quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A praça é do povo (Frei Betto)

Há algo de novo, e não de podre, no reino da Dinamarca! Verdade que provocado pelo cheiro de podridão. Como suportar o odor fétido de uma Câmara dos Deputados que absolve uma deputada flagrada e filmada recebendo bolada de dinheiro escuso? Em 12 de outubro, manifestantes foram às ruas do Brasil, e de 1.242 cidades dos EUA, emitir protestos cívicos. Aqui, 30 mil pessoas, a maioria em Brasília, exigiram o fim do voto secreto no Congresso Nacional; o direito de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) investigar e punir juízes corruptos; a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012; e o fim da corrupção na administração pública.

A novidade é que, tanto aqui como nos EUA, as mobilizações foram convocadas por redes sociais. Uma ação espontânea, sem partidos e líderes carismáticos, e que, no mínimo, mereceria o apoio da UNE, da CUT e dos partidos ditos progressistas. Nos EUA, cresce o movimento Ocupem Wall Street. Ali se situa o centro financeiro estadunidense, protegido pela exuberante estátua do touro que bem simboliza a ganância e a prepotência do capital financeiro. Semana passada, mais de 1 mil manifestantes foram presos nos EUA, desmascarando a propalada liberdade de expressão da democracia capitalista. Liberdade, sim, de especulação feita por aqueles que Roosevelt qualificou de “monarquia econômica”.

A elite americana entrou em pânico, embora as manifestações sejam bem mais pacíficas e ordeiras que as do Tea Party (extrema direita) em 2009. O deputado republicano Eric Cantor chamou os manifestantes de gangues. Mitt Rommey, pré-candidato republicano em 2012, acusou-os de provocar uma luta de classes. O fato é que o poder público, aqui, e o poder econômico, lá, estão prensados contra a parede. E agora o movimento se expande pelos países da Europa diretamente afetados pela crise financeira e mais interessados em salvar bancos que empregos.

A avareza dos magnatas ianques é tamanha que acusam Obama de socialista pelo simples fato de ele apoiar a regra Volcker, que proíbe bancos, beneficiados com ajuda governamental, de praticarem especulação. Bush aprovou (e Obama ainda não revogou) a redução de US$ 5 bilhões no montante de impostos pagos pela minoria, que ganha mais de US$ 250 mil por ano (cerca de R$ 420 mil). “Taxem os ricos!”, diziam os protestos do Ocupem Wall Street.

Desde janeiro de 2008, o setor financeiro de Nova York fechou 22 mil postos de trabalho. E mais 10 mil estão previstos. O banco Goldman Sachs despediu 1.000 funcionários e o Bank of America, 30 mil. Apenas 31 milhões de pessoas são consideradas muito ricas nos EUA, o que equivale a 10% da população. E todo o sistema de governo mais protege essa minoria do que os outros 90%. No Brasil, os muito ricos são 3 milhões.

O Brasil está sob ameaça da crise financeira. Nossas exportações, em especial soja e minério de ferro, dependem muito da China. Por sua vez, 41,5% das exportações chinesas são consumidas pelos EUA e a União Europeia. Se esses dois blocos reduzirem suas importações, o sinal vermelho acende na China. Ela cresceu 10,3% ano passado e, este ano, não deve ir além de 8,7%, caindo para 8,2% em 2012. O que pode afetar as exportações brasileiras e trazer de volta, junto com o dragão da inflação, o desemprego.

Todas essas manifestações de rua são positivas, porém insuficientes. Não basta protestar. É preciso propor uma nova ordem econômica, um novo projeto político, um outro mundo possível. Outro risco implícito às atuais manifestações é confundir apartidarismo com repúdio a partidos. Esses são imprescindíveis para manter ou transformar o atual estado de coisas. E, ano que vem, teremos eleições municipais. Com o Ficha Limpa vigente, saberemos em quem não votar. Mas é preciso ter clareza em quem votar, livre das promessas vãs e da demagogia televisiva. É hora de iniciar o debate de valores e critérios para a escolha de vereadores e prefeitos. Caso contrário, tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.
Fonte: Estado de Minas

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