O presidente do PMDB é um árbitro de luta profissional. Dá os pontos e a vitória a quem bate mais e melhor. Está sempre atento para não virar ele mesmo alvo dos golpes. Não há projeto, rumo ou direção previamente estabelecidos em suas decisões. Apenas acompanha a correlação de forças de cada momento: quem pode mais, leva; quem pode menos, aguarda uma próxima oportunidade. A única preocupação do árbitro é evitar o nocaute. No PMDB, a regra são as decisões por pontos.
Não por acaso, não se fala mais em presidente do PMDB. Ninguém sabe ao certo quem está no exercício do cargo no momento. O presidente interino se licenciou da função, assim como seu sucessor imediato no partido, o ministro do Planejamento, Romero Jucá. Mas, como presidente interino, Temer continua operando como presidente do PMDB. O problema é que não dá para agir na Presidência da República da mesma maneira como na presidência do PMDB. A necessidade de mudar de atitude já está mais do que evidente.
Não se trata de imaginar que um governo liderado pelo PMDB possa vir a ter um rumo preciso. Seria excessivo para a lógica de funcionamento do partido. O impeachment veio para restaurar as condições em que o sistema político operou nas duas últimas décadas. Se o governo interino tomar algum rumo mais ou menos homogêneo não será por obra sua, mas de algum polo de aglutinação dentro de seu governo que venha a se impor como dominante, seja em torno de Henrique Meirelles, seja em torno de José Serra. Mas o mais provável é que seja mesmo um governo disperso. Mesmo seu traço distintivo comum, o conservadorismo, não deverá ser homogêneo.
Em suma, o governo interino está à mercê das disputas internas entre seus feudos e será o que resultar dessas disputas. Mas não ter rumo não significa não ter objetivos e prioridades. Mais especificamente, o presidente interino tem uma única prioridade oficial, que pode ser resumida em um único objetivo: estabilizar a relação dívida/PIB. Colocou seu destino nas mãos do mercado, da mesma forma como Dilma Rousseff ao longo de 2015. Mas não se trata de mera troca de Joaquim Levy por Henrique Meirelles. A troca do segundo escalão das relações com o mercado pelo primeiro significa também que foram dadas a Meirelles garantias de que terá condições efetivas para entregar o prometido.
Não há hipótese de o governo interino não alcançar o objetivo se quiser chegar a 2018. Acontece que isso exige capacidade de aprovação em prazo relativamente curto de uma série de medidas no Congresso. Temer conseguiu reunir um megabloco parlamentar em favor do impeachment porque convenceu de que disporia do apoio dessa mesma esmagadora maioria quando assumisse a Presidência. Até agora, não conseguiu uma única manifestação concreta de que dispõe da mercadoria que vendeu no mercado futuro.
A mudança de governo não se deu como resultado de eleições gerais, mas como união de forças parlamentares contra o ciclo de governos liderados pelo PT. E não é tarefa simples transformar uma unidade contra em uma unidade a favor. Especialmente com a ameaça da Lava-Jato erguida sobre as cabeças, especialmente quando o ponto de união tem de ser o ajuste liderado por Meirelles, com todos os profundos danos eleitorais que trará.
Até agora, tudo o que o governo interino conseguiu foi impedir a implosão de sua base. O novo líder do governo na Câmara, André Moura, só chegou a essa posição por ter sido imposto pelo Blocão, uma massa que chega a 225 deputados. E o governo conseguiu que seu primeiro ato como novo líder fosse anunciar que o Blocão não seria formalizado. Só que o segundo ato do novo líder foi declarar que uma nova CPMF não passa na Câmara. Para completar, o Blocão mandou o recado: se for alijado do comando da Câmara, criará a figura do líder da maioria e a ocupará. Seria uma versão interna à Câmara do líder do governo, que, dessa maneira, passaria a ser, na prática, uma figura decorativa.
A disputa pelo governo interino se dá hoje na Câmara entre os sempre-governo do Blocão e os neo-governo de PSDB, DEM e PPS. O PMDB não conseguiu até agora se estabelecer como referência e liderança para nenhum dos dois blocos, muito menos conseguiu unificá-los. No momento, o único caminho de que dispõe o governo interino para isso é uma aliança tática com Renan Calheiros. O presidente do Senado não apenas criticou duramente a escolha de André Moura. Também partiu para impor o líder do governo no Senado. A movimentação precede a disputa pela liderança do governo no Congresso, que dará o termômetro da correlação de forças que acabará se estabelecendo.
À diferença da Câmara, a sucessão no Senado já está resolvida de há muito, o impeachment apenas veio confirmar as negociações para que Eunício Oliveira assuma o posto depois de Renan Calheiros. Mais que isso, a unificação entre os sempre-governo e os neo-governo no Senado já foi selada há muito tempo. Basta lembrar a dobradinha PMDB-PSDB nos principais projetos aprovados na Casa no último ano.
A aliança tática com Renan Calheiros está longe de ser óbvia. Ele mesmo e toda a sua equipe de interlocução parlamentar pertencem ao chamado grupo da Câmara e sempre tiveram relações de enfrentamento com Renan dentro do PMDB. Mas, se não quiser esticar a corda além do tempo de que dispõe, Temer será obrigado a dar um passo para além da posição de árbitro de luta profissional que o manteve por 15 anos na presidência do PMDB. Esse passo terá de ser o de organizar ativa e diretamente sua base no Congresso. E isso incluirá necessariamente a permissão para o nocaute.
De maneira simples e direta, Temer tem de se resolver a tirar Eduardo Cunha do ringue. O presidente suspenso da Câmara não tem condições de liderar, mas também não deixa ninguém liderar. Na condição de morto-vivo político, Cunha não tem outra saída a não ser emperrar e atravancar o quanto puder, impedindo que a nova base na Câmara se unifique em algum grau. É a única maneira de ainda se manter no jogo. E é também o caminho mais seguro para inviabilizar o governo interino.
(*) Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
Valor Econômico (23/05/16)
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