Os
anos Dilma Rousseff têm sido caracterizados pela queda inédita das
taxas de juros e uma administração de coloração tecnocrática, mas ainda
não representaram uma grande inovação. A margem de manobra da presidente
é menor depois da conquista da estabilidade econômica, na era Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), e do avanço social ocorrido no período de seu
padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Dilma precisa de uma marca. Até
agora tem sido ela mesma, com o estilo duro, o temor que desperta nos
assessores mais próximos e as demissões em série que levaram à queda de
quase uma dezena de ministros. Neste ano, Dilma estava um tanto quieta e
faltava esbravejar com alguém. Sobrou para Fernando Henrique.
O tucano levou um pito da
presidente por ter criticado em artigo a "herança pesada" que Lula teria
legado para ela. O assunto é um nhenhenhém, como diria o próprio FHC,
em torno do qual ele e Lula já debateram muito publicamente. A novidade é
a resposta de Dilma e seu tom "overreacting".
Estratégia de fortalecer Dilma a põe em novo patamar
A reação desperta um monte de
interpretações, mas nenhuma deveria partir da premissa de que o exagero
foi resultado da emoção. Para uma atitude desta magnitude, em meio às
eleições municipais e com os riscos envolvidos à imagem da presidente,
há pouco de impulso e muito de cálculo político.
Dilma iniciou seu governo
estabelecendo justamente um contraponto em relação ao padrinho. Lula,
nos dois mandatos, sempre esteve às rusgas com FHC. Mas a presidente
aproximou-se do tucano, conferiu-lhe um tratamento especial e até
enviou-lhe carta elogiosa no aniversário de 80 anos. Era uma amizade
republicana, a despeito das diferenças ideológicas e partidárias que
Dilma sabia existir.
O que mudou, então?
A discussão sobre heranças
malditas ou benditas poderia ter continuado entre dois velhos
ex-presidentes. Lula já recuperou a voz para correr o país, subir
palanques e dar declarações de apoio a seus candidatos a prefeito.
Poderia muito bem ter respondido. Dilma, no entanto, comprou a briga com
FHC. Houve senso de oportunidade.
O efeito simbólico é imediato.
Lula, de uma hora para outra, passou de protetor a protegido. A
estratégia de fortalecimento da imagem presidencial pôs Dilma em novo
patamar. O bate-boca é com FHC, mas o subproduto principal é o
deslocamento de Lula como o peão do jogo.
Não é pouco, uma vez que ainda há dúvidas sobre quem será o nome do PT na eleição de 2014: se criador ou criatura.
O panfleto de Dilma foi
eminentemente político. Contrasta com sua atuação discreta, voltada para
o gabinete. Aos poucos, a presidente amplia seu espaço, além da
técnica, e entra no campo político - o que parece mostrar sua disposição
de tentar um novo mandato.
O duelo com Fernando Henrique é a
segunda grande intervenção da presidente que claramente dispensa a
participação do padrinho. A primeira foi na troca de comando de líderes
do governo no Congresso, em fevereiro, quando suas decisões ainda eram
vistas como dependentes de conversas com Lula. Foi uma prova de
autonomia no trato com as raposas do Legislativo. Agora, Dilma mostra
independência para liderar a luta partidária/eleitoral.
Se quiser a reeleição, Dilma
precisará dominar o território e andar com as próprias pernas. Precisará
falar a seu partido e aos que dão sustentação ao governo, muitos
descontentes com seu estilo.
Para sua legenda, a bronca em
Fernando Henrique soa como música ou, ao menos, mea culpa. Dilma tem se
aproximado de uma agenda muito mais tucana - privatizações, retaliação
às greves do funcionalismo - do que das preferências dos petistas. Se um
partido pode ser dividido em três - filiados/simpatizantes; direção; e
governo/face pública-, Dilma sabe que precisará contar com o engajamento
dos dois primeiros em seu projeto.
Para os aliados, o passa-fora no
tucano é um aviso de que a presidente está à frente do debate e que uma
romaria queremista em torno de Lula tende a ser inócua.
A ação atinge vários objetivos
ao mesmo tempo. Dilma se aproveita dos reveses de Lula e da oposição. O
ex-presidente tem posto à prova nestas eleições sua sagacidade política e
sua popularidade. Em São Paulo, a candidatura do ex-ministro Fernando
Haddad avança menos do que o esperado depois de iniciada a campanha na
TV. Lula não repete o que fez em 2010, com a transferência de votos para
Dilma. Na batalha no Recife, está em desvantagem no duelo de padrinhos.
O até pouco tempo desconhecido candidato do governador Eduardo Campos,
Geraldo Julio, ambos do PSB, ultrapassou como foguete o senador Humberto
Costa, apoiado pelo ex-presidente.
Para petistas que concorrem nas
capitais, é a presença de Dilma que surge agora como esperança para
inverter o quadro desfavorável. Em apenas duas destas 26 cidades,
Goiânia e Rio Branco, há um candidato do PT na liderança.
A oposição - especialmente o
PSDB, que lidera em seis - não vai mal nos municípios, mas seus caciques
nacionais tropeçam, de um jeito ou de outro. O libelo de Fernando
Henrique, cujo governo foi tão renegado por seu partido, surge no
momento em que o senador mineiro Aécio Neves é filmado trôpego num
boteco carioca e o ex-governador José Serra cai na tabela da disputa
pela Prefeitura de São Paulo.
FHC também teve senso de
oportunidade. Quis reafirmar sua liderança e ser lembrado como principal
face pública do PSDB e da oposição. Só não contava com o chega-pra-lá
da "muy leal e amiga" presidente da República.
Se os atuais anos ainda não têm
uma grande marca, os últimos dias, no melhor estilo Dilma, representaram
tempos de violência para velhos caciques. A presidente rebate o
octogenário FHC; Eduardo Campos atropela o sexagenário Lula; São Paulo
vira as costas para o septuagenário José Serra.
Enquanto isso, a novidade Celso
Russomanno (PRB), que diz não querer briga com ninguém, conquista o
eleitorado paulistano, para desespero de ambas as partes, de tucanos e
petistas.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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