• (o artigo é da semana passada mas é uma leitura importante para entendermos como chegamos aonde chegamos)
Nestes cinco anos e meio de mandato de Dilma Roussef, especialmente de 2013 para cá, uma tropa de alerta, formada por dois ou três políticos aliados destemidos, agiu para tentar incorporar a realidade à vida da presidente. Por inúmeras vezes seus erros foram sublinhados, sem covardia. Os equívocos políticos da presidente, suas idiossincrasias que nunca quis enfrentar, o temperamento iracundo, a arrogância autoritária, traços aliados a uma ignorância de conteúdos, das relações políticas e da gestão necessários a presidir a República, permaneceram e fizeram do seu governo um tormento para todos.
Sem exceção para o ex-presidente Lula, para quem os anos Dilma não foram nada felizes. À parte a operação Lava-Jato que o fustiga e o pesado tratamento para resgatar a saúde, não se pode dizer que foi um período harmonioso na vida política do ex-presidente.
As relações dos políticos com Dilma, especialmente os do PT, e no partido notadamente com Lula, passaram por diferentes fases: desde o desdém, à organização de caravanas ao Instituto Lula com pedido de intervenção, passando por rebeliões de senadores, formação de grupo de deputados para o Volta, Lula, empresários e banqueiros em comitiva apelando ao criador para dar um jeito na criatura.
Quem não se lembra da tropa de escol em vilegiatura a São Paulo, integrada pelos senadores Renan Calheiros, Romero Jucá, Eunício Oliveira, suplicando a Lula por intervenção? De uma assembleia do agronegócio em Ribeirão Preto, onde soaram todos alarmes do assim não dá? Os sinais de deterioração, de perda de energia, foram visíveis nos últimos anos do primeiro mandato mas, no fim, quando se foi definir reeleição e o PMDB votou novamente a chapa da aliança, a perda de aderência já era total.
Em alguns momentos Dilma concordou fazer um gesto de recuo, sutil, mesmo que uma falsa aquiescência. Por várias vezes Lula ameaçava os queixosos com jogar a toalha.
Dilma tinha feito um primeiro mandato errático, a começar da faxina ministerial que atingiu os mais próximos do ex-presidente Lula, muitos dos quais recontratou depois ou buscou iguais no mesmo partido. A faxina não teve significado de depuração dos quadros políticos.
O ápice do desenlace de Dilma com a realidade do país e da vida se deu a partir dos movimentos de protesto de junho 2013, que ela não entendeu, achou que era contra os políticos e não contra ela, convocou um pacto em torno de cinco manjados pontos e acreditou que isso, com meia dúzia de filmetes de propaganda, resolveria a questão. Piorou.
A distância entre Dilma e a realidade foi se ampliando.
O período que vai dessa data à eleição de 2014, foi rampa de ladeira abaixo. O PT começou a dar sinais de impaciência com a demora da presidente a abrir o flanco para que Lula se candidatasse em seu lugar naquele ano. O sistema PT de governar, com muita propaganda, já não dava mais certo, e para funcionar na campanha eleitoral o partido teve que ultrapassar os limites.
De um lado, dizia-se que se o ex-presidente quisesse realmente voltar não teria constrangimento em pedir; de outro, Dilma agarrava-se com vigor ao cargo e à campanha, silenciando-se sobre a troca combinada. O grupo de Lula justificava o cuidado do ex-presidente. Ele não podia forçar "porque se ela fosse à TV e chorasse por haver sido removida da reeleição, a eleição dele estaria perdida".
Embora se tenha querido encontrar um padrinho para os erros crassos de Dilma -, honraria atribuída a Aluizio Mercadante, principal conselheiro da presidente nos seus anos de governo, a maioria dos equívocos são de sua autoria. Entre os movimentos de rua em 2013 e o sufrágio de 2014 Dilma andou às quedas, em curva descendente. Não teve energia para mudar a direção nem depois de reeleita. Ganhou, mas parecia haver perdido.
Seu discurso, anteontem, no Planalto, para estudantes e professores, foi um exemplo de traço forte da sua personalidade, a dissimulação. Dilma fingiu que não sabia da anulação da sessão da Câmara que aprovou a admissibilidade do impeachment e insinuou haver recebido a notícia, como todos, pelo celular, naquele instante. Pediu cautela nas comemorações, tendo em vista as "manhas e artimanhas" do processo. Ela conhecia a fragilidade da ação que, com seus assessores e amigos, o governo ajudou a preparar para mais uma chicana na disputa com o Congresso.
Em agosto de 2015, depois de meio ano de gestão sofrível no segundo mandato, sem conseguir engrenar nenhuma marcha, lhe foi jogada a boia das boias: Banqueiros, empresários, economistas, ministros, partidos, resolveram fazer uma concertação em apoio à presidente, para não deixar o país afundar de vez. Passaram a fazer viagens e reuniões com Dilma e seus ministros, a dar entrevistas para defender o governo. Em questão de dias a concertação desafinou. Dilma chegou a receber uns dois empresários, um ou dois banqueiros, fez uma concessão ao dar-lhes um ministro da Fazenda afinado com suas demandas, mas só no desenho. Do ministro tirou o tapete ao longo dos poucos meses em que ficou no cargo. A gestão da presidente estava claramente viúva de seu amigo Arno Augustin, que por anos cumpriu à risca suas determinações. O mesmo método usou com Michel Temer, a quem apelou para ser o articulador dos aliados nas votações das suas medidas de recuperação da economia, mas minou sua autoridade ao não entregar sua parte nos acordos.
As crises ocorreram sucessivamente e foram crescendo os protestos, os panelaços, a reação personificada em Dilma. A imagem de Lula foi caindo, a do PT foi ao chão. Dilma postou-se em um governo onde parecia nada ter a fazer, só discursos. Todos os seus gestos políticos foram atrapalhados, as crises voltavam a ela como bumerangue.
No fim do caminho, houve uma sucessão de desastres, entre eles a decisão de dar foro privilegiado a Lula para protegê-lo do juiz Sérgio Moro, uma decisão glosada pela Justiça.
Sem liderança política e sem experiência, Dilma procurou corrigir suas deficiências enfraquecendo os parceiros: Lula, PMDB, o lulismo petista, o Congresso. A guerrilha que arma para reverter o impeachment no julgamento definitivo no Senado pode dar todos os resultados pessoais a que ela almeja. Mas não tem a menor chance de restaurar seu governo. Dilma cavou seu revés. E ainda insufla, resiste, grita, clama ao exterior, pede um milagre. Que não vem.
Fonte: Valor Econômico (11/06/16)
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