sábado, 15 de outubro de 2011

ASSEMBLEIA DE ATEUS

Às vésperas de vir ao Brasil debater o tema, Alain de Botton defende em novo livro que descrentes valorizem aspectos positivos das religiões

VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES

Deus não existe, é uma criação humana para atenuar nosso medo da morte.

Com essa certeza em mente, temos de olhar para as religiões e ver o que elas podem nos ensinar. Não com suas doutrinas, mas com as técnicas que utilizam para divulgar suas mensagens -muitas vezes com o uso das artes- e com o sentimento de comunidade que constroem.

Essa é a tese defendida em 274 páginas por Alain de Botton em seu novo livro, "Religião para Ateus", a ser lançado na quinta-feira pela editora Intrínseca.

Será esse também o tema das palestras que fará em Porto Alegre (no dia 21 de novembro) e São Paulo (dia 22) dentro do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento.

Botton recebeu a Folha em seu escritório, em Londres, onde escreve, religiosamente, de segunda a sexta.
Esse suíço de 41 anos, autor de livros como "A Arquitetura da Felicidade" e "Como Proust Pode Mudar sua Vida" (que está sendo relançado), tem uma fala mansa, mas dispara críticas contra ateus radicais, universidades e, claro, religiões.

"Quando falo que precisamos pegar alguns aspectos bons das religiões, logo dizem: "e os horrores cometidos pelas igrejas?". Eu sei dos casos de pedofilia, da Inquisição, da morte de inocentes... Mas essa não deve ser a única conversa sobre esse assunto", diz.

DISPUTA DESESPERADA
Sobre os ateus radicais, afirma que saíram perdedores em sua disputa desesperada contra as religiões. E nomeia o principal deles: Richard Dawkins, autor de "Deus, um Delírio".

"Não adianta o Dawkins ficar repetindo que as pessoas são estúpidas por acreditar em Deus. O que ele oferece em troca? A ciência não resolve algumas das necessidades que as pessoas têm: consolo, comunidade, moralidade, compreensão."

Botton não defende a volta às igrejas. "Isso não vai acontecer. Nunca retornaremos à ideia de que a Igreja terá uma verdade e será construído um muro em volta dela. Somos democráticos não apenas na questão política mas também no campo das ideias. A verdade hoje é múltipla", afirma.

Qual a solução, então?

Botton acredita que, primeiro, o ser humano precisa admitir que é fraco e necessita de ajuda.

"O mundo liberal criou em nós a ideia de que somos autossuficientes. Não é verdade. Precisamos de ajuda, de aconselhamento. Mas, se alguém nos oferece orientação, repelimos. Dizemos que não precisamos de babás, que não venham nos dar ordens."

Nesse ponto, ele envereda por mais questões polêmicas. Acha, por exemplo, que os governos estão certos ao tomar medidas contra o tabaco ou o consumo excessivo de gordura.

"Quando anunciam medidas como essas, a mídia liberal faz um escândalo. Diz que estão tolhendo nossa liberdade. Mas as pessoas aprovam. Tenho um amigo fumante que fica feliz quando aumentam o preço do cigarro, pois precisa de ajuda para parar de fumar. Às vezes, é legítimo que as autoridades tomem medidas para impedir que nos façamos mal. As religiões sempre fizeram isso."

Sobre as universidades, diz que ficaram técnicas demais e não ensinam as pessoas a viver. "Poderíamos ter aulas de como nos relacionar com os outros, por exemplo."

No livro, Botton usa seu estilo de ensaísta para discorrer sobre vários aspectos religiosos. Trata de obras sacras, de arquitetura, de grandes sermões e de textos como a Torá e os evangelhos.

Uma vez mais, porém, não foge à polêmica. "Há mais sabedoria nos livros de [Marcel] Proust que no 'Novo Testamento'. É um comentário herético, mas é verdade."

No entanto, reconhece a diferença de alcance e influência. "Quem lê Proust hoje? Só uma ínfima minoria. Já o 'Novo Testamento' continua a vender milhões de cópias."


CRÍTICA ENSAIO

Livro é caso típico da sofisticação do mercado de autoajuda

LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA

O circuito autoajuda está se sofisticando e, como tudo que se sofistica, fica de alguma forma "melhor".
Auto-ajuda sempre reúne algo da filosofia, ciência e religião, áreas essenciais.

O filósofo Alain de Botton é um autor de livros de autoajuda chique. E é um autor que escreve bem, observa de modo preciso o cotidiano contemporâneo e domina o repertório cultural de modo bastante competente.

Autoajuda funciona, caso contrário, não vendia tanto. Podemos perguntar por que funciona. A resposta é simples como uma soma de 2 + 2= 4. Autoajuda funciona porque fala para as agonias e expectativas mais básicas do ser humano.

Logo, "seu mercado" é a própria condição insustentável do ser humano: nosso sofrimento e os modos de enfrentá-lo.

O novo livro de Alain de Botton lançado entre nós, "Religião para Ateus", é um caso típico da sofisticação do mercado autoajuda. É um bom livro, uma bela edição, recheado de arte e erudição filosófica em equilíbrio generoso. Merece o sucesso que vai fazer.

Há trabalho intelectual na obra, mesmo que muitos possam por em dúvida o princípio que o norteia.
Ele, em si, não é nada revolucionário: as religiões são produtos culturais poderosos para formar o ser humano em várias das suas faces e não devem ser negligenciadas pelos não crentes e a sociedade secular ocidental, mas sim usadas naquilo que elas têm de melhor, porque nós, seculares, não vamos muito bem numa série de coisas.

De Botton pensa que é um erro dos ateus não verem no "saber" da religião uma aliada cultural da vida não religiosa. Claro, o diálogo é "pragmático": há usos da religião que somam, e não subtraem, se quisermos ter uma vida mais feliz.

Tudo isso pode ser resumido na ideia de que a religião tem também seu lado "mais", mesmo para não crentes. Devemos ler a Bíblia como lemos Shakespeare.

Santos podem ser na realidade gente legal que ensina coisas legais.

A ideia é básica, mas o aparato de erudição teológica e filosófica que o autor põe em ação é que faz a diferença no produto final, assim como os tópicos (os capítulos) que ele escolhe trabalhar para comprovar sua tese: sabedoria sem doutrina, comunidade, gentileza, educação, ternura, pessimismo, perspectiva, arte, arquitetura e instituição.

O tratamento dado a cada um não é homogêneo na sua qualidade final porque De Botton dá mais atenção a alguns temas do que a outros, mas isso não chega a comprometer a soma final.

Com as religiões aprendemos muito sobre natureza humana, sobre a necessidade de vivermos acima da "pequenez" dos bens materiais, o valor da tristeza, da beleza de sermos tomados por sensações estéticas diante de imagens dentro de espaços arquitetônicos feitos "para nos emocionar".

Enfim, aprendemos com milhares de pessoas sábias que pensaram na teoria e na prática os dramas humanos. A questão é saber se tudo isso funciona sem fé.

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