sábado, 28 de maio de 2016

Tristeza não tem fim (Monica De Bolle)

Era esperado. Era esperado que um dos membros do “ministério pragmático” de Michel Temer, desse com os burros n’água, fosse pego com a boca na botija, não tivesse destreza para dar nó em pingo d’água. Afinal, para quem é bacalhau, basta. Não é assim que pensam nossos governantes? Não somos todos bacalhau em casa de ferreiro, espeto de pau?
O ministro do Planejamento escolhido por Temer, um dos principais integrantes da equipe econômica, pego em gravação comprometedora. O ministro do Planejamento, às vésperas da votação pelo Congresso Nacional da nova meta fiscal, meta metida no vermelho, enrubescida de vergonha, posto que é negativa, disse que queria “estancar a sangria”. Em entrevista para se explicar, disse o ministro que a sangria a que se referia era a da economia. É mesmo? Então, agora vai.
Não houve tempo. Ao perceber o “erro”, pediu licença. “Licença de ministro” e “quarentena com foro privilegiado” são tecnologias jurídicas únicas no mundo, esquisitices brasileiras para tipos peemedebísticos e petísticos. Aquilo que o povo chama de pouca vergonha. Acabou exonerado para voltar ao Senado.
O governo interino de Michel Temer completa duas semanas. Duas semanas em que, entre brados de golpe, alguns acertos nas nomeações para a equipe econômica, vários erros nas indicações políticas, houve sopro de esperança. Esperança de que torniquete na hemorragia à qual o ex-ministro falastrão não se referia fosse, finalmente, aplicado. Não falo dos mercados, sempre a oscilar ao sabor dos dissabores políticos e econômicos. Falo dos empresários, dos trabalhadores, das pessoas que sentem a dor do desemprego, o desamparo da falta de perspectivas para o investimento – empresários, grandes, médios, pequenos.
Depois de tantos desvarios, por fim se via possibilidade de começar o árduo processo de reconstrução do País. Destruído, como refletira a meta revisada para um déficit primário de R$ 170,5 bilhões. É bom que se saiba: o déficit bilionário é apenas a diferença entre as receitas e as despesas programadas – muitas já ocorridas – em 2016, excluindo-se da conta o pagamento dos juros que incidem sobre a dívida pública. Caso esses sejam somados à vermelhidão, o resultado chega perto dos R$ 600 bilhões. Seiscentos bilhões de reais, ou cerca de R$ 4.200 para cada indivíduo que trabalha no País. Pensem nisso. Quantos podem pagar cota extra de condomínio de R$ 4.200 para ajudar a fazer dos escombros novo prédio?
Contudo, criou-se a expectativa de que o governo interino pudesse, com confiança e determinação, trazer de volta ao País algum leve, levíssimo ar de esperança. A dura realidade de quem realmente nos governa, entretanto, nos deu aquilo que merecíamos. Ardeu a bochecha? Machucou a mandíbula? Pois é, é para que não nos esqueçamos de que Temer-Adão é costela de Dilma-Eva, que é costela de Lula-Adão.
E agora? Há dois possíveis cenários. No primeiro, Temer altera aos poucos seu ministério político por outro com perfil mais técnico e segue em frente com as reformas de que o País tanto necessita, aos trancos e barrancos, mas sem interrupções ameaçadoras. No segundo, Temer nada muda e é confrontado por sequência de escândalos dentro de seu partido, aquele que governou lado a lado com o PT ao longo dos últimos tantos anos, é atropelado pela crise política e pela crescente insatisfação da população brasileira. Nesse cenário, sinto dizer, a tristeza não terá fim. Crise fiscal haverá de se instalar no País, acompanhada de mais caos, mais incerteza, inflação, desemprego.
O que é mais provável? Como vimos no caso do ministro exonerado, antes nas estripulias de Waldir Maranhão, no Brasil de hoje tudo é possível. A volta de Dilma também é possível. Volta que levaria o País ao apogeu da tortura econômica e do tumulto político e social, que não se enganem aqueles que ainda a defendem.
A esperança. A esperança é aquela que voa leve, que tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar. No Brasil saqueado não há vento. Há torvelinho, há olho do furacão. Brasil que faz cair a alma aos pés...
(*) Economista, pesquisadora do Peterson Institute for Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
O Estado de São Paulo (25/05/16)

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