"Lula era o chefe"
Seis
semanas depois de iniciado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), o escândalo do mensalão, que Lula e o PT tentaram dissimular como
sendo uma "farsa da oposição" ou "invenção da imprensa golpista",
mostrou-se de uma realidade absoluta e incontestável. As primeiras
condenações à prisão já foram lavradas pelos ministros do Tribunal e
outras ainda virão até o veredicto final, o que deve ocorrer em meados
de novembro. O Brasil e os brasileiros, portanto, já ganharam o ano com a
demonstração de maturidade e independência da Justiça e com a certeza
de que a nação conta com uma imprensa livre, corajosa e obcecada pela
busca da verdade, cujo trabalho desencavou o escândalo e o manteve vivo
com constantes revelações até que os culpados fossem confrontados com
seu destino perante o tribunal.
VEJA se orgulha de ter
desempenhado um papel fundamental em mais esse processo de depuração da
vida política nacional. Foram os repórteres da revista que captaram os
primeiros sinais da doença que tomava conta de Brasília ao publicarem o
vídeo em que um diretor dos Correios embolsava uma propina em dinheiro
vivo. A partir daí. VEJA foi puxando o fio da meada até constatar que.
ao que tudo indicava, a podridão havia subido a rampa do Palácio do
Planalto e se instalado nas imediações e até no próprio gabinete
presidencial. Em sua edição de 13 de julho de 2005. VEJA colocou na capa
os resultados de uma pesquisa nacional de opinião pública dando conta
de que para 45% dos entrevistados o então presidente Lula nada sabia do
mensalão. enquanto para 39% ele sabia mas não se envolvera diretamente
na operação e para 16% Lula sabia e tivera participação direta nas
malfeitorias. Depois, a revista revelou que em pelo menos cinco
situações Lula fora alertado sobre o que se passava a sua volta. Em
outra reportagem de capa. VEJA trouxe a primeira forte evidência de que
os 16% ouvidos na pesquisa estavam certos: Lula sabia e se envolvera. Os
repórteres da revista informavam que o pivô financeiro do escândalo, o
publicitário mineiro Marcos Valério. estava a ponto de procurar a
Justiça e contar tudo sobre o envolvimento de Lula em troca do alívio da
pena pelo mecanismo da delação premiada. "Vocês vão se ferrar. Avisa ao
barbudo que tenho bala contra ele", disse Valério a João Paulo Cunha,
ex-presidente da Câmara dos Deputados e hoje réu já condenado no
processo do mensalão pelo STF. VEJA relatou a bem-sucedida operação do
PT para acalmar Valério, oferecendo-lhe proteção.
Uma reportagem exclusiva desta
edição do editor Rodrigo Rangel, da sucursal de Brasília, feita com base
em revelações de Marcos Valério a parentes, amigos e associados, reabre
de forma incontornável a questão da participação do ex-presidente no
mensalão. ""Lula era o chefe", vem repetindo Valério com mais frequência
e amargura agora que já foi condenado pelo STF. podendo, no fim do
julgamento, ver sua pena chegar a mais de 100 anos de reclusão. Valério
não quis dar entrevista sobre as acusações diretas do envolvimento de
Lula que ele vem fazendo. Mas não desmentiu nada.
Os segredos do Mensalão
O empresário Marcos Valério,
apontado como o operador do esquema, diz que, em troca do seu silêncio,
recebeu garantias do PT de uma punição branda. Condenado pelo STF por
vários crimes, cujas penas podem chegar a 100 anos de prisão, ele revela
que o ex-presidente Lula sabia de tudo e que o caixa para subornar
políticos foi muito maior: 350 milhões de reais.
Rodrigo Rangel
Faltavam catorze minutos para as
7 da manhã da última quarta-feira quando o empresário Marcos Valério, o
pivô financeiro do mensalão, parou seu carro em frente a uma escola, em
Belo Horizonte. Alvo das mais pesadas condenações no julgamento que
está em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), ele tem cumprido
religiosamente a tarefa de levar o filho todos os dias ao colégio. Desce
do carro, acompanha o menino até o portão e se despede com um beijo no
rosto. Chega mais cedo para evitar ser visto pelos outros pais e alunos e
vai embora depressa, cabisbaixo. "O PT me transformou em bandido”,
desabafa. Valério sabe que essa rotina em breve será interrompida. Ele é
o único dos 37 réus do mensalão que não tem um átimo de dúvida sobre
seu futuro. Na semana passada. o publicitário foi condenado por lavagem
de dinheiro, crime que acarreta pena mínima de três anos de prisão.
