quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sutis, porém mudanças (Rosângela Bittar)

Que a assunção de Dilma Rousseff ao poder provocou alteração de comportamento e estilo em todo o governo, é fato. Anote-se, agora, que se multiplicam as transformações de conteúdo das políticas em execução. E no próprio PT há o reconhecimento de que, segundo síntese de um dirigente partidário, "ela está se impondo". Isto significa que o rumo é o que Dilma traçou, a pista é a que desbravou, e todo mundo segue a nova rota porque não quer ser dispensado da tropa.

Os movimentos da presidente são pendulares, razão pela qual, muitas vezes, são tantos os recuos que dá a impressão de que não sai do lugar. As alterações, porém, estão aí e, novamente ao estilo do início do governo, ela muda disfarçando.

A política econômica - não se quer admitir - mudou na percepção dos agentes de mercado e de economistas de fora do governo. Com Fernando Henrique e Lula, o chamado tripé - câmbio flutuante, metas para inflação e superávit primário - foi dogma. Sem anunciar e sem ruptura, Dilma alterou os conceitos. As intervenções do Ministério da Fazenda tornaram o regime de câmbio quase administrado, como notam entusiastas da flexibilização do modelo, como Bresser-Pereira. O regime de metas também deixou de ser cláusula pétrea. A inflação, não é segredo, desvestiu-se da pele de lobo e passou a ser recebida na sala. O relatório trimestral do fenômeno, divulgado na semana passada, tira a meta da meta. Quanto ao superávit primário, presente em prosa, ora mocinho, ora vilão, no momento está na segunda condição a julgar pelos conselhos que a presidente vem dando aos europeus.

O tripé, é preciso admitir, está em processo de flexibilização. Tem relevância, também, na política econômica, o novo protecionismo instituído em medidas para barrar produtos importados, sendo a de automóveis a principal. A presidente imprime uma orientação mais ideológica ao seu projeto, algo que se identifica, no mercado, como um exemplar vivo do nacional-desenvolvimentismo.

Na política externa, o Brasil de Dilma mudou nesses dez meses, embora os partidários da administração anterior insistam em ver, hoje, carbono de ontem. De início, a transformação apareceu com nitidez. A presidente precisou manifestar-se sobre a política de direitos humanos e, em comparação com o antecessor, foi assertiva ao condenar os regimes ditatoriais. Nada espalhafatosa na ação ou no discurso, a presidente imprimiu racionalidade também à conversa diplomática entre Brasil e Estados Unidos, o que, é preciso reconhecer, foi uma alteração de forma que se traduziu-se em novo conteúdo. O Brasil parece menos emotivo também nas relações com Hugo Chávez e Evo Morales, que praticaram, na era Lula, a diplomacia predatória sem que o governo ou as empresas brasileiras pudessem esboçar reação.

Chamemos o testemunho de um especialista no assunto, o embaixador Rubens Ricupero que, em artigo na "Folha de S. Paulo", nesta semana, reconheceu as mudanças da política externa, e lembrou, com graça e espírito, que tudo pode ser uma visão provocada pelas transformações do mundo - as sequelas da Primavera Árabe, a rebelião na Líbia, a evolução na América Latina, a doença de Chávez, o enfraquecimento de Morales - mas o fato é que mudou.

Não se ouve mais no governo a defesa de críticas pelo ataque aos analistas, taxados de subservientes. Evidenciam-se os sinais de profissionalização dessa política, hoje de tom mais econômico e comercial que político. Mais discrição, menos provocações.

Ao levar o ex-chanceler Celso Amorim para o Ministério da Defesa, a presidente ficou com três chanceleres (Amorim, Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático da Presidência, e Antonio Patriota, o ministro de direito). A tensão no mundo diplomático com esse fato não tem eco na Presidência da República. A presidente está segura, o Itamaraty, não. A aguardar o tipo de desorganização que a aposta provocará no governo, se for o passo atrás do movimento sempre pendular da presidente.

Nas duas políticas - econômica e externa - há experimentos visíveis em teste, e a presidente não opta por uma ou outra posição das sempre divididas equipes de governo. Tem a dela própria. Como também atribui peso específico a suas relações políticas com os partidos da aliança deixada pelo antecessor e o seu partido, o PT. Nesses quase dez meses de administração, a presidente deu pouca bola ao PT, considerou à distância os aliados, manteve a base nos cargos da administração - os partidos querem mais que isso? - e tirou quando quis os que não se sustentaram mais nos cargos.

Há políticas que já foram alteradas duas vezes nesse curto espaço de tempo. A de combate à corrupção, por exemplo. As providências que tomou com relação a ministros e diretores de autarquias denunciados por prática de irregularidades administrativas foram inéditas no governo petista. Contando, inclusive, com o período em que comandou uma equipe de funcionários denunciados, na Casa Civil, que defendeu até o amargo fim.

Dilma não liderou as iniciativas, mas tomou providências diante de denúncias da imprensa. E foi assim que quatro ministros e dois presidentes de importantes autarquias deixaram seus cargos. Lula não só passava a mão na cabeça dos denunciados, a seu tempo, como agora os incita a não temerem a objetividade da presidente. Recomendou que ministros endureçam seus cascos para resistir, nos cargos, às denúncias. Diante da pressão de Lula e do PT, Dilma fez o segundo movimento, o de recuo. Não concluiu a faxina, deixou para trás sujeiras já expostas na imprensa. Nenhuma providência foi tomada para inibir os ministros das Cidades e do Trabalho, ambos já objeto de reportagens com denúncias. A presidente se deixou intimidar e os ministros e diretores com currículo em praça pública respiraram aliviados.

Informa-se, no governo, que não houve interrupção do combate à corrupção, apenas a presidente não quis esvaziar a reforma ministerial que pretende fazer entre o fim deste ano e início do próximo. Quer ter quem trocar. Uma justificativa inafiançável. Dilma suspendeu a limpeza porque a cúpula do PT e Lula não gostaram.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.


FONTE: VALOR ECONÔMICO

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