No programa em que se defende do desvio de verbas destinadas às crianças pobres, o PC do B cometeu uma injustiça com a história cultural brasileira.
Apresenta o poeta Carlos Drummond de Andrade como um intelectual comunista, tentando se agarrar na imagem do poeta para atenuar o grande desgaste que o partido sofre no momento.
Não deveriam colocar Drummond nessa enrascada. De fato, a poesia de Drummond viveu momentos de grande sensibilidade social. Em 1945, ele lançou o livro Rosa do Povo, considerado um marco na sua fase política, no sentido mais amplo.
A poesia de Drummond não cabia nos rígidos cânones estéticos do Partido Comunista. Nem sua individualidade poderia ser conformada nos limites do centralismo democrático.
Os fatos desmentem o PC do B. Drummond veio para o Rio de Janeiro para ser chefe de gabinete de Gustavo Capanema que ocupava o Ministério da Educação e Saúde Pública.
Em 45, convidado por Luis Carlos Prestes, deixou o ministério para participar do comitê de redação do jornal comunista Tribuna Popular. Meses depois, Drummond abandonava o jornal por não concordar com sua orientação.
Já em 1949, Drummond e um grupo de intelectuais abandonam a Associação Brasileira a dos Escritores exatamente por discordarem da orientação esquerdista.
Sua posição clara: a entidade não devia ser usada com fins políticos. Isso está em todas as suas biografias.E mesmo em suas entrevistas, como a que concedeu a Geneton Moraes Neto, em Dossiê Drummond.
Esses fatos não fazem de Drummond, autor de Carta de Stalingrado, um poeta anticomunista. Mas não autorizam que seja apresentado como um dos grandes intelectuais comunistas da história do Brasil.
O que o PC do B fez em sua propaganda foi o que chamamos ,vulgarmente, de forçar a barra. O objetivo de se escudar na imagem de Drummond para escapar de acusações de desvio de verba fica claro.
Da mesma forma, foi um exagero o uso da imagem de intelectuais que tiveram longa passagem pelo comunismo, como Jorge Amado, ou que se mantêm fieis às teses de esquerda, como Oscar Nyemeier.
Os intelectuais comunistas não são acusados nesse processo e sim o PC do B. E além do mais, fica no ar uma impressão falsa de que existe uma continuidade entre eles e o PC do B. Eles nunca pertenceram, especificamente, a esse partido que está enrolado com a prestação de contas de R$49 milhões das ONGs amigas, que controla a UNE e o Ministério dos Transportes.
Que importância tem o uso da imagem de Drummond numa história em que o realmente grave é o desvio de dinheiro público?
O PC do B apenas prossegue um caminho trilhado por outras forças modernas, como o PT, que está arruinando o conceito de política. Nesse caminho, as evidências não importam; importam apenas as versões.
Pensam assim: inventamos que o Drummond foi um intelectual comunista, um ou outro gato pingado tentará estabelecer a verdade dos fatos, mas seu esforço aparecerá apenas como mais uma versão. Não existe verdade, existem apenas diferentes posições ideológicas.
É um modo de pensar que contribui para uma falsa história da cultura brasileira mas sobretudo para a decadência da política , para o abismo que se cava entre ela e as pessoas não participam diretamente de sua trama.
Sobretudo é um modo de pensar que justifica barbaridades e, para mim, só faz reforçar as suspeições sobre o Programa Segundo Tempo, sobre os quadros dirigentes do PC do B e o próprio partido.
Para chegar ao desvio de merendas escolares, é preciso uma longa trajetória intelectual de desvio da verdade histórica e do assassinato de reputações.
Drummond, na sua existência cotidiana, foi um funcionário público, inclusive no Estado Novo. Essa relação de intelectuais e governo no Brasil já foi estudada pelo sociólogo Sérgio Miceli, autor do livro Intelectuais à brasileira,porque, pelo menos no passado, envolveu grandes nomes de nossa cultura. É um ângulo que aborda a realidade de anos de trabalho.
Como centenas de intelectuais do Século XX, Drummond aproximou-se do comunismo e se afastou dele com uma rapidez maior que a média, ao constatar, entre outras coisas, que era incompatível com a liberdade artística.
Esses são os fatos biográficos. Se voltarmos atrás, veremos que os próprios intelectuais que saudaram a publicação de Rosa do Povo, como é o caso de Álvaro Lins, não viam na poesia de Drummond um trabalho que agradava aos comunistas. Os poemas, dizia Lins, em 1947, eram voltados a sensibilizar as elites, tinham inspiração popular ” mas um estilo aristocrático”.
É justo tirar a imagem Drummond dessa enrascada com a merenda das crianças.
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