Computadas as punições pelos crimes de corrupção ativa e peculato, já
decididas, mais evasão de divisas e formação de quadrilha, ainda por
julgar, a sentença de Marcos Valério pode passar de 100 anos de
reclusão. Mesmo com todas as atenuantes da lei penal brasileira, não é
improvável que ele termine seus dias na cadeia. Valério tem culpa no
cartório, mas fica evidente que ele está carregando sobre os ombros uma
carga penal que, por justiça, deveria estar mais bem distribuída entre
patentes bem mais altas na hierarquia do mensalão. É isso que mais
martiriza a alma de Valério neste momento, uma dor que ele tenta
amenizar lembrando, sempre que pode, que seu silêncio sobre os
responsáveis maiores acima dele está lhe custando muito caro.
Apontado como o responsável pela
engenharia financeira que possibilitou ao PT montar o maior esquema de
corrupção da história, Valério enfrenta um dilema. Nos últimos dias, ele
confidenciou a pessoas próximas detalhes do pacto que havia firmado com
o partido. Para proteger os figurões, conta que assumiu a
responsabilidade por crimes que não praticou sozinho e manteve em
segredo histórias comprometedoras que testemunhou quando era o
"predileto" do poder. Em troca do silêncio, recebeu garantias. Primeiro,
de impunidade. Depois, quando o esquema teve suas entranhas expostas
pela Procuradoria-Geral da República, de penas mais brandas. Valério
guarda segredos tão estarrecedores sobre o mensalão que não consegue
mais reter só para si — mesmo que agora, desiludido com a falsa promessa
de ajuda dos poderosos que ele ajudou, tenha um crescente temor de que
eles possam se vingar dele de forma ainda mais cruel. Os segredos de
Valério, se revelados, põem o ex-presidente Lula no epicentro do
escândalo do mensalão. Sim, no comando das operações. Sim. Lula, que,
fiel a seu estilo, fez de tudo para não se contagiar com a podridão à
sua volta, mesmo que isso significasse a morte moral e política de
companheiros diletos. Valério teme, e fala a pessoas próximas, que se
contar tudo o que sabe estará assinando a pior de todas as sentenças — a
de sua morte: "Vão me matar. Tenho de agradecer por estar vivo até
hoje".
Sua mulher, Renilda Santiago, já
tentou o suicídio três vezes. Há duas semanas, ela telefonou a uma
amiga para dizer que iria a um reduto do tráfico encravado na região
central de Belo Horizonte comprar uma arma. Avisou que havia decidido
dar um tiro na cabeça. Renilda está mergulhada em crise aguda de
depressão. Os dois filhos do casal vivem dramas à pane. Meses atrás, o
menino, de 11 anos, tentou fazer um teste de admissão em uma escola mais
perto de casa, mas a diretora nem deixou o garoto começar a prova. A
direção da escola não queriaí entre seus alunos o filho de Marcos
Valério. A filha mais velha, de 21 anos, passou por constrangimentos
cruéis. Em um debate na faculdade de psicologia, o assunto escolhido
pelos colegas foi justamente o comportamento do pai dela. Humilhada, ela
saiu da sala. Chega a ser assustador, mesmo que previsível, que as
pessoas esqueçam a mais consagrada prática cristã, civilizada e jurídica
— a de que os filhos não devem pagar pelos erros dos pais. Marcos
Valério sofre de síndrome do pânico e praticamente não prega os olhos à
noite. Sobre o PT e seus antigos parceiros ele vem dizendo: "Eu detesto
esse pessoal. Esse povo acabou com a minha vida. me fez de um tamanho
que eu não sou. O PT me fez de escudo, me usou como um boy de luxo. Mas
eles se ferraram porque agora vai todo mundo para o ralo". O medo ainda
constrange Marcos Valério a limitar suas revelações a pessoas próximas.
Até quando?
MENSALÃO
“O caixa do PT foi de 350 milhões de reais”
A acusação do Ministério Público
Federal sustenta que o mensalão foi abastecido do 55 milhões de reais
tomados por empréstimo por Marcos Valério junto aos bancos Rural e BMG,
que se domaram a 74 milhões, desviados da Visanet, fundo abastecido com
dinheiro público e controlado pelo Banco do Brasil. Segundo Marcos
Valério, esse é o valor é subestimado. Ele conta que o caixa real do
mensalão era o triplo do descoberto pela polícia e denunciado pelo MP.
