terça-feira, 11 de setembro de 2012

SERÁ QUE UM DIA AINDA TEREMOS JEITO? (Juca Magalhães)

O texto lá abaixo foi publicado originalmente no caderno Pensar de A Gazeta, curiosamente ou não, no dia do aniversário de nuestra vetusta capital do Espírito Santo (08 de setembro passado), cuja (cuja?) festa teve showzinho de Fabio Junior e tudo mais. Infelizmente isso não foi suficiente para colocar a orla botocuda em destaque nacional (cadê o delegado Fabiano Contarato?). 

 
A Globo deu a maior corda pra festa de Olinda com uma linda e longa reportagem, no final, a loira apresentadora do Jornal Hoje falou à seco "Hoje é também aniversário de Vitória: Parabéns." Nosssa moquecada ficou tão sem graça que era melhor até não ter falado nada. Parecia aniversário de criança em orfanato, embora, confesso (e a porra), nunca tenha presenciado nenhum...

Segue o texto como foi publicado na página 04 do Pensar - exceto a epígrafe de advertência - com o título de "A diferença entre ação cultural e evento"...


Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.

Voltaire



Faz um tempão fomos convidados a representar o rock (imaginem) numa reunião com responsáveis pela gestão estadual da cultura. A ideia era captar uma visão da realidade dos “artistas da terra” (bananas, como diria Alexandre Lima) e ajudarmos a definir metas e diretrizes com relação às ações e fazeres públicos. Daquela reunião lembro muito de um senhor que fazia parte de um regional tradicional (acho que era o mestre Aquiles) e que lá pelas tantas se encheu do blábláblá e perguntou assim: “vocês estão esperando eu morrer para me homenagear? Façam alguma coisa agora!”

Uns vinte e tantos anos se passaram e, curiosamente, muito pouca coisa mudou com relação a essas reuniões. Compus e gravei algumas músicas; pesquisei, escrevi e publiquei dois livros; estudei, toquei, ensinei e palestrei. Por duas ocasiões trabalhei para secretarias de cultura, conheci boas iniciativas e outras bastante oportunistas e equivocadas. Vi muitos artistas “perderem a razão” perante as mumunhas da coisa pública, uns com bons motivos, outros por desconhecimento assumido. Estes, nem deviam reclamar (mas como o faziam), afinal: como nem estar aí para uma coisa e querer ou imaginar que ela deveria estar aí para você?

Artista é, por definição, alguém que produz arte e “que faz dela profissão”. Porém, quando acontecem essas reuniões políticas com a “classe de artistas” aparece um número grande de pessoas que trabalha eventualmente com arte, mas não cria bens culturais de consumo. São os conhecidos “promotores de eventos”, muitas vezes mais respeitados que os próprios artistas, pelo menos aqui no Espírito Santo. Nessa hora de pensar política pública de base o certo seria separar algumas instâncias entre criar e produzir, mas isso não acontece e dificulta o foco. São tantas vertentes e iniciativas importantes em nossa cultura que estabelecer prioridades é sempre desafio.

Os próprios profissionais lotados em secretarias de cultura até o momento não parecem ter atentado para a necessidade de estabelecer um limite entre “evento” e “ação cultural” e vêem com naturalidade grande parte da verba ser desperdiçada nas festas da cidade. Isso acontece porque não existe uma política clara e definida para a cultura, basta comparar com a educação. As pessoas das secretarias acham que estão “mandando bem” quando “criam” projetos “itinerantes” com oficinas e apresentações que migram pelas comunidades. Já imaginou como funcionariam, ou qual efeito educacional teriam em longo prazo, aulas “itinerantes” de matemática e português?

Em Brasília existe hoje a “Frente Parlamentar em Defesa da Cultura” que concebeu uma carta compromisso a ser assassinada por candidatos a prefeito. O conteúdo da missiva é bacana, mas é também tão abrangente que acaba soando confuso, porque não tenho certeza que seja possível abraçar os “múltiplos aspectos” da dita “diversidade cultural” brasileira e ainda fazer relações com meio ambiente (!). A maioria dos prefeitos não percebe muito bem o que é cultura, menos ainda consegue quantificar sua importância quando a compara com pastas menos subjetivas como saúde e segurança. Não seria a hora de pensar simples e propor soluções pragmáticas?
                                                                                                         
Minha primeira contribuição no Caderno Pensar de A Gazeta foi um texto intitulado “Cultura para quem?” Nele já defendia alguns conceitos que vinham da experiência como professor do curso de biblioteconomia e hoje, cada vez mais, de música popular e erudita. Participei na orientação da tese de conclusão de curso de dois alunos (Lausi e Valmir) que mencionavam a obra "L'action Culturelle dans la cite" (1973) do jornalista e filósofo Francis Jeanson (1922-2009) que defendia ser a única ação cultural válida a de formação, aquela que fornecia instrumentos de trabalho para o surgimento de novos criadores.

 
“O processo de ação cultural resume-se na criação ou organização necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem, assim, sujeitos da cultura e não seus objetos.”

É claro que os grandes eventos de uma cidade são importantes, porém são pontuais, portanto, sua relevância enquanto ação cultural é nula, quando muito tem impacto no comércio e no turismo da cidade e talvez devessem ser vistos assim: pelo valor turístico ou cívico que seja, cultural jamais.

Ainda quero ver um candidato a prefeito defender a dissociação entre ação cultural e evento e a criação de núcleos de ensino formal de arte, a exemplo de outras cidades do país, ou mesmo a Venezuela que é referência em ensino de música para o mundo. Existe hoje uma demanda enorme por esse tipo de iniciativa longe de ser atendida. Enquanto os municípios fervem uma ou duas vezes por ano com apresentações públicas de astros nacionais, seus próprios artistas (como o caso do mestre Aquiles) são ignorados e seu talento desperdiçado por falta de uma política formadora que proporcione acesso e o domínio das ferramentas de criação cultural.

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