E chegamos ao pulo do gato. Os espertos vão explicar ao povão, condoídos, que para implantar a pureza do financiamento público exclusivo precisarão, infelizmente, acabar com o direito de o distinto público escolher quem vai mandar ao Legislativo
A votação da reforma política ensaia entrar nos finalmentes, com os maiores partidos acertados entre si para 1) reduzir os poderes do eleitor e 2) impedir a sociedade, pessoas físicas e empresas, de apoiar financeiramente vetores alternativos.
Após anos de proselitismo sobre a suposta malignidade intrínseca do sistema político-eleitoral no Brasil, os donos da bola julgam arado o terreno para a semeadura decisiva: usar os propagandeados defeitos do modelo para aumentar ainda mais os poderes dos atuais beneficiários.
Há algum tempo os oligarcas concluíram ser impopular a lista fechada para eleição de deputados e vereadores. Pois será natural que as pessoas reajam à cassação do direito de escolher os membros do Parlamento.
Daí a tática ter derivado para a busca do elo mais fraco: o financiamento. Diante da sequência de notícias sobre malfeitos, os alquimistas explicam que a política brasileira é apenas vítima de um mau desenho.
Que o dinheiro irregular é para as campanhas eleitorais. E se houver o financiamento público exclusivo isso será resolvido.
Ou seja, os políticos que agem mal não o fazem para enriquecer, mas para pagar despesas nas eleições.
O financiamento público exclusivo criaria um problema insolúvel no âmbito partidário, mantidas as regras atuais de candidatura. Como distribuir o dinheiro entre os diversos corredores num mesmo nível?
Não é o caso das eleições para presidente, governador, senador ou prefeito. Onde há só um nome do partido ou coligação.
Mas se cada postulante a deputado ou vereador precisar correr atrás do voto por conta própria, que critério adotar na divisão do bolo financeiro?
O mesmo dinheiro para cada um? Impossível, pois toda legenda tem os campeões de voto e os apenas figurantes. Arbitrário, com cada caciquia decidindo quem vai receber mais e quem precisará se conformar com menos? Impossível. Não teria operacionalidade nem amparo legal.
E vem o pulo do gato. Nessa hora, os doutores vão explicar ao povão, condoídos, que para implantar a pureza do financiamento público exclusivo precisarão, infelizmente, acabar com o direito de o distinto público escolher quem vai mandar ao Legislativo.
Um mal que virá para o suposto bem. Para limar as impurezas, recorrer-se-á ao fascínio da ditadura virtuosa, coisa que o moralismo pátrio, nas diversas vertentes, propagandeia desde sempre.
E aí a obra estará completa. Os donos de partido estarão entronizados, com o monopólio da política nacional.
Já avançaram bastante. Na fidelidade partidária, nos prazos de filiação e domicílio, no poder absoluto para nomear e demitir dirigentes zonais, municipais e estaduais, na liberdade imperial para gastar como bem entendem o dinheiro público já disponível.
Os caciques, os mesmos que frequentam o noticiário por razões pouco abonadoras, irão decidir quem vai se eleger e quem não. Eles próprios, naturalmente, reservarão a si cadeiras legislativas sem precisar nem sair de casa para buscar voto.
O partido majoritário, por ter vencido a última eleição, terá garantida uma vantagem financeira irreversível, pois se não é razoável que a verba seja igualmente distribuída pelas legendas, o único critério alternativo é o apoio obtido na última eleição.
Isso vai acontecer mesmo em situações nas quais o governante estiver pessimamente avaliado, em que tiver perdido o apoio da maioria. Mesmo assim irá para a campanha em vantagem pecuniária insuperável, pois a oposição não terá como se financiar para equilibrar o jogo.
Novos atores políticos passarão a enfrentar ainda mais barreiras para entrar no palco. A “renovação” da política irá depender mais ainda dos “dedaços”, em que os caciques decidem os “novos” personagens encarregados de “renovar” para que tudo permaneça como está.
E restará aos insatisfeitos criar ongs, promover abaixo-assinados pela internet ou acampar em praças públicas. Enquanto os potentados institucionalizarão o direito divino de fazer do Estado brasileiro uma coisa nossa (deles).
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
domingo, 28 de agosto de 2011
E agora, Lula? (Juan Arias)
Lula está numa encruzilhada política. Lutou contra seu próprio partido para fazer de Dilma Rousseff sua sucessora. Conseguiu. E pediu-lhe que mantivesse uma boa parte dos ministros de seu último governo. Ela o fez. Só que, aos oito meses de governo, sua pupila pôs na rua quatro desses ministros, três acusados de corrupção e o outro após ter criticado publicamente as duas ministras mais importantes nomeadas pela presidente.
Dilma está ganhando por esse motivo o título de heroína contra a corrupção política, e está surgindo um movimento em todo o país de simpatia e apoio a sua vassoura ética. Curiosamente, os que mais a apoiam são precisamente os que mais criticavam os governos de seu antecessor. Defendem-na, inclusive, líderes históricos da oposição, como o ex-presidente social-democrata Fernando Henrique Cardoso e a ecologista Marina Silva, que deixou o partido de Lula e obteve 20 milhões de votos em sua disputa presidencial com Dilma.
Paradoxalmente, tudo isso está sendo utilizado para atacar quem tinha confiado em Dilma como a melhor candidata para suceder-lhe: Lula. E já se fala de uma "herança maldita" que ele teria deixado à presidente com esses ministros corruptos, que ela teve de afastar de seu governo.
A pergunta é óbvia: e agora, o que fará Lula? E a resposta não é fácil. Este gênio da política não aparecerá nem um minuto em conflito com sua herdeira. De fato, já comentou ser "normal" que um presidente prescinda dos colaboradores que não funcionam, como ele mesmo fez em seus dois mandatos. Substituiu a dois de seus mais importantes ministros - ambos acusados de corrupção: José Dirceu, da Casa Civil, e Antonio Palocci, da Economia.
Lula nunca porá obstáculos à cruzada contra a corrupção de Dilma, que está recuperando os votos da classe média que ele havia perdido. Há até quem assegure que se essa operação de limpeza - que já começa a ser comparada à italiana "Mãos Limpas" - der frutos à presidente, Lula subirá no barco e até poderia tomar o timão.
Não falta tampouco a maquiavélica hipótese de que ambos estariam de acordo: Dilma faria a limpeza que ele não quis ou não pôde fazer para não comprometer a governabilidade, ao enfrentar os partidos aliados mais corruptos, ao mesmo tempo em que ela supriria com sua defesa da ética o que lhe falta em relação a Lula: o carisma pessoal e a destreza em equilíbrios políticos.
A presidente conquistaria a classe média, porque o mundo dos pobres nunca deixará de ser lulista, como apontou FH a seu partido, o PSDB. Contudo, o candidato com mais possibilidades de enfrentar Dilma em 2014, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, afirmou que a cruzada da presidente é só "slogan de campanha" e o que conta para um governo são "as grandes reformas" que, presa em sua luta contra a corrupção, Dilma não está fazendo.
A grande incógnita - que ficará ainda por muito tempo sem resposta - é se a presidente pensa, ou não, em se apresentar à reeleição em 2014, ou somente estaria preparando, com um acordo prévio, o caminho para que Lula volte, posto que ele parece estar já em campanha eleitoral novamente. Lula insiste que Dilma não será candidata em 2014 somente "se ela não quiser". O analista da "Folha de S.Paulo" Fernando de Barros e Silva escreveu há dias que Lula disse apenas o óbvio. Que a notícia seria: "Dilma não se candidatará", e que dizer "se ela não quiser" é o mesmo que dizer "se eu não quiser".
O senador Jarbas Vasconcellos, do partido da base aliada PMDB, mas que sempre se declarou independente, opina que a presidente é candidatíssima para 2014 e, a seu ver, "está fazendo o que deve fazer: diferenciar-se de Lula". Segundo ele - um dos senadores que criaram um movimento de apoio à presidente -, o que mais pode diferenciar Dilma de Lula ante a opinião pública é sua posição de intransigência ante o desperdício de dinheiro público derivado da corrupção num país em que, como escreveu ironicamente o maior romancista brasileiro, João Ubaldo, o sonho de muitas famílias é poder ter um "corrupto" para poder enriquecer com o dinheiro público. Porque, ironiza Ubaldo, as pessoas pensam que, se o dinheiro é "público", é de todos.
Juan Arias é jornalista e correspondente do El País (Espanha) no Rio.
Dilma está ganhando por esse motivo o título de heroína contra a corrupção política, e está surgindo um movimento em todo o país de simpatia e apoio a sua vassoura ética. Curiosamente, os que mais a apoiam são precisamente os que mais criticavam os governos de seu antecessor. Defendem-na, inclusive, líderes históricos da oposição, como o ex-presidente social-democrata Fernando Henrique Cardoso e a ecologista Marina Silva, que deixou o partido de Lula e obteve 20 milhões de votos em sua disputa presidencial com Dilma.
Paradoxalmente, tudo isso está sendo utilizado para atacar quem tinha confiado em Dilma como a melhor candidata para suceder-lhe: Lula. E já se fala de uma "herança maldita" que ele teria deixado à presidente com esses ministros corruptos, que ela teve de afastar de seu governo.
A pergunta é óbvia: e agora, o que fará Lula? E a resposta não é fácil. Este gênio da política não aparecerá nem um minuto em conflito com sua herdeira. De fato, já comentou ser "normal" que um presidente prescinda dos colaboradores que não funcionam, como ele mesmo fez em seus dois mandatos. Substituiu a dois de seus mais importantes ministros - ambos acusados de corrupção: José Dirceu, da Casa Civil, e Antonio Palocci, da Economia.
Lula nunca porá obstáculos à cruzada contra a corrupção de Dilma, que está recuperando os votos da classe média que ele havia perdido. Há até quem assegure que se essa operação de limpeza - que já começa a ser comparada à italiana "Mãos Limpas" - der frutos à presidente, Lula subirá no barco e até poderia tomar o timão.
Não falta tampouco a maquiavélica hipótese de que ambos estariam de acordo: Dilma faria a limpeza que ele não quis ou não pôde fazer para não comprometer a governabilidade, ao enfrentar os partidos aliados mais corruptos, ao mesmo tempo em que ela supriria com sua defesa da ética o que lhe falta em relação a Lula: o carisma pessoal e a destreza em equilíbrios políticos.
A presidente conquistaria a classe média, porque o mundo dos pobres nunca deixará de ser lulista, como apontou FH a seu partido, o PSDB. Contudo, o candidato com mais possibilidades de enfrentar Dilma em 2014, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, afirmou que a cruzada da presidente é só "slogan de campanha" e o que conta para um governo são "as grandes reformas" que, presa em sua luta contra a corrupção, Dilma não está fazendo.
A grande incógnita - que ficará ainda por muito tempo sem resposta - é se a presidente pensa, ou não, em se apresentar à reeleição em 2014, ou somente estaria preparando, com um acordo prévio, o caminho para que Lula volte, posto que ele parece estar já em campanha eleitoral novamente. Lula insiste que Dilma não será candidata em 2014 somente "se ela não quiser". O analista da "Folha de S.Paulo" Fernando de Barros e Silva escreveu há dias que Lula disse apenas o óbvio. Que a notícia seria: "Dilma não se candidatará", e que dizer "se ela não quiser" é o mesmo que dizer "se eu não quiser".
O senador Jarbas Vasconcellos, do partido da base aliada PMDB, mas que sempre se declarou independente, opina que a presidente é candidatíssima para 2014 e, a seu ver, "está fazendo o que deve fazer: diferenciar-se de Lula". Segundo ele - um dos senadores que criaram um movimento de apoio à presidente -, o que mais pode diferenciar Dilma de Lula ante a opinião pública é sua posição de intransigência ante o desperdício de dinheiro público derivado da corrupção num país em que, como escreveu ironicamente o maior romancista brasileiro, João Ubaldo, o sonho de muitas famílias é poder ter um "corrupto" para poder enriquecer com o dinheiro público. Porque, ironiza Ubaldo, as pessoas pensam que, se o dinheiro é "público", é de todos.
Juan Arias é jornalista e correspondente do El País (Espanha) no Rio.
