"Foi uma decisão enfática, unânime e rápida"
A gente fazia um jornal gay, mas era um jornal. Noticiava o que estava acontecendo. Então, quando o Papa veio ao Brasil em 1980, a gente publicou. Mas sob o ponto de vista dos gays, né, então era: "Vinte séculos de repressão e preconceito!"...", conta um bem-humorado Aguinaldo Silva, que, antes de se tornar o conhecido autor de novelas, foi editor do "Lampião da Esquina", jornal que circulou todo mês entre 78 e 81 defendendo os direitos dos homossexuais.
É claro que Aguinaldo acompanhou a votação no Supremo Tribunal Federal (STF), que, na última semana, permitiu a união civil gay no Brasil. De Itaipava, Região Serrana do Rio, ficou vendo o julgamento por sites e pelo Twitter. E aplaudiu seu final.
- De uma pernada só, disseram que são todos iguais, acabou. Antes, essas pessoas não eram cidadãos completos. Agora, foram inseridas na cidadania - diz ele, gay assumido. - Foi uma decisão enfática, porque foi unânime e muito rápida. E todos (os ministros do STF) opinaram, dá para fazer uma antologia sobre o assunto.
"Não tinha como ser resolvido pelo Congresso"
A ênfase que o Supremo teria dado a essa votação, crê o autor, foi porque seus ministros sabiam que se tratava de um tema "que não tinha como ser resolvido pelo Congresso, que é um saco de gatos". Para ser votado lá, "a bancada pentecostal teria que fazer acordo com a bancada ruralista, que teria que fazer acordo com alguma outra bancada".
O que alguns acham que foi uma lacuna da decisão do STF - o fato de que ela diz que os casais gays têm os mesmos direitos que os heterossexuais, mas não listou quais seriam esses direitos -, Aguinaldo Silva vê como ponto positivo.
- Não tinham que explicitar os direitos mesmo, não. Justamente porque não listaram (quais são esses direitos), abrangeram tudo. O Supremo foi muito sábio - diz ele, para quem essa abrangência permite a interpretação de que o direito à adoção também estaria assegurado aos casais gays, algo que, no entanto, dependeria de regulamentação do Congresso. - Se todo casal heterossexual pode adotar, e os direitos são, a partir de agora, para todos, então os casais gays também podem adotar.
Apesar de festejar o resultado do julgamento, Aguinaldo ressalva que uma decisão que legalizasse a união gay já era para ter saído no Brasil faz tempo.
- Se a gente for pensar na América Latina, o Brasil tinha essa questão não resolvida. É um país muito aberto do ponto de vista dos costumes, mas tinha essa hipocrisia. Enquanto países menos abertos aos costumes, como Equador, por exemplo, já aprovaram isso (na América Latina, permitem união gay Argentina, Equador, Colômbia e Uruguai, além da Cidade do México; em todo o mundo, há pelo menos 19 países que reconhecem direitos de casais gays).
Hoje Aguinaldo não se vê mais como ativista gay. Mas acha que, nos últimos tempos, o movimento pecou ao insistir, quando falava de direitos de casais gays, na palavra "casamento" - que remete imediatamente à Igreja, o que dificulta muita coisa.
Na época em que era um ativo defensor da causa por meio do "Lampião da Esquina" - que não era a única publicação gay da época, mas fez História ao ser um título que, voltado ao público gay, era feito por nomes $Jean-Claude Bernardet, Darcy Penteado, Peter Fry e Clóvis Marques -, Aguinaldo chegou a ser processado.
- Éramos 11 jornalistas, todos homossexuais, que resolveram fazer um jornal. Foi muito interessante, porque fomos processados duas vezes, pelo Armando Falcão (ministro da Justiça no governo Geisel). Fomos todos fichados, mas não ficamos presos.
Depois, até fomos absolvidos. Os processos não eram $por essa ou aquela reportagem, era contra o jornal todo mesmo. Com base na Lei de Imprensa, diziam que ele atentava contra a moral e os bons costumes - diz Aguinaldo sobre o "Lampião", cujo primeiro número foi justamente sobre um processo que o jornalista Celso Cury sofria por publicar uma coluna de temática gay.
Lula sobre homossexualismo operário: "Não conheço"
O autor diz que o jornal - o "lampião" do título era para se referir a uma lamparina, "mas a pessoa que fez a logo achou que era o cangaceiro e tascou lá um chapéu de couro" - teria acabado por "divergências internas": entre paulistas do grupo que queriam "algo radical, achavam que os gays formavam um clã", e os cariocas (entre os quais se incluiu Aguinaldo, pernambucano que se mudou para o Rio em 64), que queriam algo "mais descontraído".
Além da vinda de João Paulo II ao país, Aguinaldo lembra de reportagens como uma entrevista com Fernando Gabeira:
- Fomos o primeiro jornal a entrevistá-lo depois que ele voltou do exílio. Quatro horas de entrevista. Quando fomos escrever, o gravador não tinha gravado nada. Voltamos a ele para fazer tudo de novo.
Em 79, o então sindicalista Lula foi capa do jornal, que publicou um "ABC do Lula", uma série de temas, iniciados cada um por uma letra do alfabeto, e para o qual Lula dizia o que pensava. Na letra H - cujo tema era "Homossexualismo na classe operária" -, Lula foi rápido: "Não conheço". Na F - com o tema "Feminismo" -, o homem que anos depois faria como sucessora a primeira mulher presidente do país disparou: "Acho que é coisa de quem não tem o que fazer".
Mas afinal, o autor, hoje com 68 anos, vai aproveitar a decisão do Supremo e se casar?
- Já tive duas relações longas, hoje não estou namorando. Aliás, estou na idade é de ficar viúvo. Mas tenho muitos amigos heterossexuais casados para querer me meter nessa fria (risos). Vejo os problemas que eles passam. Não sei por que esse pessoal quer tanto se casar!
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