modelo favorece a representação de mulheres e etnias.

O argumento não resiste ao balancete apresentado ao TSE. Da lista de aquinhoados pelos recursos que o partido atesta ter repassado aos seus candidatos à Camara dos Deputados, constam apenas quatro mulheres: Benedita da Silva (RJ), Fátima Bezerra (RN), Maria do Rosário (RS) e Iriny Lopes (ES).

A maior evidência de que o privilégio se explica mais pela proximidade das candidatas da cúpula partidária do que pelo gênero é que duas das quatro beneficiadas viraram ministras.

Como apenas Benedita e Fátima exercem o mandato, resulta que da atual bancada de nove deputadas petistas, sete chegaram lá sem recursos do PT nacional.

Estivesse o partido realmente movido pelo interesse em aumentar a proporção de mulheres na sua bancada teria pingado algum na campanha de suas candidatas. Não precisa de lista para isso.

Explicação mais convincente para a defesa que o PT faz da lista é a presença do presidente do bilionário fundo de pensão da Caixa Econômica Federal (Funcef), Guilherme Lacerda, no balancete do partido.

Candidato estreante à Câmara dos Deputados pelo PT do Espírito Santo, Lacerda, que está para deixar a Funcef, recebeu R$ 3 milhões dos cofres nacionais da legenda. Ainda assim não conseguiu se eleger. Houvesse lista talvez tivesse sido mais fácil. Não precisaria convencer o eleitor.

Ao contrário do que preconizam seus defensores, o voto em lista não traz embutida uma maior identificação partidária nem aumenta a disciplina interna das legendas. Para quem ainda acha isso importante, a identidade dos brasileiros com partidos está na média mundial (45%), e as legendas têm mais de 80% de disciplina nas votações do Congresso.

O voto em lista não pode ser responsabilizado pelas mazelas da democracia na Dinamarca ou na Bélgica nem pelas virtudes da vida eleitoral em Benin ou na África do Sul.

A motivação para o voto em lista é legítima, ainda que não rime com a defesa dos pobres e oprimidos: como o PT ainda tem mais voto de legenda, o modelo aumenta sua vantagem sobre os demais partidos e viabiliza a adoção do financiamento público que se pretende exclusivo.

Seu principal argumento é o de que sem o financiamento público não se pode limitar o tráfico de influência. É difícil compreender como um partido que rola sem dificuldades uma dívida milionária com seus credores pode arguir que é possível acabar com o caixa 2 engordando o 1. Pelos mesmos motivos, talvez veja dificuldades em prover os meios para que Justiça Eleitoral, Tribunal de Contas e Controladoria-Geral da União cumpram sem amarras sua missão de fiscalizar a relação entre os financiadores da política e a lisura dos negócios da República.

A terceira das decisões do diretório nacional, a reincorporação de Delúbio, é apenas a consequência das outras duas. Depois do pedido oficial de desculpas à nação por "atos que nos comprometem, moral e politicamente" e do compromisso com a apuração das responsabilidades (resolução de 17/08/2005), a reincorporação de Delúbio seis anos depois de sua expulsão é o coroamento do cinismo. Se o partido, além de abdicar da apuração interna das responsabilidades do mensalão, ignora um julgamento oficial ainda em curso é porque descrê não apenas das instituições mas da capacidade de a política partidária democratizá-las.

Perdido num quadro partidário de falsa polarização entre propostas de poder cada vez mais parecidas, o PT quer mais dinheiro público para listar os candidatos com os quais pretende dizer ao distinto público que a política deixou de fazer diferença. A cada vez mais frequente unanimidade com que se move um diretório nacional que já foi abrigo de grandes embates não deixa dúvidas de que o partido do poder virou um bom negócio.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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