Era esperado. Era esperado que um dos membros do “ministério pragmático” de Michel Temer, desse com os burros n’água, fosse pego com a boca na botija, não tivesse destreza para dar nó em pingo d’água. Afinal, para quem é bacalhau, basta. Não é assim que pensam nossos governantes? Não somos todos bacalhau em casa de ferreiro, espeto de pau?
O ministro do Planejamento escolhido por Temer, um dos principais integrantes da equipe econômica, pego em gravação comprometedora. O ministro do Planejamento, às vésperas da votação pelo Congresso Nacional da nova meta fiscal, meta metida no vermelho, enrubescida de vergonha, posto que é negativa, disse que queria “estancar a sangria”. Em entrevista para se explicar, disse o ministro que a sangria a que se referia era a da economia. É mesmo? Então, agora vai.
Não houve tempo. Ao perceber o “erro”, pediu licença. “Licença de ministro” e “quarentena com foro privilegiado” são tecnologias jurídicas únicas no mundo, esquisitices brasileiras para tipos peemedebísticos e petísticos. Aquilo que o povo chama de pouca vergonha. Acabou exonerado para voltar ao Senado.
O governo interino de Michel Temer completa duas semanas. Duas semanas em que, entre brados de golpe, alguns acertos nas nomeações para a equipe econômica, vários erros nas indicações políticas, houve sopro de esperança. Esperança de que torniquete na hemorragia à qual o ex-ministro falastrão não se referia fosse, finalmente, aplicado. Não falo dos mercados, sempre a oscilar ao sabor dos dissabores políticos e econômicos. Falo dos empresários, dos trabalhadores, das pessoas que sentem a dor do desemprego, o desamparo da falta de perspectivas para o investimento – empresários, grandes, médios, pequenos.
Depois de tantos desvarios, por fim se via possibilidade de começar o árduo processo de reconstrução do País. Destruído, como refletira a meta revisada para um déficit primário de R$ 170,5 bilhões. É bom que se saiba: o déficit bilionário é apenas a diferença entre as receitas e as despesas programadas – muitas já ocorridas – em 2016, excluindo-se da conta o pagamento dos juros que incidem sobre a dívida pública. Caso esses sejam somados à vermelhidão, o resultado chega perto dos R$ 600 bilhões. Seiscentos bilhões de reais, ou cerca de R$ 4.200 para cada indivíduo que trabalha no País. Pensem nisso. Quantos podem pagar cota extra de condomínio de R$ 4.200 para ajudar a fazer dos escombros novo prédio?
Contudo, criou-se a expectativa de que o governo interino pudesse, com confiança e determinação, trazer de volta ao País algum leve, levíssimo ar de esperança. A dura realidade de quem realmente nos governa, entretanto, nos deu aquilo que merecíamos. Ardeu a bochecha? Machucou a mandíbula? Pois é, é para que não nos esqueçamos de que Temer-Adão é costela de Dilma-Eva, que é costela de Lula-Adão.
E agora? Há dois possíveis cenários. No primeiro, Temer altera aos poucos seu ministério político por outro com perfil mais técnico e segue em frente com as reformas de que o País tanto necessita, aos trancos e barrancos, mas sem interrupções ameaçadoras. No segundo, Temer nada muda e é confrontado por sequência de escândalos dentro de seu partido, aquele que governou lado a lado com o PT ao longo dos últimos tantos anos, é atropelado pela crise política e pela crescente insatisfação da população brasileira. Nesse cenário, sinto dizer, a tristeza não terá fim. Crise fiscal haverá de se instalar no País, acompanhada de mais caos, mais incerteza, inflação, desemprego.
O que é mais provável? Como vimos no caso do ministro exonerado, antes nas estripulias de Waldir Maranhão, no Brasil de hoje tudo é possível. A volta de Dilma também é possível. Volta que levaria o País ao apogeu da tortura econômica e do tumulto político e social, que não se enganem aqueles que ainda a defendem.
A esperança. A esperança é aquela que voa leve, que tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar. No Brasil saqueado não há vento. Há torvelinho, há olho do furacão. Brasil que faz cair a alma aos pés...
(*) Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
O Estado de São Paulo (25/05/16)
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