Valério diz que pelas arcas do esquema passaram pelo menos 350 milhões
de reais. “Da SMP&B vão achar só os 55 milhões, mas o caixa era
muito maior. O caixa do PT foi de 350 milhões de reais, com dinheiro de
outras empresas que nada tinham a ver com a SMP&B nem com a DNA”
afirma o empresário. Esse caixa paralelo, conta ele, era abastecido com
dinheiro oriundo de operações tão heterodoxas quanto os empréstimos
fictícios, tomados por suas empresas para pagar políticos aliados do PT.
Havia doações diretas diante da perspectiva de obter facilidades no
governo. "Muitas empresas davam via empréstimos, outras não." O fiador
dessas operações, garante Valério, era o próprio presidente da
República.
Lula teria se empenhado
pessoalmente na coleta de dinheiro para a engrenagem clandestina, cujos
contribuintes tinham algum interesse no governo federal. Tudo corria por
fora, sem registros formais, sem deixar nenhum rastro. Muitos
empresários, relata Marcos Valério, se reuniam com o presidente,
combinavam a contribuição e em seguida despejavam dinheiro no cofre
secreto petista. O controle dessa contabilidade cabia ao então
tesoureiro do partido. Delúbio Soares, que é réu no processo do mensalão
e começa a ser julgado nos próximos dias pelos crimes de formação de
quadrilha e corrupção ativa. O papel de Delúbio era, além de ajudar na
administração da captação, definir o nome dos políticos que deveriam
receber os pagamentos determinados pela cúpula do PT, com o aval do
ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado no processo como o chefe
da quadrilha do mensalão: "Dirceu era o braço direito do Lula, um braço
que comandava”. Valério diz que, graças a sua proximidade com a cúpula
petista no auge do esquema, em 2003 e 2004, teve acesso à contabilidade
real. Ele conta que a entrada e a saída de recursos foram registradas
minuciosamente em um livro guardado a sete chaves por Delúbio. Pelo seu
relato, o restante do dinheiro desse fundão teve destino semelhante ao
dos 55 milhões de reais obtidos por meio dos empréstimos fraudulentos
tomados pela DNA e pela SMP&B. Foram usados para remunerar
correligionários e aliados. Os valores calculados por Valério delineiam
um caixa clandestino sem paralelo na política. Ele fala em valores dez
vezes maiores que a arrecadação declarada da campanha de Lula nas
eleições presidenciais de 2002.
O PRESIDENTE
“Lula era o chefe”
A ira de Marcos Valério desafia a
defesa clássica do ex-presidente Lula de que não sabia do Mensalão e
nada teve a ver com o esquema arquitetado em seu primeiro mandato. Com a
segurança de quem transitava com desenvoltura pelos gabinetes oficiais,
inclusive os palacianos, e era considerado um parceiro preferencial
pela cúpula petista, Valério afirma que Lula “comandava tudo". Em sua
própria defesa, diz que como operador dos pagamentos não passava de um
“boy de luxo" de uma estrutura que tinha o então presidente no topo da
cadeia de comando. "Lula era o chefe”, repete Valário às pessoas mais
próximas. A afirmação se choca com todas as versões apresentadas por
Lula desde que o esquema foi descoberto, em 2005. Primeiro, escudou-se
no argumento de que tudo não passou do uso de dinheiro "não
contabilizado” que havia sobrado das campanhas políticas, prática
suprapartidária e recorrente na política brasileira — não por acaso tem
sido essa a estratégia de defesa dos mensaleiros no STF. Num segundo
momento, Lula se disse traído e pediu desculpas à nação em rede de
televisão.
A rota de fuga de Lula evoluiu
mais tarde para a negação completa, com a tese nefelibata de que o
mensalão nunca existiu, tendo sido apenas uma armação das elites para
abreviar seu mandato. A narrativa de Valério coloca Lula não apenas como
sabedor do que se passava, mas no comando da operação. Valério não
esconde que se encontrou com Lula diversas vezes no Palácio do Planalto.
Ele faz outra revelação: “Do Zé ao Lula era só descer a escada. Isso se
faz sem marcar. Ele dizia vamos lá embaixo, vamos”. O Zé é o
ex-ministro José Dirceu, cujo gabinete ficava no 4o andar do Palácio do
Planalto, um andar acima do gabinete presidencial. A frase famosa e
enigmática de José Dirceu no auge do escândalo — "Tudo que eu faço é do
conhecimento de Lula” — ganha contornos materiais depois das revelações
de Valério sobre os encontros em palácio. Marcos Valério reafirma que
Dirceu não pode nem deve ser absolvido pelo Supremo Tribunal, mas faz
uma sombria ressalva. “Não podem condenar apenas os mequetrefes. Só não
sobrou para o Lula porque eu, o Delúbio e o Zé não falamos”, disse na
semana passada, em Belo Horizonte. Indagado, o ex-presidente não
respondeu.
