sábado, 15 de setembro de 2012

Padres, bispos e pastores ainda influenciam no voto de fiéis (Reginaldo Prandi/entrevista)

LUCAS NEVES


A capacidade de padres, bispos e pastores de influírem no voto de seus fiéis caiu sensivelmente nos últimos anos, mas não a ponto de os candidatos a cargos majoritários poderem dispensar aparições ao lado de líderes religiosos e declarações públicas de apoio destes --aproximação na qual, dias atrás, o petista Fernando Haddad (PT) afirmou ver "risco de fundamentalismo".
O diagnóstico é do professor sênior do departamento de sociologia da USP Reginaldo Prandi, 66, que estuda religiões. Segundo ele, com a modernização dos cultos, o controle sobre as escolhas dos devotos se afrouxou. Para ganhar uma eleição, entretanto, prossegue o professor, ainda é preciso "responder ao jogo de pressões e fazer acordos".
"[As igrejas] Vão querer saber que compromissos o candidato assumirá com a religião", diz Prandi, referindo-se à defesa do afastamento entre política e fé feita em público por Haddad.
Prandi vê o líder das pesquisas em São Paulo, Celso Russomanno (PRB), "com os pés em duas, três canoas", por ter de acenar tanto para o eleitor da entidade que sustenta seu partido, a Igreja Universal, quanto para o de denominações rompidas com esta e para o de fora do segmento evangélico.
Leia abaixo trechos da entrevista dele à Folha.
Folha - Que poder líderes religiosos cortejados por candidatos têm de efetivamente pautar o voto dos fiéis?
Reginaldo Prandi - Os deputados federais evangélicos são 73, o que significa 15% do total. Na população, os evangélicos somam 20%, 22%. Ou seja, estão subrepresentados no Congresso. Se você seguisse rigorosamente a ideia de que o eleitor sempre vota com a igreja dele, seriam mais.
Mesmo as religiões voltadas a temáticas mais tradicionais se modernizam, liberalizam-se para atender as demandas da sociedade. [O controle] Vai ficando mais frouxo. É possível que, dentro de uma igreja, haja segmentos que sigam o que as lideranças dizem. Mas não todos mais. E cada vez menos.
Em meio a declarações de apoio de religiosos a oponentes de Haddad, o petista disse que pedir votos em igrejas não era "compatível". Pode-se prescindir do endosso de padres e pastores?
Ele não pode dizer o que vai fazer ou não [a esta altura]. Não sabe que perguntas o eleitor vai fazer. Como candidato, para ganhar, tem de responder a esse jogo de pressões e fazer acordos. Vão querer saber que compromissos ele assumirá com a religião.
Se temas como fé e aborto ficassem de fora [do debate eleitoral], as religiões não saberiam o que dizer. Vão fazer uma proposta de nova sociedade, de novo homem? Não têm essa capacidade. Vão trabalhar naquilo que sabem e que a sociedade lhes permitiu, que é a intimidade, a moralidade.
Justamente um "tema da moralidade", o aborto, foi tido como decisivo para que houvesse um segundo turno em 2010. Por que assuntos dessa rubrica influem tanto em quadros eleitorais?
Há uma parte da população sensível a isso. Para muita gente, pensar nesse tema como objeto de decisão pessoal é complicado. Implica em ter mais segurança a respeito de si mesmo, do outro, dos valores.
E aí as religiões se apropriam dessa dificuldade e aprisionam mentes em caixas fechadas, de modalidade estreita, reacionária, mas, ao mesmo tempo, fácil: não pode, e ponto final.
Russomanno tenta se desvincular da Igreja Universal do Reino de Deus, que tem forte ascendência sobre o partido dele, o PRB. Mas já prometeu regularizar igrejas e disse que gostaria que houvesse uma por quarteirão. Ao oscilar entre distanciamento e aproximação da religião, não confunde o eleitor?
Isso vem da própria condição dele, de vir de um partido controlado pela Universal. No campo evangélico, há muitas igrejas que se opõem a ela, mesmo entre as que nasceram dela. Além disso, ele sabe que precisa do voto católico. E por isso diz que ªgostaria que houvesse uma igreja por quarteirãoº, sem especificar qual. Mas também busca o não religioso. Enfim, está no centro de uma teia de contradições, com os pés em duas, três canoas.
Gabriel Chalita (PMDB) está em encruzilhada parecida?
Para os católicos, ele representa um candidato carismático, associado a outros líderes carismáticos [como o padre Fábio Melo, com quem lançou livro]. É fruto de um processo de negação do interesse da Igreja Católica pelos grandes problemas ligados a justiça e distribuição de renda. Mas também procura mostrar a face do pedagogo, de secretário da Educação [de Geraldo Alckmin]. Sabe que, para ampliar seu eleitorado, tem de expandir sua fonte institucional de origem.
O prefeito Gilberto Kassab (PSD) regularizou templos evangélicos e revisou planejamentos viários para viabilizar novas edificações ligadas a grupos religiosos. Até que ponto essas medidas podem alavancar as intenções de voto em José Serra (PSDB)?
Isso é o que as igrejas querem. Esperam isso de um governante: que aumente a sua liberdade, que dê a elas prerrogativas e direitos que a Igreja Católica sempre teve. Do ponto de vista do Kassab, não chega a comprometer [sua gestão], porque é de se esperar que o Estado não interfira nas religiões.
Mas o fato de essas ações se concentrarem num período pré-eleitoral não dá a elas um caráter de moeda de troca?
Sim. Mas isso não acontece só em relação às igrejas. Por exemplo, as pessoas depredam muito as placas de sinalização pela cidade. Como o trabalho é caro, só alguns meses antes da eleição elas são trocadas. O momento ideal é aquele em que se deseja que as pessoas sintam que suas demandas foram atendidas.
Fonte: Folha de São Paulo

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