sábado, 28 de maio de 2016

Esquerda tende a se isolar na oposição (Raymundo Costa)

As propostas de reformas da equipe econômica do presidente interino, Michel Temer, devem encontrar um ambiente mais favorável que Dilma Rousseff enfrentou no Congresso quando apoiou o ajuste fiscal do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. A diferença é a maior identidade programática entre a atual base de apoio e o governo do PMDB, ao contrário do que acontecia quando o PT dava as cartas no Palácio do Planalto.
A oposição declarada a Temer é mais ou menos do mesmo tamanho da oposição a Dilma, algo em torno de 100 deputados na Câmara. Para ser exato, 99 deputados, resultado da soma de PT (58), PDT (20), PCdoB (11), P-SOL (6) e Rede Sustentabilidade (4). Número insuficiente para a esquerda requerer sozinha a abertura de CPIs ou lançar frentes parlamentares. Diz a lógica que esse espectro deveria tentar sair do isolamento buscando alianças ao centro ou ao menos num grupo de cerca de 70 deputados que podem vir a discordar do novo governo.
Feitas as contas, sobra numericamente para o governo Temer uma base monumental, algo em torno de 370 deputados (o impeachment teve 367 votos na Câmara). A presidente afastada tinha praticamente o mesmo número de deputados ao seu lado, supostamente, mas perdeu sustentação política. "O governo Temer tem agora uma base com unidade programática e expectativa de poder", diz Antonio Augusto Queiroz, diretor de documentação do Diap, entidade que presta assessoria legislativa às centrais sindicais.
Com a experiência de quem há 30 anos acompanha o dia a dia congressual, Toninho, como Queiróz é chamado, não vai ficar surpreso se a coalizão governista apoiar as propostas de reformas feitas pela equipe econômica, por mais duras que elas sejam. "Ela vai votar contra por quê?", pergunta ele. "Antes votavam contra o PT, agora têm a expectativa de eleger um dos seus para Presidência da República".
Na opinião do diretor do Diap, "o PT erra ao não procurar o diálogo". Toninho vê o PT ainda "muito ressentido". Mergulhado nesse ressentimento, "perdeu a racionalidade". Como não conversa, "não agrega ninguém, não consegue trazer um apoio de centro". Restam os movimentos sociais, mas esses- acredita - "estão sendo asfixiados financeiramente pelo governo Temer". O Minha Casa Minha Vida Entidades, por exemplo, ajudava grupos como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Segundo apurou o Valor, entidades sindicais mais ligadas ao PT estão apreensivas, por considerar que vão ter que bancar as manifestações (inclusive aquelas contra o impeachment) e acolher o pessoal desempregado do governo, que não é pequeno. Não dá para abrigar todos nos governos estaduais, como o de Minas Gerais, o maior na mão do PT.
O PT, as esquerdas em geral e o movimento sindical entram enfraquecidos na guerra das reformas. Hoje apenas 51 deputados têm origem no movimento sindical. Em 2006, eram 91 os sindicalistas. A razão da queda, na opinião de Toninho: a prioridade que o governo e partidos à esquerda deram à eleição de candidatos das máquinas governamental e partidária. O que levou à desmobilização da aliança e a formação de quadros nos movimentos sociais.
"A nova base não tem divergência ideológica", como acontecia quando o PT e não o PMDB eram o partido líder da coalizão, "e os conflitos no seu interior não são suficientes para levar os deputados a votar contra as reformas", acredita Toninho. "Ela só precisa de um presidente com pulso para aprovar as matérias. A oposição está isolada, raivosa e muitas vezes envergonhada por ter apoiado projetos como a renegociação da dívida dos Estados, que esfola com os servidores". Antes da saída de Dilma, esse era um dilema vivido por PSDB e DEM, quando decidiam votar contra o que apoiavam quando eram governo.
A identidade ideológica da base parlamentar, evidentemente, não é garantia para a aprovação das propostas de reforma como foram apresentadas, mas Toninho acredita que facilita a negociação e a composição dos interesses no interior da coalizão.
Valor Econômico (27/05/16)

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