domingo, 8 de maio de 2011

Decisão do STF (1): João Silvério Trevisan (Entrevista)

"Há muito tempo eu não sentia orgulho do Brasil"
Tatiana Farah

Militante pelos direitos homossexuais desde os anos 1970, quando, em plena ditadura militar, lançou o jornal “Lampião da esquina” e o movimento Somos.

Escritor, ensaísta, filósofo e cineasta, Trevisan conta que “sentiu orgulho do Brasil com a aceitação da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal. Para ele, não há mais como recuar na garantia dos direitos dos homossexuais, e o próximo passo é a criação de uma lei que puna a homofobia. Autor de “Devassos no paraíso” e “Seis balas num buraco só: a crise do masculino”, dois estudos sobre a sexualidade no Brasil, João Silvério diz que o 5 de maio é uma celebração do “direito de amar”.

Eis a entrevista:

- Qual a importância da decisão do STF sobre a união civil para gays?
- Foi um divisor de águas na democracia brasileira, não apenas por conta do tema abordado, mas por todo o contexto e a conotação dos debates. Fazia muito tempo que eu não tinha orgulho do Brasil. Ontem (quinta-feira), eu tive orgulho do Brasil ao ouvir os ministros falando com uma precisão que eu não imaginava que existisse neles. Uma precisão visando à questão democrática. Estamos ou não numa democracia? Se estamos, os direitos são para todos. Foi importante também porque atingiu toda a comunidade homossexual do país.

- O senhor tem estimativa do tamanho dessa comunidade?
- Não há uma estimativa, justamente por conta da invisibilidade. Ela é imensamente invisível. A bissexualidade brasileira não se trata de bissexualidade. É uma homossexualidade vivida clandestinamente. A quantidade de homens casados que vivem sua homossexualidade clandestinamente é escandalosa e assustadora. Então, a decisão do STF é uma mensagem importantíssima para essa comunidade desconhecida, porque é um círculo vicioso: você se esconde porque tem medo e, por se esconder, não pode reivindicar ou sequer saber quais são os seus direitos.

- O senhor acredita que haverá um grande movimento de casamentos homossexuais, de formalização das relações?
- Não é isso o que importa. O mais importante não é o movimento em função do casamento, mas a aceitação de que existem homossexuais no Brasil e de que seus direitos não são diferentes dos direitos de nenhum outro cidadão. O fato de o Supremo de um país reconhecer a existência, o direito dessas pessoas de constituírem sua união amorosa dá uma visão definitiva e clara do que seja um relacionamento homossexual. Homens adoram transar entre si, e depois vão se casar com mulheres. É histórico no Brasil.

- Por que ser gay incomoda tantas pessoas?
- O machão se sente ameaçado e não me pergunte por quê. Há uma série de motivações. Eu, particularmente, acho que as motivações ideológicas escondem as psicológicas, muito sérias. Como dizia José Simão, a propósito de atitudes de políticos como (Jair) Bolsonaro, “debaixo de todo pitbull há uma Lassie”. De maneira simplista podemos lembrar esse fato: estão ameaçados porque têm algum tipo de encantamento do qual estão se defendendo.

- Assusta ver nas redes sociais, como no Twitter, a expressão de jovens homofóbicos?
- Assusta, sim. Acho que as políticas educacionais estão sempre a reboque. As gerações têm de ser educadas dentro de um processo democrático. E esse processo tem de pensar as diferenças, todas as diferenças.

- Os meninos gays estão se mostrando mais?
- Graças a Deus, os meninos gays e as meninas lésbicas estão se mostrando mais. Essa meninada, que vem da periferia para poder se beijar no centro da cidade, vem num espaço limitado exercer o seu direito de amar. É como a piada do beijo gay na novela, que já virou uma coisa ridícula.

- O próximo passo é conquistar a lei contra homofobia?
- Certamente. No Brasil e de seus direitos não são diferentes dos direitos de nenhum outro cidadão. O fato de o Supremo de um país reconhecer a existência, o direito dessas pessoas de constituírem sua união amorosa dá uma visão definitiva e clara do que seja um relacionamento homossexual. Homens adoram transar entre si e depois vão se casar com mulheres.

- E isso deve mudar?
- Não. O que vai mudar é a ideia de que homens não podem se amar e mulheres não podem se amar. A união estável faz um reconhecimento de que homossexuais amam. O seu amor tem os mesmos direitos e deveres do amor de heterossexuais. E (a decisão do STF) foi uma lição para o Brasil de que nós, homossexuais, com nossa firmeza e resistência, temos o nosso direito de amar.

- Esses direitos vão se estender à adoção de crianças?
- Agora não há mais como segurar.

- A comunidade gay vai acabar ficando mais “careta” com essa ideia de casamento?
- É bem provável que estejamos virando caretas, ao nos atrelarmos a uma circunstância formalizada pelo Estado. Mas há o bônus, que é a conquista política da igualdade e do direito de não ser violentado. Não é fácil ver um mendigo olhando para você e gritando: “Viado tem tudo é que morrer”. É indescritível a dor que isso provoca. O que leva o mendigo a achar que é mais importante que eu? Ele é um pária social, mas, para ele, estou abaixo.

- A ofensa é maior quando vem de um mendigo?
- A ofensa é exatamente igual. Mas estou dizendo que a coisa é tão violenta que, até para um pária social, estou abaixo dele. É um exemplo emblemático do lugar em que nós estamos: o cocô do cavalo do bandido.

- A união civil vai mudar essa situação?
- Vai demorar muito. Celebramos a conquista, mas o que tem pela frente é assustador. Por que estamos há quanto tempo esperando projeto de lei que pune a homofobia?

- E a decisão do STF deve facilitar a aprovação do projeto?
- Não há possibilidade, agora, de retorno. Tudo o que acontece no Brasil é em função de um fato consumado, e o STF deu agora um fato consumado. Não tem volta. É a armadilha na qual o Judiciário colocou o Legislativo. Nossos políticos estão no piloto automático, há muito não pensam no bem do cidadão. É uma classe altamente fisiológica.

- Que país é este em que a Parada Gay é uma festa nacional, mas, na mesma Avenida Paulista, gays apanham à noite?
- É a hipocrisia em que vivemos. A cultura do Brasil é carnavalizada. É a cultura da máscara, como escrevo em “Devassos no paraíso”. Usamos a máscara para o bem e para o mal. O lado legal é o bom humor, a esculhambação, a criatividade e o afeto. E tem o jeitinho, que é a parte da sombra da cultura brasileira. É o jeitinho de não deixar as coisas claras. A falsa bissexualidade, por exemplo, faz parte dessa máscara.

- Como vê o movimento LGBT de hoje?
- Tenho severas críticas ao movimento homossexual. É de elite, e o que conseguiu foi por lobby. A comunidade homossexual brasileira é politicamente alienada. Hoje, graças às redes sociais, as ideias estão mais difundidas. Isso não significa um movimento homossexual, mas sim tomada de decisão política da comunidade, o que é fantástico.

- Por outro lado, a visibilidade da homofobia aumentou?
- Com certeza. E era de se esperar a reação. A união estável entre homossexuais não prejudica ninguém, mas existem pessoas, pelos motivos mais diversos, desde ideológicos, psicológicos, sexuais, que se incomodam. Como se estivéssemos tomando o espaço delas. É só ver a bancada religiosa e a CNBB, que acham que realmente alguma coisa muito ruim está acontecendo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário