sábado, 8 de outubro de 2011

Coletânea preserva a atualidade de manifesto de Oswald

"Antropofagia Hoje?", que ganha nova edição, parte do conceito da antropofagia para avaliar problemas atuais


AFINAL, A ANTROPOFAGIA NÃO É SIMPLESMENTE DEGLUTIR O QUE NOS INTERESSA E TRANSFORMÁ-LO EM COISA BRASILEIRA NÃO É, TAMPOUCO, FUNDIR O PRIMITIVO E O TÉCNICO

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Para um manifesto que desejava a "transformação permanente do tabu em totem", invertendo a operação descrita por Freud, seu destino não deveria ser transformar-se em tabu -como aconteceu por tantos anos- e tampouco em totem, sob pena de que isso nos impeça de compreendê-lo e atualizá-lo.
O Manifesto Antropófago, escrito por Oswald de Andrade (1890-1954) em 1928, não pode mesmo ser entendido, nem suas propostas podem ser minimamente realizadas, caso não exista um procedimento constante de transformá-lo. Aliás, esse é um de seus princípios: que ele possa ser sempre devorado.
Essa parece ser a ideia do livro "Antropofagia Hoje?", organizado por Jorge Ruffinelli e João Cezar de Castro Rocha, cuja primeira versão foi publicada em 1999, mas que agora sai ampliado.
O livro se divide em cinco partes, que vão de reconstruções e paródias do manifesto antropófago a genealogias históricas dos conceitos que nele aparecem, além das repercussões atuais na TV, na medicina e na política.
Mas a melhor contribuição que a coletânea faz ao leitor do manifesto é justamente manter viva a necessidade de conhecê-lo sem idealismos.
Em um dos ensaios mais emocionantes, a filha de Oswald, Marília, narra o fim solitário e desiludido do pai: não o haviam reconhecido nem valorizado; pior, ele se sentia abandonado.
Um abandono que, nos últimos anos, vem sendo redimido, mas sem que isso implique autêntica valorização de seu pensamento.
Afinal, a antropofagia não é simplesmente deglutir o que nos interessa e transformá-lo em coisa brasileira.
Não é tampouco fundir o primitivo e o técnico, ou, como muitos também pensam, carnavalizar o mundo do trabalho e da organização e sair sambando pelas ruas.
Como diz muito bem o belo ensaio de João Almino, "o pensamento, a arte ou a literatura nacionais não existem como ponto de partida, e sim como ponto de chegada".
É do Manifesto Antropófago como ponto de partida para pensarmos os problemas de agora que partem os ensaios deste livro, uns mais, outros menos felizes.
É estanha, por exemplo, a visão de um professor da Universidade de Stanford, que afirma que o Brasil "transforma pessoas em pilhas artificiais de exotismo como Carmen Miranda".
Alguns americanos do norte precisam estudar muita antropofagia para compreender os americanos do sul.

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