O Último Crime Contra o Jornal da Cidade (Juca Magalhães)
Há quase trinta anos teve início a lenta destruição da memória do Jornal da Cidade, um “matutino” diário que tinha como carro chefe a coluna de Maria Nilce (1941-1989) e os artigos de análise política de Djalma Juarez Magalhães (1930-2008). Apesar de não primar muito pela qualidade gráfica o Jornal era bastante popular, certamente em função da maneira “irreverente” que a jornalista - vitimada num dos mais escabrosos crimes de mando perpetrado no Espírito Santo – escrevia, expondo e criticando figurões e figurinhas da dita “alta sociedade capixaba”.
O Jornal da Cidade começou sua trajetória em 1972 e esta haveria de durar vinte anos, em suas páginas colaboraram inúmeros jornalistas como Elimar Guimarães, Willis de Faria, Xerxes Gusmão Netto, Carmélia Maria de Souza, Amylton de Almeida, Rogério Medeiros, Cezar Viola, Geraldo Bulau, o fotógrafo Antonio Moreira, enfim, a lista é grande. Todos estes cronistas em intensa atividade naquele período histórico deixaram importantes impressões pessoais para o entendimento e o sutil retorno aos ares que se respirava naquela época. Infelizmente hoje tudo isso está perdido.
A primeira parte do arquivo do Jornal da Cidade foi implodida em um atentado a bomba na madrugada do dia 13 de setembro de 1983. O crime foi investigado pela polícia federal e até hoje sua autoria permanece um mistério. A bomba de fabricação caseira demoliu a sala onde ficavam guardados os jornais antigos, a cozinha da casa onde funcionava a redação do Jornal e uma parte do escritório de Djalma Juarez Magalhães. Como o atentado aconteceu por volta de duas da manhã não houve vítimas, exceto um sabiá cuja gaiola ficava na cozinha e não resistiu aos ferimentos.
A explosão foi bastante noticiada, sobretudo por sua violência que rachou o asfalto em frente a casa onde funcionava a redação do jornal na rua Graciano Neves, centro de Vitória, e estilhaçou vidros de janelas de casas do entorno e de prédios até o oitavo andar. Embora hoje possa parecer estranho, atentados do gênero não eram incomuns na época. Em 1981 a mesma coisa já tinha acontecido com o arquivo do jornal A Tribuna e da mesma maneira nada haveria de ser apurado pelas autoridades competentes.
Perplexo o editor do Jornal da Cidade, Djalma Juarez Magalhães, disse não saber a quem imputar o atentado, mas não excluiu na ocasião o presidente do Banestes, Carlos Guilherme Lima, dado atritos causados por críticas e denúncias feitas à sua administração. Na reportagem de A Gazeta o escritor explica que: “enviamos documentos para os serviços de segurança, tanto na esfera estadual quanto federal, onde damos ciência das tentativas de agressões que temos sido vítimas por parte dele.”
Muito antes de ser largamente denunciado como um dos principais integrantes do crime organizado capixaba, as declarações do então presidente do Banco do Estado do Espírito Santo – publicadas na mesma página de A Gazeta - soam como fina ironia: “Não conheço, nunca li esse jornal, tomei conhecimento de sua existência hoje pelo noticiário local, estou trabalhando com a preocupação de dar lucros ao Banestes. Sou contra qualquer tipo de violência, descarto meu envolvimento nesse atentado.”
Afirmar que não conhecia o Jornal da Cidade e, especialmente, Maria Nilce na Vitória daquela época era uma provocação muito maior do que dizer, como foi posteriormente, que a briga que havia com o banco era porque a jornalista estava tentando coagir o presidente a conceder anúncios e assinaturas para o jornal, coisa que alguns acreditam e afirmam até hoje.
Sem conseguir manter a pose por muito tempo, o “empresário” passou a alternar o discurso de funcionário padrão com agressão verbal: “Soube serem os proprietários do jornal gente vigarista e que poderia praticar esse vandalismo para tirar proveito próprio. Sou uma pessoa trabalhando para o Espírito Santo e tenho maiores afinidades com a situação econômico-financeira do Banestes, de bombas não entendo nada.”
Após mais de vinte anos as autoridades federais chegaram à conclusão de que as pioneiras denúncias do Jornal da Cidade podiam mesmo ter um fundo de verdade, basta ver o breve panorama fornecido pela reportagem abaixo publicada em 13 de dezembro de 2002 no site http://notícias.terra.com.br:
“A Justiça Federal determinou hoje o afastamento da diretoria do Banco do Estado do Espírito Santo. A decisão é para evitar o desaparecimento de provas ligadas ao processo do empresário Carlos Guilherme Lima, preso ontem em Vitória. Há suspeita de administração fraudulenta na direção do banco e desvio de dinheiro público em benefício do empresário. Acusado de vários crimes, como desvio e lavagem de dinheiro, fraude em licitações públicas, formação de quadrilha, desvio de recursos federais e ocultação de bens, entre outros, o megaempresário Carlos Guilherme Lima foi preso hoje pela missão especial que investiga as atividades do crime organizado no Espírito Santo. A prisão preventiva foi decretada pela Justiça federal por entender que, em liberdade, ele representava um sério risco à sociedade.”
Quando do assassinato de Maria Nilce a redação do Jornal da Cidade funcionava numa loja na Avenida Cezar Hilal e lá ficavam guardados “os jornais antigos”, como eram trivialmente chamados pelos próprios funcionários. O então invisível crime organizado era tido por “certos segmentos” como “invenção de algumas pessoas de esquerda” e nos tristes - política e socialmente falando - anos noventa seus principais atores reinariam absolutos sendo apontado em investigações o ex-deputado José Carlos Gratz como principal figura pública, ainda que outros indivíduos fossem eventualmente citados como os verdadeiros comandantes.
Após a inevitável derrocada do Jornal da Cidade em 1992 todo o acervo de jornais que estava arquivado em sua redação foi doado à Biblioteca Pública Estadual. Nada mais natural que o principal repositório de informações do Estado cuidasse e zelasse pela preservação do periódico que, inclusive, era fonte de pistas para a investigação da morte de Maria Nilce, afinal, em suas últimas colunas vinham sendo publicadas notas anunciando denúncias escabrosas contra poderosos antigos desafetos.
Numa decisão ainda nebulosa, tomada por alguém da própria biblioteca, em algum lugar entre o final de 2005 e o momento presente o único acervo do Jornal da Cidade de que se tinha notícia foi “descartado”. A antiga diretora da instituição Rita Cássia Maia foi interpelada por meio de uma mensagem eletrônica encaminhada também para várias autoridades e jornalistas e não deu qualquer resposta. Explicado seria que a mesma fora exonerada naquele dia - há algumas semanas - e, em seu silêncio, parece ter optado por deixar o abacaxi para a sucessora descascar.
Apesar de ser funcionária antiga da Biblioteca Estadual a bibliotecária Nadia Alcure estava trabalhando a alguns anos na Faculdade de Música e quando voltou não conseguiu mais encontrar o acervo do Jornal da Cidade, a única coisa que disse poder afirmar a essa reportagem foi: “eu não estava aqui, infelizmente não sei o que aconteceu”. Denise, a bibliotecária responsável pelo setor de Hemeroteca, que cuida da organização de periódicos e revistas, disse lembrar do acervo, mas que por trabalhar no andar de cima, simplesmente não faz idéia de como pode ter desaparecido todo o Jornal da Cidade.
É provável, mas não comprovado, que o “descarte” do acervo do jornal tenha acontecido durante o período de reforma da Biblioteca Pública Estadual, quando, em função de modernizações e mudanças no espaço, muita coisa foi jogada fora como velharia. Enquanto edições antigas do Diário Oficial foram acolhidas pelo DIO, outras como de A Gazeta foram microfilmadas, o que nos leva a perguntar: por que essa preocupação em preservar um jornal já bem documentado pela própria empresa e jogar no lixo coleções únicas?
Talvez não tenha nada a ver, mas pode ser que isso venha um pouco do desprezo urdido e muito bem difundido pelos inimigos de Maria Nilce por tudo o que dissesse respeito a seu trabalho e à sua pessoa. A jornalista, após sua morte, só foi lembrada na mídia pelas polêmicas e por seu covarde assassinato. Poucos foram os que ousaram vir a público para defender ou fornecer uma visão pelo menos imparcial da trajetória de Maria como foi o caso de Carlos Benevides, Pedro Maia e Marcus machado, entre outros. Para denegrir não dá pra citar aqui, a lista seria grande demais.
Algumas pessoas que a própria Maria considerava como “amigos” estranhamente passaram a negar a ligação - talvez por medo, talvez por interesses financeiros - passando até a atacar publicamente a jornalista, difundindo a idéia - que persiste até hoje - de que: Maria Nilce falava demais, morreu porque provocou, procurou. Criminalizando a vítima, denegrindo sua memória e humilhando seus familiares e verdadeiros amigos. Foi o caso da imperdoável charge feita por Milson Henriques e publicada em A Gazeta no dia 12 de julho de 1989, uma semana após o crime.
Para quem não se lembra, Maria Nilce foi morta dentro de um ônibus tentando fugir de um dos dois pistoleiros que perpetraram sua morte na manhã de 05 de julho de 1989. Na charge vemos uma mulher passando a roleta de um ônibus vestindo uma camiseta com várias frases que, como no caso do ex-presidente do Banestes, oscilavam entre “pacifistas” e simplesmente rancorosas, especialmente a última: “Cuidado! Tudo na vida é troco. Você recebe o que dá.”
Este texto tem o intuito de denunciar e de divulgar publicamente mais um crime cometido contra o patrimônio histórico do Espírito Santo e de externar toda a indignação dos familiares de Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães e dos herdeiros de seus inúmeros colaboradores, muitos destes já falecidos, cujos textos diários agora sabemos perdidos para sempre. Seja lá o que aconteceu com o acervo do Jornal da Cidade - tenho agora poucas esperanças de voltar a ter notícias deste - espero apenas obter um dia uma justificativa plausível por parte do Secretário de Estado da Cultura e da direção da Biblioteca Estadual do Estado do Espírito Santo.
O Jornal da Cidade começou sua trajetória em 1972 e esta haveria de durar vinte anos, em suas páginas colaboraram inúmeros jornalistas como Elimar Guimarães, Willis de Faria, Xerxes Gusmão Netto, Carmélia Maria de Souza, Amylton de Almeida, Rogério Medeiros, Cezar Viola, Geraldo Bulau, o fotógrafo Antonio Moreira, enfim, a lista é grande. Todos estes cronistas em intensa atividade naquele período histórico deixaram importantes impressões pessoais para o entendimento e o sutil retorno aos ares que se respirava naquela época. Infelizmente hoje tudo isso está perdido.
A primeira parte do arquivo do Jornal da Cidade foi implodida em um atentado a bomba na madrugada do dia 13 de setembro de 1983. O crime foi investigado pela polícia federal e até hoje sua autoria permanece um mistério. A bomba de fabricação caseira demoliu a sala onde ficavam guardados os jornais antigos, a cozinha da casa onde funcionava a redação do Jornal e uma parte do escritório de Djalma Juarez Magalhães. Como o atentado aconteceu por volta de duas da manhã não houve vítimas, exceto um sabiá cuja gaiola ficava na cozinha e não resistiu aos ferimentos.
A explosão foi bastante noticiada, sobretudo por sua violência que rachou o asfalto em frente a casa onde funcionava a redação do jornal na rua Graciano Neves, centro de Vitória, e estilhaçou vidros de janelas de casas do entorno e de prédios até o oitavo andar. Embora hoje possa parecer estranho, atentados do gênero não eram incomuns na época. Em 1981 a mesma coisa já tinha acontecido com o arquivo do jornal A Tribuna e da mesma maneira nada haveria de ser apurado pelas autoridades competentes.
Perplexo o editor do Jornal da Cidade, Djalma Juarez Magalhães, disse não saber a quem imputar o atentado, mas não excluiu na ocasião o presidente do Banestes, Carlos Guilherme Lima, dado atritos causados por críticas e denúncias feitas à sua administração. Na reportagem de A Gazeta o escritor explica que: “enviamos documentos para os serviços de segurança, tanto na esfera estadual quanto federal, onde damos ciência das tentativas de agressões que temos sido vítimas por parte dele.”
Muito antes de ser largamente denunciado como um dos principais integrantes do crime organizado capixaba, as declarações do então presidente do Banco do Estado do Espírito Santo – publicadas na mesma página de A Gazeta - soam como fina ironia: “Não conheço, nunca li esse jornal, tomei conhecimento de sua existência hoje pelo noticiário local, estou trabalhando com a preocupação de dar lucros ao Banestes. Sou contra qualquer tipo de violência, descarto meu envolvimento nesse atentado.”
Afirmar que não conhecia o Jornal da Cidade e, especialmente, Maria Nilce na Vitória daquela época era uma provocação muito maior do que dizer, como foi posteriormente, que a briga que havia com o banco era porque a jornalista estava tentando coagir o presidente a conceder anúncios e assinaturas para o jornal, coisa que alguns acreditam e afirmam até hoje.
Sem conseguir manter a pose por muito tempo, o “empresário” passou a alternar o discurso de funcionário padrão com agressão verbal: “Soube serem os proprietários do jornal gente vigarista e que poderia praticar esse vandalismo para tirar proveito próprio. Sou uma pessoa trabalhando para o Espírito Santo e tenho maiores afinidades com a situação econômico-financeira do Banestes, de bombas não entendo nada.”
Após mais de vinte anos as autoridades federais chegaram à conclusão de que as pioneiras denúncias do Jornal da Cidade podiam mesmo ter um fundo de verdade, basta ver o breve panorama fornecido pela reportagem abaixo publicada em 13 de dezembro de 2002 no site http://notícias.terra.com.br:
“A Justiça Federal determinou hoje o afastamento da diretoria do Banco do Estado do Espírito Santo. A decisão é para evitar o desaparecimento de provas ligadas ao processo do empresário Carlos Guilherme Lima, preso ontem em Vitória. Há suspeita de administração fraudulenta na direção do banco e desvio de dinheiro público em benefício do empresário. Acusado de vários crimes, como desvio e lavagem de dinheiro, fraude em licitações públicas, formação de quadrilha, desvio de recursos federais e ocultação de bens, entre outros, o megaempresário Carlos Guilherme Lima foi preso hoje pela missão especial que investiga as atividades do crime organizado no Espírito Santo. A prisão preventiva foi decretada pela Justiça federal por entender que, em liberdade, ele representava um sério risco à sociedade.”
Quando do assassinato de Maria Nilce a redação do Jornal da Cidade funcionava numa loja na Avenida Cezar Hilal e lá ficavam guardados “os jornais antigos”, como eram trivialmente chamados pelos próprios funcionários. O então invisível crime organizado era tido por “certos segmentos” como “invenção de algumas pessoas de esquerda” e nos tristes - política e socialmente falando - anos noventa seus principais atores reinariam absolutos sendo apontado em investigações o ex-deputado José Carlos Gratz como principal figura pública, ainda que outros indivíduos fossem eventualmente citados como os verdadeiros comandantes.
Após a inevitável derrocada do Jornal da Cidade em 1992 todo o acervo de jornais que estava arquivado em sua redação foi doado à Biblioteca Pública Estadual. Nada mais natural que o principal repositório de informações do Estado cuidasse e zelasse pela preservação do periódico que, inclusive, era fonte de pistas para a investigação da morte de Maria Nilce, afinal, em suas últimas colunas vinham sendo publicadas notas anunciando denúncias escabrosas contra poderosos antigos desafetos.
Numa decisão ainda nebulosa, tomada por alguém da própria biblioteca, em algum lugar entre o final de 2005 e o momento presente o único acervo do Jornal da Cidade de que se tinha notícia foi “descartado”. A antiga diretora da instituição Rita Cássia Maia foi interpelada por meio de uma mensagem eletrônica encaminhada também para várias autoridades e jornalistas e não deu qualquer resposta. Explicado seria que a mesma fora exonerada naquele dia - há algumas semanas - e, em seu silêncio, parece ter optado por deixar o abacaxi para a sucessora descascar.
Apesar de ser funcionária antiga da Biblioteca Estadual a bibliotecária Nadia Alcure estava trabalhando a alguns anos na Faculdade de Música e quando voltou não conseguiu mais encontrar o acervo do Jornal da Cidade, a única coisa que disse poder afirmar a essa reportagem foi: “eu não estava aqui, infelizmente não sei o que aconteceu”. Denise, a bibliotecária responsável pelo setor de Hemeroteca, que cuida da organização de periódicos e revistas, disse lembrar do acervo, mas que por trabalhar no andar de cima, simplesmente não faz idéia de como pode ter desaparecido todo o Jornal da Cidade.
É provável, mas não comprovado, que o “descarte” do acervo do jornal tenha acontecido durante o período de reforma da Biblioteca Pública Estadual, quando, em função de modernizações e mudanças no espaço, muita coisa foi jogada fora como velharia. Enquanto edições antigas do Diário Oficial foram acolhidas pelo DIO, outras como de A Gazeta foram microfilmadas, o que nos leva a perguntar: por que essa preocupação em preservar um jornal já bem documentado pela própria empresa e jogar no lixo coleções únicas?
Talvez não tenha nada a ver, mas pode ser que isso venha um pouco do desprezo urdido e muito bem difundido pelos inimigos de Maria Nilce por tudo o que dissesse respeito a seu trabalho e à sua pessoa. A jornalista, após sua morte, só foi lembrada na mídia pelas polêmicas e por seu covarde assassinato. Poucos foram os que ousaram vir a público para defender ou fornecer uma visão pelo menos imparcial da trajetória de Maria como foi o caso de Carlos Benevides, Pedro Maia e Marcus machado, entre outros. Para denegrir não dá pra citar aqui, a lista seria grande demais.
Algumas pessoas que a própria Maria considerava como “amigos” estranhamente passaram a negar a ligação - talvez por medo, talvez por interesses financeiros - passando até a atacar publicamente a jornalista, difundindo a idéia - que persiste até hoje - de que: Maria Nilce falava demais, morreu porque provocou, procurou. Criminalizando a vítima, denegrindo sua memória e humilhando seus familiares e verdadeiros amigos. Foi o caso da imperdoável charge feita por Milson Henriques e publicada em A Gazeta no dia 12 de julho de 1989, uma semana após o crime.
Para quem não se lembra, Maria Nilce foi morta dentro de um ônibus tentando fugir de um dos dois pistoleiros que perpetraram sua morte na manhã de 05 de julho de 1989. Na charge vemos uma mulher passando a roleta de um ônibus vestindo uma camiseta com várias frases que, como no caso do ex-presidente do Banestes, oscilavam entre “pacifistas” e simplesmente rancorosas, especialmente a última: “Cuidado! Tudo na vida é troco. Você recebe o que dá.”
Este texto tem o intuito de denunciar e de divulgar publicamente mais um crime cometido contra o patrimônio histórico do Espírito Santo e de externar toda a indignação dos familiares de Maria Nilce e Djalma Juarez Magalhães e dos herdeiros de seus inúmeros colaboradores, muitos destes já falecidos, cujos textos diários agora sabemos perdidos para sempre. Seja lá o que aconteceu com o acervo do Jornal da Cidade - tenho agora poucas esperanças de voltar a ter notícias deste - espero apenas obter um dia uma justificativa plausível por parte do Secretário de Estado da Cultura e da direção da Biblioteca Estadual do Estado do Espírito Santo.
Oito meses e alguma turbulência (Marco Aurélio Nogueira)
Há bons motivos para avaliarmos positivamente os primeiros meses do governo Dilma Rousseff, sobretudo se se considerarem as reais possibilidades de atuação com que contou. Empurrado e legitimado pelas urnas de 2010, ele se iniciou num momento em que o País estava com a moeda estabilizada, reduzindo a miséria e expandindo o mercado interno, graças à ampliação do crédito popular, aos programas de transferência de renda e à recuperação do emprego. Encontrou, portanto, uma sociedade animada pelos mecanismos consumistas típicos da modernidade atual, ou seja, uma sociedade menos solidária e mais competitiva, que extrai desta sua nova condição o oxigênio necessário para se relacionar de outro modo com o Estado. É uma sociedade que continua pedindo garantias, direitos e proteção, mas também aprofunda sua inserção nas trilhas da despolitização e passa a ver o mundo em termos mais mercantis, aliviando parcialmente a pressão sobre o Estado.
A face política e administrativa do Estado, por sua vez, se não corrigiu por inteiro seus problemas crônicos (ineficiência, inchaço, custo elevado, despreparo), também não piorou. A representação continuou como sempre, com uma classe política que deixa a desejar. A administração permaneceu contagiada pela dinâmica gerencial que se vem afirmando desde a reforma de 1994. Além do mais, está hoje submetida a um maior grau de fiscalização por parte da opinião pública, fato que a torna mais transparente e mais passível de controle. A corrupção não cresceu, mas sua percepção aumentou, o que faz com que denúncias se sucedam e o combate a ela passe a fazer parte da agenda pública e da agenda governamental.
Não é por outro motivo que os oito meses iniciais do novo governo foram vividos sob o signo da instabilidade ministerial. A fraqueza da equipe é flagrante. Ministros saíram por motivos relacionados a desvios de conduta ou a inabilidade. O Ministério não parece funcionar.
Parte dessa instabilidade se vincula à herança recebida por Dilma, que está longe de ser uma "herança maldita", como se ouve dizer em alguns ambientes. De qualquer modo, é um fardo. Aquilo que beneficiou a então candidata nas eleições de 2010 - o apoio de Lula, as realizações governamentais, as alianças feitas com o intuito de fornecer "governabilidade", a base parlamentar -, tudo isso, de repente, parece voltar-se contra o novo governo, dificultando sua arrumação. Afinal, cada presidente precisa imprimir sua própria marca ao governo que dirigirá, e nesse terreno não pode haver simples transferência de esquemas ou continuidade passiva, por mais que Dilma e Lula sejam carne da mesma carne e integrem o mesmo partido.
Não deveria estranhar, portanto, a existência de certos "ajustes de contas" entre os apoiadores do novo governo ou mesmo entre alas do PT. Nos primeiros oito meses esses ajustes foram tão intensos e eloquentes que ofuscaram planos e programas de ação do governo. O quadro acabou por ensejar certa confusão. O Brasil sem Miséria, por exemplo, complementa ou compete com o Bolsa-Família, é uma sua requalificação ou representa a abertura de outra frente de batalha, com distinta lógica e distintos protagonistas?
O legado dos oito anos de Lula não deu trégua aos oito meses de Dilma. Não poderia ter sido diferente. O período Lula imprimiu uma inflexão na vida nacional, seja pelo choque simbólico derivado da biografia de Lula e de seus traços carismáticos, seja pelas novas alianças que produziu, especialmente as que levaram a uma espécie de pacto informal entre o trabalho e o grande capital, seja, enfim, por sua própria agenda pessoal. Não deve ser fácil governar com a sombra de uma liderança popular que se recusa a sair de cena e espera o momento certo para retornar ao palácio. O esforço para se livrar dessa sombra ou, ao menos, neutralizá-la deve ter consumido boas horas de sono no Palácio do Planalto.
Muita gente acreditou que poderia pautar o governo com a ideia de "limpeza ética". A presidente reagiu à altura, e não sem razão. A meta de seu governo, disse, não é fazer "faxina" em ministérios suspeitos de corrupção, mas "fazer o País crescer e combater a pobreza". Há quem pense que o combate à corrupção deveria ocupar o centro da ação governamental, como se só pudesse haver bom governo depois que todos os corruptos fossem presos. Alguns se esquecem de olhar para o próprio quintal e outros imaginam que o governo é a fonte geradora de tudo o que há de errado no País. Falta bom senso por aí.
Uma coisa é combater a corrupção, outra é transformá-la na razão de ser da ação governamental. No primeiro caso, faz-se uma luta política cotidiana que não paralisa o governo. No segundo, o combate é moralista e "espetacular", atrapalhando a ação governamental. Achar corruptos é fácil, governar bem, difícil. Uma coisa não explica a outra. Um governo não é bom só porque combate a corrupção e não é mau só porque mantém prudência na luta contra ela. Como tudo na vida, virtus in medio est.
O equilíbrio demonstrado até agora pelo governo tem sido seu melhor alimento. A situação não lhe é totalmente favorável, há ventos soprando forte pelos lados da economia, a maioria parlamentar não é confiável e falta ao governo maior poder de articulação, seja em seu próprio interior e no âmbito das relações com os demais poderes, seja junto à opinião pública e à sociedade civil. O barco conta com uma timoneira tecnicamente qualificada e disposta a liderar o período governamental que terá pela frente. Sua densidade política, porém, ainda é baixa e ela dispõe de poucas bases próprias. Trata-se de uma situação que talvez nos ajude a entender as razões que mantiveram o governo enredado num matagal de pequenas questões.
O momento é de atenção. Tanto porque as águas em que navega são turbulentas quanto porque amigos, inimigos e adversários estão à espreita, prontos para subir ao palco.
