Perfilar
Celso Russomanno como o candidato dos currais pentecostais ou do
voluntarismo populista de longa cepa pode exorcizar o mal-estar da
classe média com sua ascensão. Mas não ajuda a entendê-lo.
Acatar a preponderância
religiosa na preferência de voto é ceder à explicação, cada vez mais em
voga até na esquerda, de que a cartilha lulista para a conquista do
eleitorado manda fazer concessões ao obscurantismo das massas e
sacrificar o vanguardismo urbano e intelectualizado.
A religião não convence como
explicação para a liderança de Russomanno assim como não é suficiente
para justificar o declínio de José Serra. Ambos se ombreiam na disputa
pelos rebanhos e na preferência das lideranças religiosas mais ativas.
A polarização que Russomanno quebrou nunca existiu
Se o leitor fosse pastor
evangélico provavelmente se engraçaria com o candidato que se dispusesse
a facilitar os alvarás para templos. Mas se não houver na parada um
candidato abertamente favorável a cassar essas licenças, é
despropositado imaginar que a questão faça mais a cabeça do eleitor do
que o mau atendimento nos postos de saúde ou a limitação de creches.
A influência de pastores sobre a
formação do voto é inversamente proporcional à diversificação do
mercado de informações de uma campanha. Numa primeira fase os pastores
podem até ser a única fonte de informação, mas o horário eleitoral, a
cobertura jornalística e as conversas com parentes e amigos acabam
confrontando percepções e definindo o voto. Isso pode confinar
Russomanno a um terço do eleitorado, mas do segundo turno parece difícil
tirá-lo.
A derrota de Serra na eleição
presidencial já deveria ter bastado para demonstrar que há um limite à
exploração dos currais pentecostais. Não é porque passou poucos anos na
escola que o eleitor é incapaz de perceber excessos de pastores e
candidatos que exploram a religião para conseguir seu voto. Descrer
disso é reeditar o velho bordão de que o brasileiro não sabe votar.
O eleitor vota naquele em quem
identifica mais condições para enfrentar os problemas que avalia serem
os de seu bairro e de sua cidade. Do Pari a Higienópolis, do Prouni à
USP, do shopping Aricanduva ao Cidade Jardim os problemas são diferentes
e os eleitores também. Mas a motivação é a mesma.
Se Russomanno, pelo que mostram
as pesquisas, consegue o dobro dos votos de seus adversários no
eleitorado pentecostal isso talvez se deva menos à bíblia pela qual se
reza do que ao fato de esse eleitor não morar em Higienópolis, não
frequentar a USP nem o Shopping Cidade Jardim.
O candidato do PRB tampouco
quebrou a polarização entre PT e PSDB na cidade porque esta, na verdade,
não existe. O fato de os dois polos da política nacional terem se
originado e ainda hoje manterem seus principais núcleos em São Paulo
gera essa confusão. Mas das seis eleições municipais já disputadas por
ambos os partidos o PSDB só foi para o 2º turno uma única vez, quando
Serra ganhou em 2004.
O PT participou dos cinco
segundos turnos já havidos, ganhando uma vez com Marta Suplicy (2000) e
outra em 1988 (Luiza Erundina) quando a eleição era de uma só tacada.
Quem rivaliza e ultrapassa o PT
como força eleitoral na cidade é a direita de Paulo Maluf, Celso Pitta e
Gilberto Kassab. É desta tradição que Celso Russomanno é herdeiro?
Talvez. Mas tradição não enche urna. O que importa para entender
Russomanno é saber que vácuo ele preencheu ao surgir e se firmar face ao
descrédito geral.
Ao lançar um desconhecido do
eleitor e sem o aval de Marta, o PT deixou o flanco aberto para o
candidato do PRB ocupar. A persistência de bons índices de Russomanno
junto ao eleitorado petista indica que o PT ainda corre atrás do
prejuízo.
O lançamento de Haddad, por si
só, já confronta a tese de que o que está em jogo é a hegemonia
populista. O candidato petista é um dos maiores críticos à tese de que
esta foi a opção do PT para sobreviver a Lula.
O tempo que levou para
transformar seu discurso em defesa do "transporte modal" na proposta do
bilhete único mensal dá conta de seu divórcio com o populismo e explica o
terreno ganho por Russomanno no eleitorado de seu partido.
No flanco tucano, foram a
desaprovação de Gilberto Kassab e a rejeição de Serra que abriram espaço
para o candidato do PRB entrar no condomínio de classe média baixa que
um dia foi de Maluf e onde PSDB e PSD passaram a se revezar. Até o
mensalão, última esperança tucana, jogou água no moinho do candidato que
não toca no assunto. Um quarto de seus eleitores se diz influenciado
pelo julgamento.
Russomanno é tratado como
produto de uma política que transforma cidadãos em consumidores. Isso
pode ser verdade mas é uma bandeira que só adquire feições populistas em
suas mãos. Se é Dilma Rousseff que a empunha ao enfrentar operadoras de
telefonia e concessionárias de energia é porque a presidente está numa
guerra republicana.
Russomanno diminui a política quando trata todos por consumidores, mas esse reducionismo vem lá de trás.
Foi no boom de consumo do Real
que o candidato do PRB, depois do sucesso na TV com programas em defesa
do consumidor, estreou na Câmara dos Deputados em 1994 pelo PSDB com a
maior votação absoluta do país.
Ao longo de quatro mandatos,
além de prestar favores e destinar emendas à própria ONG, perseguiu a
mesma toada da violência e dos direitos do consumidor.
Russomanno não é um
representante da velha direita na base do prende e arrebenta. Na tarde
de segunda feira desembarcou no sindicato dos policiais federais para
falar de seus planos para a segurança pública.
Franzino, de calça jeans
apertada, sapato de bico fino e com um timbre baixo de voz, falou de um
curso que havia feito na polícia da Califórnia. Acompanhou um policial
que depois de prender um cidadão por engano no meio da rua voltara ao
mesmo local e pedira desculpas à comunidade, em nome do Estado, pela
prisão do inocente. Disse que era essa polícia que quer para São Paulo.
Ainda não dá para dizer se
Russomanno sobreviverá ao contraditório da campanha eleitoral. Mas numa
cidade que amanhece de uma chacina ouvindo de seu governador que basta
não reagir para sobreviver à polícia, é natural o sucesso que faz.
FONTE: VALOR ECONÔMICO (14/09/12)
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