PACTO
“Meu contato era o Okamotto”
Há menos de dois meses, VEJA
revelou a existência de encontros secretos entre Marcos Valério e Paulo
Okamotto, petista estrelado que desempenha a tarefa de assessor
financeiro, ou tesoureiro, de Lula. Procurado para explicar por que se
reunia com o principal operador do mensalão. Okamotto disse que os
encontros serviam apenas para discutir política. Não, não era bem assim.
Marcos Valério tinha um pacto com o PT, e Paulo Okamotto era o fiador
desse pacto. “Eu não falo com todo mundo no PT. O meu contato com o era o
Paulo Okamotto”, disse Valério em uma conversa reservada dias atrás. É o
próprio Valério quem explica a missão de Okamotto: "O papel dele era
tentar me acalmar“.
O empresário conta que conheceu o
Japonês, como o petista é chamado, no ápice do escândalo. Valério diz
que, na véspera de seu primeiro depoimento à CPI que investigava o
mensalão, Okamotto o procurou. “A conversa foi na casa de uma
funcionária minha. Era para dizer o que eu não devia falar na CPI”,
relembra. O pedido era óbvio.
Okamotto queria evitar que
Valério implicasse Lula no escândalo. Deu certo durante muito tempo. Em
troca do silêncio de Valério, o PT, por intermédio de Okamotto, prometia
dinheiro e proteção. A relação se tomaria duradoura, mas nunca foi
pacífica. Em momentos de dificuldade, Okamotto era sempre procurado.
Quando Valério foi preso pela primeira vez, sua mulher viajou a São
Paulo com a filha para falar com Okamotto. Renilda Santiago queria que o
assessor de Lula desse um jeito de tirar seu marido da cadeia. Disse
que ele estava preso injustamente e que o PT precisava resolver a
situação. A reação de Okamotto causa revolta em Valério até hoje. "Ele
deu um safanão na minha esposa. Ela foi correndo para o banheiro,
chorando." O empresário jura que nunca recebeu nada do PT, Já a promessa
de proteção, segundo Valério, girava em tomo de um esforço que o
partido faria para retardar o julgamento do mensalão no Supremo e, em
último caso, tentar amenizar a sua pena. "Prometeram não exatamente
absolver, mas diziam: ‘Vamos segurar, vamos isso. vamos aquilo’...
Amenizar", conta. Por muito tempo, Marcos Valério acreditou que daria
certo. Procurado, Okamotto não se pronunciou.
PODER
“0 Delúbio dormia no Alvorada“
Dos tempos em que gozava das
intimidades do poder em Brasília, Marcos Valério diz guardar muitas
lembranças. Algumas revelam a desenvoltura com que personagens centrais
do mensalão transitavam no coração do governo Lula antes da eclosão do
maior escândalo de corrupção da história política do país. Valério
lembra das vezes em que Delúbio Soares, seu interlocutor frequente até a
descoberta do esquema, participava de animados encontros à noite no
Palácio da Alvorada, que não raro servia de pernoite para o
ex-tesoureiro petista. "O Delúbio dormia no Alvorada. Ele e a mulher
dele iam jogar baralho com Lula à noite. Alguma vez isso ficou
registrado lá dentro? Quando você quer encontrar (alguém), você
encontra, e sem registro." O operador do mensalão deixa transparecer que
ele próprio foi a uma dessas reuniões noturnas no Alvorada. Sobre sua
aproximação com o PT. Valério conta que, diferentemente do que os
petistas dizem há sete anos, ele conheceu Delúbio durante a campanha de
2002. Quem apresentou a ele o petista foi Cristiano Paz. seu ex-sócio,
que intermediava uma doação à campanha de Lula. A primeira conversa foi
em Belo Horizonte, dentro de um carro. a caminho do Aeroporto da
Pampulha. Nessa ocasião, conta. Delúbio lhe pediu ajuda. "Ele precisava
de uma empresa para servir de espelho para pegar um dinheiro”. A
parceria deu certo e desaguou no mensalão. Hoje, os dois estão no banco
dos réus. Valério se sente injustiçado. Especialmente na pane da
acusação que diz respeito ao desvio de recursos públicos do Banco do
Brasil. Ele jura que esse dinheiro não caiu no caixa da corrupção. "No
processo tem todas as notas fiscais que comprovam que esse dinheiro foi
gasto com publicidade. Não estou falando que não mereço um tapa na
orelha. Não é isso. Concordo em ser condenado por aquilo que eu fiz.”
EMPRÉSTIMO
"O banco ia emprestar dinheiro para uma agência quebrada?"