Professor titular de teoria política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
A face política e administrativa do Estado, por sua vez, se não corrigiu por inteiro seus problemas crônicos (ineficiência, inchaço, custo elevado, despreparo), também não piorou. A representação continuou como sempre, com uma classe política que deixa a desejar. A administração permaneceu contagiada pela dinâmica gerencial que se vem afirmando desde a reforma de 1994. Além do mais, está hoje submetida a um maior grau de fiscalização por parte da opinião pública, fato que a torna mais transparente e mais passível de controle. A corrupção não cresceu, mas sua percepção aumentou, o que faz com que denúncias se sucedam e o combate a ela passe a fazer parte da agenda pública e da agenda governamental.
Não é por outro motivo que os oito meses iniciais do novo governo foram vividos sob o signo da instabilidade ministerial. A fraqueza da equipe é flagrante. Ministros saíram por motivos relacionados a desvios de conduta ou a inabilidade. O Ministério não parece funcionar.
Parte dessa instabilidade se vincula à herança recebida por Dilma, que está longe de ser uma "herança maldita", como se ouve dizer em alguns ambientes. De qualquer modo, é um fardo. Aquilo que beneficiou a então candidata nas eleições de 2010 - o apoio de Lula, as realizações governamentais, as alianças feitas com o intuito de fornecer "governabilidade", a base parlamentar -, tudo isso, de repente, parece voltar-se contra o novo governo, dificultando sua arrumação. Afinal, cada presidente precisa imprimir sua própria marca ao governo que dirigirá, e nesse terreno não pode haver simples transferência de esquemas ou continuidade passiva, por mais que Dilma e Lula sejam carne da mesma carne e integrem o mesmo partido.
Não deveria estranhar, portanto, a existência de certos "ajustes de contas" entre os apoiadores do novo governo ou mesmo entre alas do PT. Nos primeiros oito meses esses ajustes foram tão intensos e eloquentes que ofuscaram planos e programas de ação do governo. O quadro acabou por ensejar certa confusão. O Brasil sem Miséria, por exemplo, complementa ou compete com o Bolsa-Família, é uma sua requalificação ou representa a abertura de outra frente de batalha, com distinta lógica e distintos protagonistas?
O legado dos oito anos de Lula não deu trégua aos oito meses de Dilma. Não poderia ter sido diferente. O período Lula imprimiu uma inflexão na vida nacional, seja pelo choque simbólico derivado da biografia de Lula e de seus traços carismáticos, seja pelas novas alianças que produziu, especialmente as que levaram a uma espécie de pacto informal entre o trabalho e o grande capital, seja, enfim, por sua própria agenda pessoal. Não deve ser fácil governar com a sombra de uma liderança popular que se recusa a sair de cena e espera o momento certo para retornar ao palácio. O esforço para se livrar dessa sombra ou, ao menos, neutralizá-la deve ter consumido boas horas de sono no Palácio do Planalto.
Muita gente acreditou que poderia pautar o governo com a ideia de "limpeza ética". A presidente reagiu à altura, e não sem razão. A meta de seu governo, disse, não é fazer "faxina" em ministérios suspeitos de corrupção, mas "fazer o País crescer e combater a pobreza". Há quem pense que o combate à corrupção deveria ocupar o centro da ação governamental, como se só pudesse haver bom governo depois que todos os corruptos fossem presos. Alguns se esquecem de olhar para o próprio quintal e outros imaginam que o governo é a fonte geradora de tudo o que há de errado no País. Falta bom senso por aí.
Uma coisa é combater a corrupção, outra é transformá-la na razão de ser da ação governamental. No primeiro caso, faz-se uma luta política cotidiana que não paralisa o governo. No segundo, o combate é moralista e "espetacular", atrapalhando a ação governamental. Achar corruptos é fácil, governar bem, difícil. Uma coisa não explica a outra. Um governo não é bom só porque combate a corrupção e não é mau só porque mantém prudência na luta contra ela. Como tudo na vida, virtus in medio est.
O equilíbrio demonstrado até agora pelo governo tem sido seu melhor alimento. A situação não lhe é totalmente favorável, há ventos soprando forte pelos lados da economia, a maioria parlamentar não é confiável e falta ao governo maior poder de articulação, seja em seu próprio interior e no âmbito das relações com os demais poderes, seja junto à opinião pública e à sociedade civil. O barco conta com uma timoneira tecnicamente qualificada e disposta a liderar o período governamental que terá pela frente. Sua densidade política, porém, ainda é baixa e ela dispõe de poucas bases próprias. Trata-se de uma situação que talvez nos ajude a entender as razões que mantiveram o governo enredado num matagal de pequenas questões.
O momento é de atenção. Tanto porque as águas em que navega são turbulentas quanto porque amigos, inimigos e adversários estão à espreita, prontos para subir ao palco.
Professor titular de teoria política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
“Os Infiltrados” e Dilma Rousseff
Na sua passagem mais recente por Salvador, para rever a cidade - que anda meio perdida em labirintos de modernices e descontrolada sanha imobiliária - além de reencontrar amigos de antigos carnavais baianos que ela cultivou no Rio Grande do Sul em tempos temerários -, a arquiteta gaúcha Helga Corrêa me trouxe de presente um desses livros cada vez mais raros de encontrar em estantes de livrarias baianas: "Os Infiltrados".
O livro de apenas 126 páginas é uma construção de jornalistas profissionais produzida por Carlos Etchichury, Carlos Wagner, Humberto Trezi e Nilson Mariano. Inspirado na série publicada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no verão de 2010, "Os Infiltrados" pode e deve ser lido neste inverno confuso da política brasileira, em 2011, por vários motivos.
Entre eles o prazer despertado pelos bons textos e as surpresas de cada página recheada do melhor jornalismo investigativo. Produto cada vez mais raro na época das operações tipo “prato feito” da Polícia Federal no estilo atirar (ou algemar) primeiro e perguntar depois, dos filmes de caubói americano.
Um exemplo é o capítulo no qual Dilma Rousseff - a presidente do Brasil posta esta semana no terceiro lugar do ranking das 100 mulheres mais poderosas do mundo da revista Forbes - vivia como militante de esquerda na capital gaúcha.
Com o subtítulo "eles eram os olhos e ouvidos da ditadura", o livro tem como ponto de partida "uma foto embolorada" de arquivo de jornal, caída por acaso nas mãos do premiado repórter Carlos Wagner, quando ele produzia reportagem sobre Trabalhadores Sem Terra (MST).
A imagem mostrava homens de chapéu de palha e sandálias de couro curtido acampados em um parque público “como se agricultores fossem, sorvendo mate à sombra de uma árvore”. Na vida real, como dizem os baianos, eram policiais em campana, disfarçados de trabalhadores rurais na linha de frente dos chamados conflitos de terra na virada dos anos 1970 para 80, no Rio Grande do Sul, berço da luta pela reforma agrária.
O resultado decorre do faro jornalístico, instinto investigativo, garra e competência profissional de repórteres especiais que se reuniram para apurar fatos escondidos a sete chaves em arquivos e porões poeirentos.
“O cheiro da foto deu impulso à idéia de revelar pela primeira vez a face dos espiões da ditadura militar que assombrou o Brasil”, assinala Ricardo Stefanelli na apresentação do livro que reli ainda mais atentamente e surpreso esta semana de tumultos e dúvidas em Brasília e em vários estados do País, incluindo a Bahia.
Na verdade, o livro desvenda a trajetória do "agente policial infiltrado", um personagem indispensável à sustentação da ditadura militar de 64 a 85 no Brasil (e de tantos outros regimes repressivos e prepotentes na América Latina no mesmo período, e em outros países do mundo atualmente).
“Vinte e cinco anos depois de cumprida a missão secreta, eles rompem o silêncio a que foram obrigados, pela profissão, para contar como se introduziram nos movimentos de resistência ao regime autoritário. Pela primeira vez os espiões revelam como se transformaram em clones daqueles a quem deviam vigiar e sabotar, como estudantes, guerrilheiros, colonos sem terra, políticos, religiosos e sindicalistas".
"São relatos exclusivos que agora (o livro saiu ano passado) se incorporam à História do Brasil”, destacam os editores gaúchos da obra. Um desses episódios está relatado em “Os Infiltrados” no capítulo intitulado “Olhos treinados vigiavam Dilma e Prestes”. Fala do período em que a volta dos exilado políticos ao País ainda era uma miragem, mas os espiões da ditadura não largavam o calcanhar dos perseguidos políticos, de Montevidéu a Paris.
Uma noite em 1979 na capital francesa, por exemplo, um público, formado por muitos banidos e jornalistas, assistiu a uma palestra. Ao microfone um dos mais famosos perseguidos pela ditadura militar, Luis Carlos Prestes, dirigente máximo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o primeiro da lista de cassados pelo regime militar de 1964.
O que ninguém sabia é que, dias depois da palestra em Paris, uma foto do evento chegaria às mãos do capitão Sílvio Carriço Ribeiro. Oficial da Brigada Militar, ele não usava farda. Trabalhava em roupas civis, a serviço do Departamento Central de Informações (DCI), o núcleo de operações secretas da Secretária de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.
“Como a foto foi parar lá?”, perguntam aos autores no livro.
A resposta é dada em “Os Infiltrados” pelo próprio Ribeiro, hoje com 70 anos e aposentado, que abre o jogo no livro. Ele não tem certeza de quem a enviou. Sabe apenas que desde Paris “alguém avisou a comunidade de informação - como gostam de ser chamados os policiais que atuavam para o regime militar - da reunião de comunistas brasileiros”.
Aponta, também, que a foto pode ter sido obtida em uma das inúmeras vezes em que a polícia política deu batidas e fez buscas no Coojornal, veículo ao qual Prestes deu entrevista exclusiva pouco antes de retornar ao Brasil, depois de 15 anos de exílio. O fato, revela o livro, é que a fotografia está numa pasta guardada com carinho por Ribeiro.
Entre os vigiados da mesma operação estava a atual presidente da República, a terceira mulher mais poderosa do mundo, segundo a revista americana, que na época assinava Dilma Linhares. Ela morava então com o advogado Carlos Araújo, militante brizolista, numa bonita residência da Vila Assunção, à beira do Guaíba. “Ribeiro e uma policial vigiaram o casal, fazendo-se passar por namorados numa praça contígua à casa de Araújo”.
E mais não digo para não bater com a língua nos dentes e quebrar outras surpresas de quem ainda não leu o livro dos jornalistas gaúchos. Só digo e garanto, antes do ponto final: “Os Infiltrados” é leitura mais que recomendada nestes dias da política e do governo no Brasil.
E na passagem dos 50 anos da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel de Moura Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que através de uma cadeia nacional de emissora de rádio, a partir de Porto Alegre, comandou a mobilização que empolgou o País. Confira.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail:vitor_soares1@terra.com.br
O livro de apenas 126 páginas é uma construção de jornalistas profissionais produzida por Carlos Etchichury, Carlos Wagner, Humberto Trezi e Nilson Mariano. Inspirado na série publicada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, no verão de 2010, "Os Infiltrados" pode e deve ser lido neste inverno confuso da política brasileira, em 2011, por vários motivos.
Entre eles o prazer despertado pelos bons textos e as surpresas de cada página recheada do melhor jornalismo investigativo. Produto cada vez mais raro na época das operações tipo “prato feito” da Polícia Federal no estilo atirar (ou algemar) primeiro e perguntar depois, dos filmes de caubói americano.
Um exemplo é o capítulo no qual Dilma Rousseff - a presidente do Brasil posta esta semana no terceiro lugar do ranking das 100 mulheres mais poderosas do mundo da revista Forbes - vivia como militante de esquerda na capital gaúcha.
Com o subtítulo "eles eram os olhos e ouvidos da ditadura", o livro tem como ponto de partida "uma foto embolorada" de arquivo de jornal, caída por acaso nas mãos do premiado repórter Carlos Wagner, quando ele produzia reportagem sobre Trabalhadores Sem Terra (MST).
A imagem mostrava homens de chapéu de palha e sandálias de couro curtido acampados em um parque público “como se agricultores fossem, sorvendo mate à sombra de uma árvore”. Na vida real, como dizem os baianos, eram policiais em campana, disfarçados de trabalhadores rurais na linha de frente dos chamados conflitos de terra na virada dos anos 1970 para 80, no Rio Grande do Sul, berço da luta pela reforma agrária.
