sexta-feira, 27 de maio de 2011

O futuro a Lula pertence (Maria Cristina Fernandes)

Ameaça ruir o esforço da presidente Dilma Rousseff em imprimir uma marca e selar diferenças em relação ao governo de seu antecessor.

As denúncias que envolvem o ministro da Casa Civil, a votação do Código Florestal e a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília ameaçam a forma e o conteúdo da mudança.

Lula se valeu dos resultados de seu governo, de concessões e do seu carisma para equilibrar sua conflitante base política.

Dilma comanda uma equação de poder mais ampla e ainda é cedo para ter resultados a mostrar. Mas optou por algumas bandeiras como política externa afiançada em direitos humanos, postura de menos confronto com a imprensa e discrição no exercício do poder para conquistar parcelas da sociedade ariscas ao carisma lulista.

A resistência ao código obedece a esse figurino tanto na conquista da classe média urbana quanto na imagem do Brasil no exterior. As pontes lançadas à oposição, como a cordialidade na relação com ícones do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também seguem neste prumo.

Ameaça ruir o esforço de Dilma em delimitar as diferenças

Ao recorrer a Lula para conter a crise desencadeada pela descoberta da atípica evolução patrimonial de Palocci, Dilma não passa recibo apenas da delicada situação política do ministro da Casa Civil, mas das fragilidades latentes de sua equação de poder.

A primeira missão de Lula foi mandar alardear o que o Planalto já tentava plantar nas redações: que a artilharia contra Palocci havia partido do ex-governador José Serra. Lula trouxe para a linha de frente da defesa de Dilma o bateu-levou dos palanques do ano passado que tanto contrastou com a amena imagem pública da nova presidente.

Independentemente dos benefícios para Serra em se fazer presente no jogo no momento em que seu próprio partido se prepara para defenestrá-lo, a tática do ex-presidente esbarra nas eloquentes evidências de que o volume de interesses contrariados na República é maior na base governista do que na oposição. No embate eleitoral um inimigo externo pode até ajudar a unir aliados. Numa conjuntura em que a oposição não tem número sequer para aprovar um requerimento, a iniciativa, além de desprovida de foco, é um acinte à inteligência dos aliados governistas.

Passaria por uma iniciativa patética não tivesse sido levada a cabo pelo secretário-geral da Presidência. Ao confiar a Gilberto Carvalho e não a um parlamentar a missão de acusar nominalmente Serra de mandar quebrar o sigilo fiscal da consultoria de Palocci, Lula quebra a liturgia da Presidência da República como se ainda a ocupasse e infantiliza a figura da titular, superior hierárquica do cargo aparelhado para a luta política.

Ao nomear para a Casa Civil aquele que gozava de mais prestígio junto ao ex-presidente entre os comandantes de sua campanha, Dilma não se valeu dos mesmos filtros que Lula usou para escolhê-la na substituição a José Dirceu.

Imaginava-se que o telhado de vidro de Palocci seria poupado pela completa subordinação do cargo à Presidência. A solução se mostrou precária não apenas pela fina espessura do vidro mas também pela natureza dos interesses que este governo se dispôs a conciliar em sua base, a começar pelas disputas internas do partido da presidente.

A votação do Código Florestal escancarou as dificuldades do governo com o que Marcos Nobre já chamou de "excesso de adesão".

O projeto do código tramita no Congresso há 12 anos em reação ao avanço da legislação ambiental. A Dilma, como àqueles que a precederam, nunca interessou votá-lo porque o texto colocaria um freio a políticas federais de proteção ambiental que têm avançado a despeito da representação parlamentar dos produtores rurais.

No governo Dilma, a resistência a colocar na letra da lei a anistia a desmatadores, somada à maior ênfase do Itamaraty em direitos humanos, compõe a imagem de Brasil que se quer projetar no exterior. A postura também ajuda a equilibrar, internamente, uma imagem de presidente irredutível no licenciamento de usinas. Se nesse quesito não há concessão porque se avalia que a geração de energia seria colocada em risco, é no freio ao desmatamento que precisa se fiar.

O código rumava para ser aprovado mesmo sem as denúncias contra Palocci. Mas a crise diminuiu o cacife do governo para conseguir um texto mais equilibrado e colocou o jogo no colo do PMDB, o partido sempre melhor equipado para tirar proveito de conjunturas afins.

Numa amostra da janela de oportunidades que a crise abriu para a sedenta base aliada de Dilma, o PR de Anthony Garotinho, aplicado aprendiz do pemedebismo, conseguiu fazer com que a cartilha anti-homofobia do Ministério da Educação fosse recolhida.

Se Lula já havia conseguido reeditar, com as acusações à oposição, o clima que Dilma, a muito custo havia conseguido esfriar, o PR levou o Executivo a retroagir num tema igualmente inflamado pela campanha.

A cartilha, chancelada pela Unesco, era uma catequese para a tolerância numa juventude frequentemente exposta a apelos violentos contra a homofobia. Até o Supremo, por unanimidade, já havia conseguido avançar na aceitação ao casamento gay a despeito de um Congresso que exerce sucessivamente seu poder de veto ao tema.

O Supremo, segundo seu presidente, tenderá cada vez mais a fazer sessões fechadas e prévias aos julgamentos públicos. Assim foi na questão da homofobia.

Assim vai-se redesenhando a repartição dos Poderes. Os onze magistrados tomam a iniciativa de colocar o país na era do Iluminismo em sessões fechadas, o Congresso joga abertamente na retranca para manter o regime das sesmarias e o Executivo, como definiu a presidente em seu primeiro pronunciamento desde a crise palociana, entrega seu futuro aos céus. Talvez tenha sido sua maneira de dizer que o futuro a Lula pertence.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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