terça-feira, 3 de maio de 2016

A geração de petistas mimados (Rudá Ricci)

Quando o PT foi criado, em 1980, usar a camiseta vermelha com a estrela no meio era motivo de preconceito e escárnio nas cidades do interior de São Paulo. Não raro, gerava perseguição. Petista usava camiseta e boné. Também usava uma camiseta do sindicato dos metalúrgicos do ABC paulista onde havia um desenho do João Ferrador que dizia: “hoje eu não tô bom”. Logo, recebia em troca olhares reprovadores.
Nos anos 1980, apoiar uma greve importante, não raro, levava a ter o telefone grampeado. Greve de bancário ou de canavieiro era pedir para ouvir a respiração de alguém estranho quando você falava pelo aparelho.
Em 1982, o PT perdeu de lavada as eleições, tendo Lula como candidato a governador de São Paulo. Já ficou no folclore a campanha que tinha como slogan “Trabalhador vota em Trabalhador”. Barbudos desfilavam seus currículos de luta, algo tão estranho como explicar a física quântica em novela da Globo.
Petista sabia de tudo isso e tinha orgulho. Encarava todas. E estudava. Perder não era motivo para chorar, mas para estudar, compreender o que havia ocorrido. E se apurar.
Petista sempre foi sinônimo de luta, de garra, de convicção.
Petistas que eram engajados em organizações de massa, principalmente do campo, tinham algo a mais: a mística.
A mística é um capítulo à parte da luta de massas no Brasil pós-ditadura militar. É um valor que vem do cristianismo, mas que aparece em várias outras religiões. Um contato de quem tem fé com os mistérios transmateriais. Relaciona-se com a crença inabalável que alguns sugerem ser alimentada por uma relação particular e íntima com Deus e suas orientações. A luta pela terra é guiada por esta lógica, fundada na noção que a terra é de Deus e, portanto, de todos seus filhos. A lei dos homens, neste caso, teria um valor menor.
A socióloga Regina Bruno, que estudou a UDR, a organização criada em 1985 por empresários rurais de extrema direita, capturou em diversas entrevistas que os grandes proprietários de terra só temiam, de fato, a mística do MST. Não sabiam como lidar com ela porque a consideravam irracional, a ponto de uma mãe, com filho recém nascido no colo, enfrentar todo um pelotão da PM.
Os petistas eram assim, encardidos e raçudos.
Aí vem o lulismo. E tudo fica baseado na “paz e amor” e no orgulho de ver seu time marcar um gol atrás do outro. A história dos vencidos foi sendo trocada pela narrativa dos vencedores. E formou um bando de mimados.
Todo mimado é ciclotímico. E todo ciclotímico nunca tem o pé na realidade. Ou é arrogante e olha os outros com desdém, ou é um pessimista que acredita que o mundo está prestes a acabar.
De 2013 para cá, confesso que segurei a irritação ao ouvir e ler a ladainha repetitiva dos neopetistas mimados. Tudo, para eles, começa com a idolatria: a original, fundada na figura mítica de Lula, e as derivadas, que carregam as contas de seu rosário, composto de Dilmas, Haddads e outros “gênios da raça”.
Na origem do PT, todo militante petista desconfiava dos líderes que falavam por si. Nas reuniões de diretório zonal, Suplicy ou Paul Singer tinham que pedir a palavra para falar. Chegavam e se sentavam nos banquinhos, como qualquer outro mortal. Ninguém tirava foto ou pedia autógrafo (não havia celular, lembremos). No máximo, pediam para o “famoso” assinar um “livro de ouro” e contribuir com algum dinheiro para a organização de um evento ou a impressão de um jornalzinho. Ai do dirigente que saísse da linha e não seguisse o que a base mandava!
Hoje, os mimados neopetistas se descabelam ao ver o ídolo e os subídolos. A idolatria debela a autoestima. Como o idólatra não confia em si, projeta-se no sucesso do ídolo. Assim, o sucesso do ídolo passa a ser o seu. Por este motivo que a morte de um ídolo é mais que doloroso para quem idolatra. É mais que sua morte. É a morte do seu quase sucesso, de sua possibilidade de ter sido alguém. Por este motivo que o idólatra quer encarnar no ídolo. Quando o time de futebol brasileiro ganhou a Copa do Mundo no México, em 1970, Tostão foi quase que escalpelado. Os idólatras que invadiram o campo queriam suas chuteiras, sua camisa, suas meias, seu calção. Queriam ser ele. Quem idolatra, perde o governo de sua própria vida. Deixa de decidir e pensa pelo outro, pelo ídolo.

Mas os neopetistas mimados não ficam somente na idolatria. Não gostam de adversidades. Não gostam de se frustrar. Se deprimem com uma luta muito dura, um enfrentamento pesado. Esta situação gera um perigo conceitual. Aquele que não lida com adversidade é motivado pela pulsão, pelo desejo mágico. Não se contém. O que coloca em risco sua convicção democrática. Porque aquele que é mimado e não consegue lidar com a frustração, não suporta a derrota.
Mas a derrota é a única certeza no jogo democrático. Assim como a vitória é a única certeza para o tirano. O democrata sabe que um dia perderá e que a derrota será acolhida como uma lição. E que o aprimoramento político vai ser aprender com o erro. Ao não aceitar esta regra básica do jogo, o mimado flerta com o autoritarismo. E, evidentemente, acaba por questionar a competência do eleitor. No caso da direita, vimos recentemente o ataque ao voto dos pobres e dos nordestinos. Mas, agora, recentemente, li nas redes sociais neopetistas questionarem o eleitor ingrato, que não percebe o quanto o lulismo fez para melhorar sua vida.
Infelizmente, os neopetistas não percebem o quanto o governo Dilma Rousseff fez para retirar o que o lulismo havia feito em suas vidas. E, com este olhar caolho, não percebe os erros cometidos, não aprende com a lição dada e se torna um autoritário desesperado.
Recentemente, li conclusões casuísticas para negar a proposta de eleições gerais. Não que seja a melhor proposta do mundo. Mas o argumento para refutar apresentado por alguns neopetistas mimados é que doeu na minha alma. Vários diziam que se aceitarmos esta proposta, fatalmente legitimaríamos um candidato da direita. A mesma resposta dada para não se apoiar uma Constituinte Exclusiva. Puro casuísmo. Só vale eleição quando temos a certeza da vitória? Ora, se assim for, não interessa o eleitor, mas o resultado da eleição. O que transforma o ato de votar numa confirmação do desejo dos mimados militantes.
Enfim, os neopetistas são mimados. Não sabem brigar, não gostam de uma peleja, não gostam de ficar na geralzona (perguntem para alguém mais velho o que era este local nos antigos campos de futebol). Se não tiver local marcado e provido de almofadas nas arquibancadas, nem pensa em comprar o ingresso. Aliás, os neopetistas não são nunca protagonistas. São sempre espectadores. Adoram comprar pipoca e ver seus ídolos massacrando os adversários. Mas acreditam que o Sétimo Selo está sendo rompido quando acontece o inverso.
Fonte: Blog do Rudá Ricci (01/05/16)

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