O resultado decorre do faro jornalístico, instinto investigativo, garra e competência profissional de repórteres especiais que se reuniram para apurar fatos escondidos a sete chaves em arquivos e porões poeirentos.
“O cheiro da foto deu impulso à idéia de revelar pela primeira vez a face dos espiões da ditadura militar que assombrou o Brasil”, assinala Ricardo Stefanelli na apresentação do livro que reli ainda mais atentamente e surpreso esta semana de tumultos e dúvidas em Brasília e em vários estados do País, incluindo a Bahia.
Na verdade, o livro desvenda a trajetória do "agente policial infiltrado", um personagem indispensável à sustentação da ditadura militar de 64 a 85 no Brasil (e de tantos outros regimes repressivos e prepotentes na América Latina no mesmo período, e em outros países do mundo atualmente).
“Vinte e cinco anos depois de cumprida a missão secreta, eles rompem o silêncio a que foram obrigados, pela profissão, para contar como se introduziram nos movimentos de resistência ao regime autoritário. Pela primeira vez os espiões revelam como se transformaram em clones daqueles a quem deviam vigiar e sabotar, como estudantes, guerrilheiros, colonos sem terra, políticos, religiosos e sindicalistas".
"São relatos exclusivos que agora (o livro saiu ano passado) se incorporam à História do Brasil”, destacam os editores gaúchos da obra. Um desses episódios está relatado em “Os Infiltrados” no capítulo intitulado “Olhos treinados vigiavam Dilma e Prestes”. Fala do período em que a volta dos exilado políticos ao País ainda era uma miragem, mas os espiões da ditadura não largavam o calcanhar dos perseguidos políticos, de Montevidéu a Paris.
Uma noite em 1979 na capital francesa, por exemplo, um público, formado por muitos banidos e jornalistas, assistiu a uma palestra. Ao microfone um dos mais famosos perseguidos pela ditadura militar, Luis Carlos Prestes, dirigente máximo do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o primeiro da lista de cassados pelo regime militar de 1964.
O que ninguém sabia é que, dias depois da palestra em Paris, uma foto do evento chegaria às mãos do capitão Sílvio Carriço Ribeiro. Oficial da Brigada Militar, ele não usava farda. Trabalhava em roupas civis, a serviço do Departamento Central de Informações (DCI), o núcleo de operações secretas da Secretária de Segurança Pública do Rio Grande do Sul.
“Como a foto foi parar lá?”, perguntam aos autores no livro.
A resposta é dada em “Os Infiltrados” pelo próprio Ribeiro, hoje com 70 anos e aposentado, que abre o jogo no livro. Ele não tem certeza de quem a enviou. Sabe apenas que desde Paris “alguém avisou a comunidade de informação - como gostam de ser chamados os policiais que atuavam para o regime militar - da reunião de comunistas brasileiros”.
Aponta, também, que a foto pode ter sido obtida em uma das inúmeras vezes em que a polícia política deu batidas e fez buscas no Coojornal, veículo ao qual Prestes deu entrevista exclusiva pouco antes de retornar ao Brasil, depois de 15 anos de exílio. O fato, revela o livro, é que a fotografia está numa pasta guardada com carinho por Ribeiro.
Entre os vigiados da mesma operação estava a atual presidente da República, a terceira mulher mais poderosa do mundo, segundo a revista americana, que na época assinava Dilma Linhares. Ela morava então com o advogado Carlos Araújo, militante brizolista, numa bonita residência da Vila Assunção, à beira do Guaíba. “Ribeiro e uma policial vigiaram o casal, fazendo-se passar por namorados numa praça contígua à casa de Araújo”.
E mais não digo para não bater com a língua nos dentes e quebrar outras surpresas de quem ainda não leu o livro dos jornalistas gaúchos. Só digo e garanto, antes do ponto final: “Os Infiltrados” é leitura mais que recomendada nestes dias da política e do governo no Brasil.
E na passagem dos 50 anos da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel de Moura Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, que através de uma cadeia nacional de emissora de rádio, a partir de Porto Alegre, comandou a mobilização que empolgou o País. Confira.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail:vitor_soares1@terra.com.br
Quando o passado deixa de iluminar o futuro (Luiz Vianna Werneck)
Não foram poucas as vezes em que a obra de Marx e a herança do seu pensamento foram declaradas como peremptas e anacrônicas, não sendo capazes de explicar a natureza do nosso tempo. A queda do Muro de Berlim significaria a demonstração fática de que o augúrio de tantos afinal encontrava a sua confirmação: na melhor das possibilidades, Marx seria um pensador prisioneiro das circunstâncias do século 19 e da filosofia da história de Hegel, com a qual, apesar dos seus esforços, jamais teria conseguido romper.
Sobretudo estaria por terra o princípio que, na sua teoria do materialismo histórico, assentava o primado da instância econômica na determinação da vida social, cujo desenvolvimento o levou a seus estudos sobre o capitalismo em sua obra maior, O Capital, quando identificou o processo de subsunção da economia real ao sistema financeiro como o foco de crises especulativas que o ameaçariam persistentemente de colapso.
Estamos bem longe da queda do Muro e, apesar do diagnóstico, ora vencedor, que condenou Marx ao anacronismo, desde o setembro negro de 2008 o mundo parece estar fora dos seus eixos, vítima dos mecanismos da intermediação financeira, pondo em xeque hegemonias, moedas, conquistas sociais e políticas. Este pós-2008 é diverso dos acontecimentos dos idos de maio de 1968, pois, em vez de gravitar em torno de valores culturais, trata-se de uma crise que, sem deixar de incluí-los, tem o seu epicentro na natureza do sistema capitalista e nas dificuldades que enfrenta para a sua reprodução ampliada. O seu tema dominante não é o dos libertários que, em 1968, bradavam que "é proibido proibir", e o papel dos seus filósofos de ontem tem encontrado o seu equivalente funcional nos economistas de hoje e nos comentaristas versados na crítica da sociabilidade. A matéria é outra: é econômica, falta de emprego e de oportunidades de vida.
Não há observador qualificado da cena contemporânea que se recuse à hipótese de que estamos diante de uma mudança epocal. O capitalismo, mais uma vez, poderá sair renovado da crise atual, mas o preço da sua reprodução parece exigir algo bem além de uma retomada do experimento keynesiano. Os custos de uma saída para os ciclos depressivos se tornam cada vez mais pesados, e já importam a necessidade de uma inédita ordenação do sistema financeiro em escala mundial, com a efetivação de mecanismos de cooperação internacional que a todos obrigue. Estamos longe dos tempos de Hegel, quando se podia conceber a transferência da tocha da civilização de um Estado para outro, e, definitivamente, a China não parece ser o lugar mais adequado para o seu novo endereço.
Aqui, do extremo Ocidente onde nos situamos, e do alto da nossa História bem-sucedida, com seus valores de paz, de comunidade, que, bem ou mal, tem resistido aos avanços da mercantilização da vida social, muito particularmente pela convivência que se soube criar entre diferentes etnias e religiões, todas protegidas constitucionalmente, e pelo fato capital dos nossos êxitos no processo de modernização, estamos dotados de condições para o exercício de voz nos desafios ora presentes no mundo.
Nossas credenciais têm, portanto, um duplo registro: o das ideias e o dos interesses. E o que ainda nos falta é um projeto de nação que se afirme de baixo para cima, rompendo com décadas de modernização pelas vias do pragmatismo, de Vargas a Lula, passando por JK e pelo regime militar, sempre em busca de ajustamento ao mundo. A linguagem da modernização foi e segue sendo a da economia, tudo o mais devendo ceder lugar a ela e aos imperativos de luta contra o tempo na superação do atraso de suas forças produtivas. O desenvolvimento político e social seria sucedâneo do sucesso no front econômico, com que se justificava uma política de tutela das associações dos trabalhadores e o autoritarismo político que confiava às elites na chefia do Estado a missão de nos conduzir, com o pé no acelerador, a novos patamares de acumulação.
A nova época que se abre diante de nós, se imediatamente promete ser de escassez e de destruição criadora de ativos, como dizem os economistas, também pode ser a da oportunidade para a política e para a reconstituição do tecido social, esgarçado depois de décadas de exposição nua aos automatismos do mercado. O tempo é de riscos e de novos rumos. Como disse um grande autor, na História de um povo há momentos em que o passado deixa de iluminar o futuro, como agora, em que a tradição do nosso processo de modernização não nos serve para o enfrentamento da crise atual, que está a exigir um novo repertório, uma vez que o antigo, que nos levaria a uma tentativa de fuga solitária, nos pode excluir ou subalternizar a nossa presença nos fóruns de cooperação internacional de onde deve sair uma nova engenharia para a operação da economia-mundo.
Tal repertório é o do moderno, estimulada a autonomia dos seres sociais e o adensamento da sua participação na esfera pública, especialmente os de origem subalterna, com uma radical desprivatização do Estado, lugar do interesse público e da universalização de direitos, e da afirmação, inclusive no cenário internacional, da democracia como um valor universal. Ainda imersos em trevas, como na metáfora de Tocqueville, o autor há pouco citado, aqui e ali se distinguem riscas de luz, tênues, é verdade, como na liberação de poderes públicos capturados, por meio de uma intermediação política não republicana, por interesses privados, e no encontro, em São Paulo, da presidente Dilma com líderes e importantes personalidades da oposição.
Aí podem estar sinais de que a estratégia da presidente estaria considerando a possibilidade de fazer frente à crise com a política do moderno.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador PUC-Rio.
Sobretudo estaria por terra o princípio que, na sua teoria do materialismo histórico, assentava o primado da instância econômica na determinação da vida social, cujo desenvolvimento o levou a seus estudos sobre o capitalismo em sua obra maior, O Capital, quando identificou o processo de subsunção da economia real ao sistema financeiro como o foco de crises especulativas que o ameaçariam persistentemente de colapso.
Estamos bem longe da queda do Muro e, apesar do diagnóstico, ora vencedor, que condenou Marx ao anacronismo, desde o setembro negro de 2008 o mundo parece estar fora dos seus eixos, vítima dos mecanismos da intermediação financeira, pondo em xeque hegemonias, moedas, conquistas sociais e políticas. Este pós-2008 é diverso dos acontecimentos dos idos de maio de 1968, pois, em vez de gravitar em torno de valores culturais, trata-se de uma crise que, sem deixar de incluí-los, tem o seu epicentro na natureza do sistema capitalista e nas dificuldades que enfrenta para a sua reprodução ampliada. O seu tema dominante não é o dos libertários que, em 1968, bradavam que "é proibido proibir", e o papel dos seus filósofos de ontem tem encontrado o seu equivalente funcional nos economistas de hoje e nos comentaristas versados na crítica da sociabilidade. A matéria é outra: é econômica, falta de emprego e de oportunidades de vida.
Não há observador qualificado da cena contemporânea que se recuse à hipótese de que estamos diante de uma mudança epocal. O capitalismo, mais uma vez, poderá sair renovado da crise atual, mas o preço da sua reprodução parece exigir algo bem além de uma retomada do experimento keynesiano. Os custos de uma saída para os ciclos depressivos se tornam cada vez mais pesados, e já importam a necessidade de uma inédita ordenação do sistema financeiro em escala mundial, com a efetivação de mecanismos de cooperação internacional que a todos obrigue. Estamos longe dos tempos de Hegel, quando se podia conceber a transferência da tocha da civilização de um Estado para outro, e, definitivamente, a China não parece ser o lugar mais adequado para o seu novo endereço.
Aqui, do extremo Ocidente onde nos situamos, e do alto da nossa História bem-sucedida, com seus valores de paz, de comunidade, que, bem ou mal, tem resistido aos avanços da mercantilização da vida social, muito particularmente pela convivência que se soube criar entre diferentes etnias e religiões, todas protegidas constitucionalmente, e pelo fato capital dos nossos êxitos no processo de modernização, estamos dotados de condições para o exercício de voz nos desafios ora presentes no mundo.
Nossas credenciais têm, portanto, um duplo registro: o das ideias e o dos interesses. E o que ainda nos falta é um projeto de nação que se afirme de baixo para cima, rompendo com décadas de modernização pelas vias do pragmatismo, de Vargas a Lula, passando por JK e pelo regime militar, sempre em busca de ajustamento ao mundo. A linguagem da modernização foi e segue sendo a da economia, tudo o mais devendo ceder lugar a ela e aos imperativos de luta contra o tempo na superação do atraso de suas forças produtivas. O desenvolvimento político e social seria sucedâneo do sucesso no front econômico, com que se justificava uma política de tutela das associações dos trabalhadores e o autoritarismo político que confiava às elites na chefia do Estado a missão de nos conduzir, com o pé no acelerador, a novos patamares de acumulação.