Os ministros do STF já
consideraram fraudulentos os empréstimos concedidos pelo Banco Rural às
agências de publicidade que abasteceram o mensalão. Para Valério, a
decisão do Rural de liberar o dinheiro — com garantias fajutas e José
Genoino e Delúbio Soares como fiadores — não foi um favor a ele, mas ao
governo Lula. "Você acha que chegou lá o Marcos Valério com duas
agências quebradas e pediu: "Me empresta aí 30 milhões de reais pra eu
dar pro PT"? O que um dono de banco ia responder?" Valério se lembra
sempre de José Augusto Dumont, então presidente do Rural. "O Zé Augusto,
que não era bobo. falou assim: "Pra você eu não empresto". Eu respondi:
"Vai lá e conversa com o Delúbio"."" A partir daí a solução foi
encaminhada. Os empréstimos, diz Valério, não existiriam sem o aval de
Lula e Dirceu. "Se você é um banqueiro, você nega um pedido do
presidente da República"?" Foram essas mesmas credenciais palacianas,
segundo ele, que lhe abriram as portas no Banco Central para interceder
pela suspensão da liquidação extrajudicial do Banco Mercantil de
Pernambuco, que interessava ao Rural. Valério foi destacado para cuidar
do assunto em Brasília. Uma tarefa executada com todas as facilidades e
privilégios. "Valério chegou lá no Banco Central e foi atendido. Você
acha que o Banco Central receberia um imbecil qualquer, dono de uma
agência de publicidade quebrada?"
"Nojento e vexatório"
Ex-superintendente do Banco
Rural em Brasília, Lucas da Silva Roque foi um dos principais
colaboradores nas investigações da Polícia Federal destinadas a
desbaratar a quadrilha do mensalão. Foi ele quem revelou onde estavam os
recibos que mostraram quais políticos receberam dinheiro para votar com
o governo Lula no Congresso. Nesta entrevista, Roque conta que pagou um
preço alto por agir de forma correta e relata um plano ambicioso urdido
pela cúpula da instituição financeira em parceria com José Dirceu. Eles
queriam montar um banco popular, do qual Rural e BMG seriam sócios,
para conceder empréstimos consignados aos aposentados. Um negócio
companheiro e bilionário.
Por que o senhor decidiu ajudar a polícia?
Não tinha nada a temer. Não
entrei no jogo deles, não sou bandido. Fui mandado para a agência do
Rural em Brasília para moralizá-la, porque ali estava uma bagunça. 0 que
estava acontecendo no banco era acintoso, nojento e vexatório. 0
delegado disse que queria todos os documentos. Apontei onde estavam as
caixas. Àquela altura, já estava tudo encaminhado para fazer sumir as
provas, mandando-as de Brasília para Minas Gerais. Mostrei onde estavam
os documentos e falei para o delegado que procurasse papéis também numa
construtora, que servia de almoxarifado do banco.
Como a diretoria reagiu à sua colaboração com a PF?
Fui atacado de tudo quanto é
jeito. Me colocaram em um porão que não era uma agência bancária, depois
em uma loja de shopping que foi fechada por ser irregular. Pior,
mandaram me avisar que eu estava proibido de aparecer na diretoria do
banco. Isso foi em outubro de 2005. Virei a Geni. Fui demitido em agosto
de 2010. Eu, minha esposa e meus filhos fomos achincalhados na rua como
mensaleiros. Tive sérios problemas de saúde, perdi meu casamento.
O senhor tinha relação de
proximidade com Marcos Valério. Ele disse a algumas pessoas que teve um
encontro com Lula na Granja do Torto. Vários encontros. É verdade?
Sim, ele deixava para viajar para Belo Horizonte no sábado à noite para passar lá.
Levado por quem?
Delúbio Soares, Silvinho Pereira e José Dirceu.
Quais eram os planos da cúpula do Banco Rural e dos petistas?
Eles tinham um projeto de montar
um banco popular com a CUT. Juntariam o Banco Rural, o BMG, a CUT. Era
um projeto com capital de 1 bilhão de reais.
Quem capitaneava esse projeto?
Eram os bandidos do mensalão.
Como o PT não tinha cultura bancária, o Rural e o BMG seriam sócios. Um
banco privado com a participação da CUT, que direcionaria todos os
beneficiários do INSS para tomar dinheiro em empréstimos consignados
nessa instituição popular. Quando o mensalão estourou, o projeto foi
abortado.
FONTE: REVISTA VEJA, EDIÇÃO 2287 – ANO 45 Nº 38, 19 DE SETEMBRO DE 2012.
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