A nova época que se abre diante de nós, se imediatamente promete ser de escassez e de destruição criadora de ativos, como dizem os economistas, também pode ser a da oportunidade para a política e para a reconstituição do tecido social, esgarçado depois de décadas de exposição nua aos automatismos do mercado. O tempo é de riscos e de novos rumos. Como disse um grande autor, na História de um povo há momentos em que o passado deixa de iluminar o futuro, como agora, em que a tradição do nosso processo de modernização não nos serve para o enfrentamento da crise atual, que está a exigir um novo repertório, uma vez que o antigo, que nos levaria a uma tentativa de fuga solitária, nos pode excluir ou subalternizar a nossa presença nos fóruns de cooperação internacional de onde deve sair uma nova engenharia para a operação da economia-mundo.
Tal repertório é o do moderno, estimulada a autonomia dos seres sociais e o adensamento da sua participação na esfera pública, especialmente os de origem subalterna, com uma radical desprivatização do Estado, lugar do interesse público e da universalização de direitos, e da afirmação, inclusive no cenário internacional, da democracia como um valor universal. Ainda imersos em trevas, como na metáfora de Tocqueville, o autor há pouco citado, aqui e ali se distinguem riscas de luz, tênues, é verdade, como na liberação de poderes públicos capturados, por meio de uma intermediação política não republicana, por interesses privados, e no encontro, em São Paulo, da presidente Dilma com líderes e importantes personalidades da oposição.
Aí podem estar sinais de que a estratégia da presidente estaria considerando a possibilidade de fazer frente à crise com a política do moderno.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador PUC-Rio.
Corrupção à brasileira (Kenneth Maxwell)
A presidente Dilma Rousseff perdeu quatro ministros.
Suas demissões abalaram o governo. Causaram severo desgaste à coalizão de partidos que apoiam a presidente no Congresso, incomodando políticos, sobretudo no PMDB -que pode bloquear propostas na Câmara- e no PT.
Críticos alegam que uma cultura da corrupção é onipresente no Brasil. Mas também devemos colocar a situação em perspectiva. Como o país se compara, por exemplo, com outros grandes países em desenvolvimento -Rússia, Índia, China e África do Sul?
A Transparência Internacional publicou um índice de percepção de corrupção em 2010, em que o Brasil ocupa o 69º lugar entre 178 países pesquisados. Está melhor que a China, que vem em 78º; a Índia, em 87º; e muito adiante da Rússia, em 157º. A África do Sul está em 50º.
Muitas das alegações sobre corrupção se relacionam a questões como propinas a policiais para ignorar violações de trânsito, caixinha a funcionários do setor de passaportes para apressar o processamento de documentos e comissões pagas por empresários a autoridades e políticos em troca de contratos do governo.
A Transparência Internacional constatou que 45% dos indianos tinham experiência pessoal no pagamento deste último tipo de suborno. O caso de Anna Hazare, 74, líder populista de Nova Déli, mostra o quanto os indianos estão zangados com o relacionamento sórdido e lucrativo que existe entre os políticos e os novos bilionários do país, e a falta de resposta do governo do premiê Manmohan Singh.
Milhares de pessoas se manifestaram em favor da greve de fome realizada por Hazare -inspirada em Gandhi- e contra a sua detenção. Exigem que a corrupção seja tratada como inaceitável.
Na Rússia, onde a corrupção é endêmica, o presidente Medvedev encaminhou um projeto de lei à Câmara Baixa da Duma, o Legislativo russo, que cria multas para os funcionários que aceitem propinas.
Na China, onde a estimativa é de que 18 mil funcionários do governo tenham faturado cerca de US$ 120 bilhões em ganhos indevidos desde 1990, dois vice-prefeitos foram recentemente executados sob acusações de corrupção.
A Transparência Internacional criou um "corruptômetro". Nele, dez representa "corrupção zero" e zero representa "completamente corrupto". O Brasil tem nota 3,7 nesse indicador, ante 2,1 para a Rússia, 3,3 para a Índia e 3,5 para a China.
Dinamarca e Nova Zelândia lideram com 9,3.
A nota do Brasil não está entre as melhores. Mas o país pelo menos tem a vantagem de contar com uma imprensa independente e crítica. Nesse sentido, os dilemas de Dilma são causa de esperança.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO (25 agosto de 2011)
Suas demissões abalaram o governo. Causaram severo desgaste à coalizão de partidos que apoiam a presidente no Congresso, incomodando políticos, sobretudo no PMDB -que pode bloquear propostas na Câmara- e no PT.
Críticos alegam que uma cultura da corrupção é onipresente no Brasil. Mas também devemos colocar a situação em perspectiva. Como o país se compara, por exemplo, com outros grandes países em desenvolvimento -Rússia, Índia, China e África do Sul?
A Transparência Internacional publicou um índice de percepção de corrupção em 2010, em que o Brasil ocupa o 69º lugar entre 178 países pesquisados. Está melhor que a China, que vem em 78º; a Índia, em 87º; e muito adiante da Rússia, em 157º. A África do Sul está em 50º.
Muitas das alegações sobre corrupção se relacionam a questões como propinas a policiais para ignorar violações de trânsito, caixinha a funcionários do setor de passaportes para apressar o processamento de documentos e comissões pagas por empresários a autoridades e políticos em troca de contratos do governo.
A Transparência Internacional constatou que 45% dos indianos tinham experiência pessoal no pagamento deste último tipo de suborno. O caso de Anna Hazare, 74, líder populista de Nova Déli, mostra o quanto os indianos estão zangados com o relacionamento sórdido e lucrativo que existe entre os políticos e os novos bilionários do país, e a falta de resposta do governo do premiê Manmohan Singh.
Milhares de pessoas se manifestaram em favor da greve de fome realizada por Hazare -inspirada em Gandhi- e contra a sua detenção. Exigem que a corrupção seja tratada como inaceitável.
Na Rússia, onde a corrupção é endêmica, o presidente Medvedev encaminhou um projeto de lei à Câmara Baixa da Duma, o Legislativo russo, que cria multas para os funcionários que aceitem propinas.
Na China, onde a estimativa é de que 18 mil funcionários do governo tenham faturado cerca de US$ 120 bilhões em ganhos indevidos desde 1990, dois vice-prefeitos foram recentemente executados sob acusações de corrupção.
A Transparência Internacional criou um "corruptômetro". Nele, dez representa "corrupção zero" e zero representa "completamente corrupto". O Brasil tem nota 3,7 nesse indicador, ante 2,1 para a Rússia, 3,3 para a Índia e 3,5 para a China.
Dinamarca e Nova Zelândia lideram com 9,3.
A nota do Brasil não está entre as melhores. Mas o país pelo menos tem a vantagem de contar com uma imprensa independente e crítica. Nesse sentido, os dilemas de Dilma são causa de esperança.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO (25 agosto de 2011)
50 anos e um falso dilema (José Serra)
Faz hoje 50 anos que Jânio Quadros renunciou à Presidência, sete meses depois da posse. Fora eleito com mais de 48% dos votos e desfrutava grande autoridade e popularidade. Eu soube que ele existia ali pelos 10 anos de idade. Morava na Vila Bertioga, no Alto da Mooca, à época um bairro da periferia de São Paulo: sem rede de esgoto, nem pavimentação e iluminação na maior parte das ruas.
Eu acompanhava algo da política por jornal, rádio e xeretando as conversas dos adultos. Lembro-me de quando dona Rosa, mãe do meu melhor amigo, operária quando solteira, disse sobre a eleição para a Prefeitura de São Paulo: "Esse Jânio é sério, diferente dos políticos". Minha mãe votou nele, cujo rosto só conhecia de um santinho colado no bar da esquina. O tostão contra o milhão! A voz do candidato? Pelo rádio, era estranha, mal-humorada com os políticos, com um sotaque parecido com o do meu professor de Latim.
Vitorioso, JQ virou figura conhecida: magro, despenteado, vasto bigode, estrábico, terno e colarinho amassados, aparência de quem ainda vai tomar banho. Tive a primeira discordância explícita com meu pai, que não votava por ser estrangeiro, mas passou a detestar o novo prefeito: "Esse aí falava contra os ladrões, mas sua Prefeitura cobra "caixinha" no mercado" - ele tinha banca no Mercado Municipal. A discórdia piorou quando Jânio deixou logo a Prefeitura para se candidatar ao governo estadual, com meu "apoio" e o de dona Rosa. E atingiu o ápice quando concorreu a presidente. Dele foi meu primeiro voto. Achava que tinha feito bom governo, operoso e sem escândalos, e apoiara um sucessor melhor: Carvalho Pinto.
Plínio de Arruda Sampaio, auxiliar do novo governador, revelou que, à época, fizeram uma discreta investigação sobre possíveis irregularidades na sua administração e nada encontraram. O padrão dos anos 50 não durou até 1985, ao voltar à Prefeitura. Fez uma gestão que envergonharia o político de 30 anos antes.
Jânio foi o primeiro grande líder popular nacional fora do establishment. Não tinha sido projetado, como Adhemar de Barros, pelo Estado Novo nem fizera carreira, como Juscelino, com políticos e partidos do âmbito varguista. Ao assumir a Presidência, aos 44 anos, era um estranho em Brasília. A renúncia levou-me a participar pela primeira vez de manifestações de rua, mas não por sua volta, e sim pela posse do vice, João Goulart, o Jango. Naquele momento ninguém entendia por que um presidente forte e popular deixara o cargo.
É interessante que o atual debate sobre governabilidade se dê no cinquentenário da renúncia. Jânio lutou pela versão de vítima, segundo a qual sua queda foi resultado da ação de forças "terríveis" (e não "ocultas"), que o teriam impedido de governar.
O depoimento de seu secretário de Imprensa, Carlos Castello Branco, confirmou a hipótese: Jânio não foi forçado à renuncia e a usou como arma para voltar com poderes imperiais. Confirmou também que ele não intentou chefiar uma quartelada - até recusou oferta de seus ministros militares. Passou por sua cabeça emular Charles de Gaulle, que renunciara à chefia do governo francês no após-guerra, em meio aos embates da política parlamentar, e fora chamado para presidir o país, com grandes poderes, em 1959. No Brasil, a História não se repetiu nem como farsa.
Jânio apostou que os comandantes militares jamais aceitariam a posse de Jango, do PTB. O impasse só teria uma saída: a sua volta. Presidente e vice eram eleitos separadamente. Jango dobrara com o general Lott, candidato do PSD. Estava criado o cenário para a instabilidade e a conspiração. JQ até estimulara a chapa "Jan-Jan" - queria alguém de risco na linha de sucessão, na suposição de que as Forças Armadas jamais dariam posse a um varguista.
De fato, os ministros militares rejeitaram Jango, que estava em Cingapura, rumo à China, em missão oficial. Enviaram um pedido de impedimento ao Congresso, que formou uma comissão mista. Veio a Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola (PTB), governador do Rio Grande do Sul. A comissão negou o impedimento e aprovou a solução parlamentarista, articulada pelo PSD. Os militares aceitaram. A manobra de Jânio se frustrara.
A UDN, principal apoio de Jânio, era antigetulista, conservadora, formada em 1945, e sempre batida nas urnas pela aliança getulista PSD-PTB. Jânio fizera uma campanha simbolizada na vassoura do poder para varrer a corrupção em Brasília. "Varre, varre vassourinha..." Isso de faxina é coisa antiga.
O presidente logo se afastou de parte dos que o apoiaram, mas sem formar uma base política consistente, apesar de ter nomeado ministros dos principais partidos da situação e da oposição. A maior novidade foi a "política externa independente", com um certo afastamento dos EUA, em plena guerra fria e no calor da revolução cubana, pela qual Jânio mostrava simpatia. Começou a reatar relações diplomáticas com a União Soviética. Não se menospreze o trauma que isso representava. A violenta reação de Carlos Lacerda, o maior líder da UDN, não tardou. Jânio tinha força para articular uma base majoritária no Congresso. Preferiu o autogolpe. Fracassada a manobra, abriu caminho para a instalação da ditadura em 1964.
Hoje o Brasil é um país institucionalmente muito mais maduro. É impensável as Forças Armadas entrarem no jogo político. E os governantes sabem que não mandam sozinhos. A saga janista constitui um caso para estudo do papel do indivíduo na História. As instituições e a vida dos brasileiros foram profundamente afetadas durante décadas pela decisão desequilibrada de uma só pessoa.
A explicação de JQ para a renúncia enfatizou sempre a contradição até hoje invocada para justificar malfeitos: ou um governo de minoria, instável e incapaz de executar seu programa, ou um governo estável, mas que aceita lotear o aparelho de Estado entre corruptos. Era um falso dilema ontem. É um dilema falso hoje.
Ex-prefeito e ex-governador de São Paulo
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO (25/08/11)
Eu acompanhava algo da política por jornal, rádio e xeretando as conversas dos adultos. Lembro-me de quando dona Rosa, mãe do meu melhor amigo, operária quando solteira, disse sobre a eleição para a Prefeitura de São Paulo: "Esse Jânio é sério, diferente dos políticos". Minha mãe votou nele, cujo rosto só conhecia de um santinho colado no bar da esquina. O tostão contra o milhão! A voz do candidato? Pelo rádio, era estranha, mal-humorada com os políticos, com um sotaque parecido com o do meu professor de Latim.
Vitorioso, JQ virou figura conhecida: magro, despenteado, vasto bigode, estrábico, terno e colarinho amassados, aparência de quem ainda vai tomar banho. Tive a primeira discordância explícita com meu pai, que não votava por ser estrangeiro, mas passou a detestar o novo prefeito: "Esse aí falava contra os ladrões, mas sua Prefeitura cobra "caixinha" no mercado" - ele tinha banca no Mercado Municipal. A discórdia piorou quando Jânio deixou logo a Prefeitura para se candidatar ao governo estadual, com meu "apoio" e o de dona Rosa. E atingiu o ápice quando concorreu a presidente. Dele foi meu primeiro voto. Achava que tinha feito bom governo, operoso e sem escândalos, e apoiara um sucessor melhor: Carvalho Pinto.
Plínio de Arruda Sampaio, auxiliar do novo governador, revelou que, à época, fizeram uma discreta investigação sobre possíveis irregularidades na sua administração e nada encontraram. O padrão dos anos 50 não durou até 1985, ao voltar à Prefeitura. Fez uma gestão que envergonharia o político de 30 anos antes.
Jânio foi o primeiro grande líder popular nacional fora do establishment. Não tinha sido projetado, como Adhemar de Barros, pelo Estado Novo nem fizera carreira, como Juscelino, com políticos e partidos do âmbito varguista. Ao assumir a Presidência, aos 44 anos, era um estranho em Brasília. A renúncia levou-me a participar pela primeira vez de manifestações de rua, mas não por sua volta, e sim pela posse do vice, João Goulart, o Jango. Naquele momento ninguém entendia por que um presidente forte e popular deixara o cargo.
É interessante que o atual debate sobre governabilidade se dê no cinquentenário da renúncia. Jânio lutou pela versão de vítima, segundo a qual sua queda foi resultado da ação de forças "terríveis" (e não "ocultas"), que o teriam impedido de governar.
O depoimento de seu secretário de Imprensa, Carlos Castello Branco, confirmou a hipótese: Jânio não foi forçado à renuncia e a usou como arma para voltar com poderes imperiais. Confirmou também que ele não intentou chefiar uma quartelada - até recusou oferta de seus ministros militares. Passou por sua cabeça emular Charles de Gaulle, que renunciara à chefia do governo francês no após-guerra, em meio aos embates da política parlamentar, e fora chamado para presidir o país, com grandes poderes, em 1959. No Brasil, a História não se repetiu nem como farsa.
Jânio apostou que os comandantes militares jamais aceitariam a posse de Jango, do PTB. O impasse só teria uma saída: a sua volta. Presidente e vice eram eleitos separadamente. Jango dobrara com o general Lott, candidato do PSD. Estava criado o cenário para a instabilidade e a conspiração. JQ até estimulara a chapa "Jan-Jan" - queria alguém de risco na linha de sucessão, na suposição de que as Forças Armadas jamais dariam posse a um varguista.
De fato, os ministros militares rejeitaram Jango, que estava em Cingapura, rumo à China, em missão oficial. Enviaram um pedido de impedimento ao Congresso, que formou uma comissão mista. Veio a Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola (PTB), governador do Rio Grande do Sul. A comissão negou o impedimento e aprovou a solução parlamentarista, articulada pelo PSD. Os militares aceitaram. A manobra de Jânio se frustrara.
A UDN, principal apoio de Jânio, era antigetulista, conservadora, formada em 1945, e sempre batida nas urnas pela aliança getulista PSD-PTB. Jânio fizera uma campanha simbolizada na vassoura do poder para varrer a corrupção em Brasília. "Varre, varre vassourinha..." Isso de faxina é coisa antiga.
O presidente logo se afastou de parte dos que o apoiaram, mas sem formar uma base política consistente, apesar de ter nomeado ministros dos principais partidos da situação e da oposição. A maior novidade foi a "política externa independente", com um certo afastamento dos EUA, em plena guerra fria e no calor da revolução cubana, pela qual Jânio mostrava simpatia. Começou a reatar relações diplomáticas com a União Soviética. Não se menospreze o trauma que isso representava. A violenta reação de Carlos Lacerda, o maior líder da UDN, não tardou. Jânio tinha força para articular uma base majoritária no Congresso. Preferiu o autogolpe. Fracassada a manobra, abriu caminho para a instalação da ditadura em 1964.
Hoje o Brasil é um país institucionalmente muito mais maduro. É impensável as Forças Armadas entrarem no jogo político. E os governantes sabem que não mandam sozinhos. A saga janista constitui um caso para estudo do papel do indivíduo na História. As instituições e a vida dos brasileiros foram profundamente afetadas durante décadas pela decisão desequilibrada de uma só pessoa.
A explicação de JQ para a renúncia enfatizou sempre a contradição até hoje invocada para justificar malfeitos: ou um governo de minoria, instável e incapaz de executar seu programa, ou um governo estável, mas que aceita lotear o aparelho de Estado entre corruptos. Era um falso dilema ontem. É um dilema falso hoje.
Ex-prefeito e ex-governador de São Paulo
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO (25/08/11)
Historiador israelense defende que povo judeu é invenção do sionismo
FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO
Na carteira de identidade do historiador israelense Shlomo Sand, no lugar reservado à nacionalidade está escrito que ele é judeu.
Sand, 64, solicitou ao governo que seja identificado de outro modo, como israelense, porque acredita que não existe nem um povo nem uma nação judeus.
Seus motivos estão expostos em "A Invenção do Povo Judeu". Best-seller em Israel, traduzido para 21 idiomas e incensado pelo historiador Eric Hobsbawm, o livro chega agora ao Brasil (Benvirá).
O autor defende que não há uma origem única entre os judeus espalhados pelo mundo. A versão de que um povo hebreu foi expulso da Palestina há 2.000 anos e que os judeus de hoje são seus descendentes é, segundo Sand, um mito criado por historiadores no século 19 e desde então difundido pelo sionismo.
"Por que o sionismo define o judaísmo como um povo, uma nação, e não como uma religião? Acho que insistem em ser um povo para terem o direito sobre a terra. Povos têm direitos sobre terra, religiões não", diz à Folha, por telefone, de Paris.
"Na Idade Média a palavra povo se aplicava a religiões: o povo cristão, o povo de Deus. Hoje, aplicamos o termo a grupos humanos que têm uma cultura secular -língua, comida, música etc. Dizemos povo brasileiro, povo argentino, mas não povo cristão, povo muçulmano. Por que, então, povo judeu?"
Valendo-se de fontes e documentos históricos, a tese de Sand, ele mesmo admite no livro, não é em si nova (cita predecessores como Boaz Evron e Uri Ram). "Sintetizei, combinei evidências e testamentos que outros não fizeram, pus de outro modo."
Ele compara: até meados do século 20, "a maioria dos franceses achava que era descendente direto dos gauleses, os alemães dos teutões e os italianos, do império de Júlio César". "São todos mitos", afirma, "que ajudaram a criar nações no século 19".
Neste século 21, sustenta, não há mais lugar para isso.
"Não só o Brasil é uma grande mistura. A França, a Itália, a Inglaterra são. Somos todos misturados. Infelizmente há muitos judeus que se acham descendentes dos hebreus. Não me sinto assim. Gosto de ser uma mistura."
Filho de judeus, nascido num campo de refugiados na Áustria, o autor lutou do lado israelense contra os árabes na Guerra dos Seis Dias, em 67, quando o país ocupou Cisjordânia e faixa de Gaza.
Em seguida virou militante de extrema esquerda e passou a defender um Estado palestino junto ao de Israel.
Professor na Universidade de Tel Aviv e na França, onde passa parte do ano, o historiador avalia que as hostilidades entre israelenses e palestinos, reavivadas nas últimas semanas, continuarão por tempo indeterminado.
"Enquanto o Estado palestino não for reconhecido nas fronteiras de 67, acho que a violência não vai parar."
A INVENÇÃO DO POVO JUDEU
AUTOR Shlomo Sand
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Eveline Bouteiller
QUANTO R$ 54,90 (576 págs.)
DE SÃO PAULO
Na carteira de identidade do historiador israelense Shlomo Sand, no lugar reservado à nacionalidade está escrito que ele é judeu.
Sand, 64, solicitou ao governo que seja identificado de outro modo, como israelense, porque acredita que não existe nem um povo nem uma nação judeus.
Seus motivos estão expostos em "A Invenção do Povo Judeu". Best-seller em Israel, traduzido para 21 idiomas e incensado pelo historiador Eric Hobsbawm, o livro chega agora ao Brasil (Benvirá).
O autor defende que não há uma origem única entre os judeus espalhados pelo mundo. A versão de que um povo hebreu foi expulso da Palestina há 2.000 anos e que os judeus de hoje são seus descendentes é, segundo Sand, um mito criado por historiadores no século 19 e desde então difundido pelo sionismo.
"Por que o sionismo define o judaísmo como um povo, uma nação, e não como uma religião? Acho que insistem em ser um povo para terem o direito sobre a terra. Povos têm direitos sobre terra, religiões não", diz à Folha, por telefone, de Paris.
"Na Idade Média a palavra povo se aplicava a religiões: o povo cristão, o povo de Deus. Hoje, aplicamos o termo a grupos humanos que têm uma cultura secular -língua, comida, música etc. Dizemos povo brasileiro, povo argentino, mas não povo cristão, povo muçulmano. Por que, então, povo judeu?"
Valendo-se de fontes e documentos históricos, a tese de Sand, ele mesmo admite no livro, não é em si nova (cita predecessores como Boaz Evron e Uri Ram). "Sintetizei, combinei evidências e testamentos que outros não fizeram, pus de outro modo."
Ele compara: até meados do século 20, "a maioria dos franceses achava que era descendente direto dos gauleses, os alemães dos teutões e os italianos, do império de Júlio César". "São todos mitos", afirma, "que ajudaram a criar nações no século 19".
Neste século 21, sustenta, não há mais lugar para isso.
"Não só o Brasil é uma grande mistura. A França, a Itália, a Inglaterra são. Somos todos misturados. Infelizmente há muitos judeus que se acham descendentes dos hebreus. Não me sinto assim. Gosto de ser uma mistura."
Filho de judeus, nascido num campo de refugiados na Áustria, o autor lutou do lado israelense contra os árabes na Guerra dos Seis Dias, em 67, quando o país ocupou Cisjordânia e faixa de Gaza.
Em seguida virou militante de extrema esquerda e passou a defender um Estado palestino junto ao de Israel.
Professor na Universidade de Tel Aviv e na França, onde passa parte do ano, o historiador avalia que as hostilidades entre israelenses e palestinos, reavivadas nas últimas semanas, continuarão por tempo indeterminado.
"Enquanto o Estado palestino não for reconhecido nas fronteiras de 67, acho que a violência não vai parar."
A INVENÇÃO DO POVO JUDEU
AUTOR Shlomo Sand
EDITORA Benvirá
TRADUÇÃO Eveline Bouteiller
QUANTO R$ 54,90 (576 págs.)
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Entidades apresentam medidas anticorrupção
Movimentos e associações frisam importância de aproveitar mobilização da sociedade a favor da faxina de Dilma
Isabel Braga e Adriana Mendes
BRASÍLIA. A Frente Suprapartidária de Combate à Corrupção e à Impunidade começa a ganhar adesões na sociedade organizada. Reunidos ontem em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, representantes de dez entidades apresentaram propostas. Os participantes do evento reforçaram a importância de aproveitar o momento de mobilização da sociedade a favor da faxina nas instituições públicas.
Entre as propostas, estão a votação prioritária de projetos sobre o tema que tramitam no Congresso, a redução dos cargos de confiança e a necessidade de pressionar o Judiciário para o julgamento rápido de processos que se arrastam, como a definição sobre pontos pendentes da Lei da Ficha Limpa, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Movimento quer Lei da Ficha Limpa válida em 2012
Segundo um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, juiz Márlon Reis, é preciso que não haja dúvidas sobre a validade da Ficha Limpa para 2012. A lei, que veda a candidatura de políticos fichas-sujas, acabou não sendo aplicada em 2010.
O presidente da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, defendeu a votação dos projetos de acesso a informações públicas, o que regulamenta o lobby e o que estabelece que condenados em segunda instância cumpram pena, mesmo que haja recursos contra a decisão. Ele é favorável à redução drástica do número de cargos de livre nomeação:
- Os cargos de livre nomeação dão ao Executivo o poder de comprar os partidos. Reduzir esses cargos é uma forma de reduzir a corrupção.
Em nome da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), o juiz Luiz Rocha Neto defendeu a criação de varas e câmaras especializadas no julgamento de crimes relacionados à corrupção:
- Somos aliados dos senhores, mas precisamos de ferramentas para fortalecer os debates - disse Neto.
O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, criticou a demora no julgamento de processos contra os que cometem crimes contra o Erário. O representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Guilherme Werlang, defendeu a realização de um reforma política profunda e também cobrou o julgamento da Lei da Ficha Limpa:
- Estamos no final do ano, se não julgar, volta a acontecer o que aconteceu, e os que estavam impedidos de concorrer voltam a estar habilitados.
Os senadores comemoram a adesão da sociedade ao movimento lançado semana passada. Autor do requerimento para a audiência, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) citou atos programados, como o da Universidade de Brasília (UnB), em 13 de setembro, e as manifestações em São Paulo e Porto Alegre, dia 7 de setembro, além de evento na Cinelândia em 20 de setembro:
- Temos que dar força à presidente Dilma (Rousseff). E aprovar os projetos. Terminar com a impunidade é fundamental, e isso o povo pode fazer.
Algumas propostas
MOVIMENTO DE COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL: Reconhecimento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa; consulta ao TSE sobre artigo que suprime do eleitor o conhecimento do nome dos doadores durante as campanhas e controle no uso das emendas parlamentares, além da responsabilização dos parlamentares na execução das verbas.
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL: Implantação de uma política judiciária nacional contra corrupção; criação de varas e câmaras especializadas no julgamento de crimes relacionados à corrupção e uso das redes sociais para garantir a transparência.
TRANSPARÊNCIA BRASIL: Mudança na legislação para que condenados em segunda instância cumpram pena, independentemente de recursos que possam ser feitos até o julgamento final, e redução drástica do número de cargos de livre nomeação na administração pública.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL: Adoção do rito sumário para os casos de corrupção.
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS: Federalização dos crimes de corrupção.
OAB: Lançamento do site Observatório da Corrupção e criação de critérios técnico para a viabilização das emendas parlamentares individuais.
CNBB: Reforma política profunda e reforma do Estado; julgamento, com urgência, pelo STF, da integralidade da Lei da Ficha Limpa, antes das eleições de 2012.
FONTE: O GLOBO
Isabel Braga e Adriana Mendes
BRASÍLIA. A Frente Suprapartidária de Combate à Corrupção e à Impunidade começa a ganhar adesões na sociedade organizada. Reunidos ontem em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, representantes de dez entidades apresentaram propostas. Os participantes do evento reforçaram a importância de aproveitar o momento de mobilização da sociedade a favor da faxina nas instituições públicas.
Entre as propostas, estão a votação prioritária de projetos sobre o tema que tramitam no Congresso, a redução dos cargos de confiança e a necessidade de pressionar o Judiciário para o julgamento rápido de processos que se arrastam, como a definição sobre pontos pendentes da Lei da Ficha Limpa, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Movimento quer Lei da Ficha Limpa válida em 2012
Segundo um dos coordenadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, juiz Márlon Reis, é preciso que não haja dúvidas sobre a validade da Ficha Limpa para 2012. A lei, que veda a candidatura de políticos fichas-sujas, acabou não sendo aplicada em 2010.
O presidente da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, defendeu a votação dos projetos de acesso a informações públicas, o que regulamenta o lobby e o que estabelece que condenados em segunda instância cumpram pena, mesmo que haja recursos contra a decisão. Ele é favorável à redução drástica do número de cargos de livre nomeação:
- Os cargos de livre nomeação dão ao Executivo o poder de comprar os partidos. Reduzir esses cargos é uma forma de reduzir a corrupção.
Em nome da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), o juiz Luiz Rocha Neto defendeu a criação de varas e câmaras especializadas no julgamento de crimes relacionados à corrupção:
- Somos aliados dos senhores, mas precisamos de ferramentas para fortalecer os debates - disse Neto.
O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, criticou a demora no julgamento de processos contra os que cometem crimes contra o Erário. O representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Guilherme Werlang, defendeu a realização de um reforma política profunda e também cobrou o julgamento da Lei da Ficha Limpa:
- Estamos no final do ano, se não julgar, volta a acontecer o que aconteceu, e os que estavam impedidos de concorrer voltam a estar habilitados.
Os senadores comemoram a adesão da sociedade ao movimento lançado semana passada. Autor do requerimento para a audiência, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) citou atos programados, como o da Universidade de Brasília (UnB), em 13 de setembro, e as manifestações em São Paulo e Porto Alegre, dia 7 de setembro, além de evento na Cinelândia em 20 de setembro:
- Temos que dar força à presidente Dilma (Rousseff). E aprovar os projetos. Terminar com a impunidade é fundamental, e isso o povo pode fazer.
Algumas propostas
MOVIMENTO DE COMBATE À CORRUPÇÃO ELEITORAL: Reconhecimento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa; consulta ao TSE sobre artigo que suprime do eleitor o conhecimento do nome dos doadores durante as campanhas e controle no uso das emendas parlamentares, além da responsabilização dos parlamentares na execução das verbas.
ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO BRASIL: Implantação de uma política judiciária nacional contra corrupção; criação de varas e câmaras especializadas no julgamento de crimes relacionados à corrupção e uso das redes sociais para garantir a transparência.
TRANSPARÊNCIA BRASIL: Mudança na legislação para que condenados em segunda instância cumpram pena, independentemente de recursos que possam ser feitos até o julgamento final, e redução drástica do número de cargos de livre nomeação na administração pública.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL: Adoção do rito sumário para os casos de corrupção.
ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS: Federalização dos crimes de corrupção.
OAB: Lançamento do site Observatório da Corrupção e criação de critérios técnico para a viabilização das emendas parlamentares individuais.
CNBB: Reforma política profunda e reforma do Estado; julgamento, com urgência, pelo STF, da integralidade da Lei da Ficha Limpa, antes das eleições de 2012.
FONTE: O GLOBO
Antonio Barros de Castro (Carlos Lessa)
Dia 21 de agosto faleceu meu velho amigo Antonio Barros de Castro, em um acidente quase que único, pois um pedaço de laje caiu ferindo-o mortalmente sem que houvesse sequer a destruição do computador onde trabalhava a sua frente. Castro, professor com fala de mel, extremamente responsável, estava trabalhando no domingo, preparando a aula-conferência do dia seguinte, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre a China.Professor Emérito, reverenciado ao longo de toda a vida como docente respeitoso da dignidade e do compromisso essencial do ser professor. Brasileiro com B maiúsculo, Castro sempre pensou o mundo, a economia e a sociedade a serviço do sonho de uma civilização brasileira, sem xenofobia, sem arrogância, sem prepotência, como uma outorga de nossas qualidades potenciais.
Poderia ocupar todas estas linhas falando sobre dimensões de Castro. O professor morreu trabalhando, procurando decifrar a esfinge chamada China. Corretamente, dedicou seus últimos tempos como pesquisador comprometido debruçando-se sobre o "milagre chinês". Como modesta e sincera homenagem, quero colocar algumas linhas sobre o "milagre chinês".
A filial da empresa americana na China dispõe de mão de obra treinada, educada, disciplinada pelo Estado
Mao Tse Tung dizia, no passado revolucionário, que era necessário aprender com o povo. Hoje, em tempos de neoliberalismo, é necessário apreender o fenômeno China. Do ponto de vista geopolítico, duas visões antagônicas e complementares têm epicentro na China. Por uma vertente, assume uma bipolaridade EUA-China, que amplia, em tese, o raio de manobra para a periferia do mundo; o ascenço econômico da China estaria reduzindo o peso relativo do império americano.
Por outra vertente, a parceria EUA-China concentra poder geopolítico. Do ponto de vista econômico, o G-7 não evolui para G-20, mas, sim, é um G-2, pois praticamente todas as grandes organizações empresariais americanas fincaram pé na China. A maioria das exportações manufaturadas chinesas é realizada por filiais americanas no território chinês. O imenso superávit comercial da China absorve, sem parar, títulos do Tesouro americano. As reservas chinesas contêm a maior parcela da dívida pública americana. A filial americana na China dispõe de mão de obra treinada, educada, disciplinada. O Estado chinês fornece a base das condições sociais (educação, saúde e segurança); regula a família chinesa (inclusive a autorização para ter filhos). O Estado chinês planeja e executa todos os investimentos de infraestrutura e aperfeiçoamento de cobertura social; está implantando um gigantesco programa de Ciência e Tecnologia. Essa moldura estatal, planejada, se abriu a uma "economia de mercado" (?!) que lhe permite exercer uma política econômica interna de assimilação do conhecimento mercantil das grandes empresas não-chinesas e uma política econômica externa sem as restrições do neoliberalismo.
O Estado chinês regula câmbio, controla com mão de ferro a atividade financeira a partir de seus bancos estatais e proibições contratuais e lança mão de qualquer artifício para reproduzir vantagens "victorianas". Por exemplo, compra o bom minério de ferro brasileiro e o combina com carvão metalúrgico chinês, que é barato (subsídio disfarçado) para a siderurgia chinesa e contingenciado para a exportação. Pela "economia de mercado" (?!) compra minério de ferro brasileiro, que invade o Mercosul convertido em aço chinês, deslocando o aço brasileiro. Aliás, pela fronteira institucional do Mercosul, o Brasil está importando ônibus chineses, apenas montados no Uruguai. A empresa chinesa, seus empresários e os chineses em geral obedecem e acatam as orientações governamentais, enquanto que a empresa brasileira responde a seus puros e privados apetites. Assim sendo, a Embraer instalou uma fábrica na China, para fornecer aviões regionais; os chineses já "clonaram" os aviões da Embraer e nós, brasileiros, criamos mais um competidor internacional. Em tempo, a China zerou encomendas internas à Embraer na China. A Vale do Rio Doce, para cultivar o apetite chinês pro seu minério de ferro e, ao mesmo tempo, comprar vagões ferroviários baratos, está importando da China milhares de composições. O Brasil faz com a China negócios com a China perdedores a longo prazo para o Brasil. Não cabe crítica à China e sim deploração à cega ideologia neoliberal e a um governo serventuário não da nação, mas sim de interesses empresariais privados brasileiros e alienígenas.
Não invejo a China. Tem uma gigantesca população, em sua maioria vivendo fora das cidades; suas reservas naturais são insuficientes em petróleo e alimentos; com o crescente consumo de água para a industrialização e a vida urbana em crescimento vertiginoso, os lençóis freáticos da China do norte estão no limite de sua exploração. A China, tal como a Inglaterra dos tempos da rainha Vitória, optou por ser potência industrial, tecnológica, diplomática e militar e dominar as fontes de commodities (em bom português: energia e produtos primários). Para tal, está conquistando e submetendo economicamente a África, lançando oleodutos e gasodutos para o coração petrolífero do mundo, penetrando de maneira assustadora no Cone Sul.
Acho que o Brasil deve estudar, como meu amigo Castro estava fazendo (aliás, os chineses estudaram a industrialização brasileira, principalmente o Plano de Metas) Creio que não devemos cair no conto da Bric; o Brasil é, estruturalmente, diferente da China, da Índia e da Rússia e eu agregaria: felizmente. Temos água, enorme potencial energético (hidrelétrico e pré-sal), sol, chuva e terra para produzir todos os alimentos. No presente, nossa principal carência é de um plano de desenvolvimento que, pela industrialização e prioridade de enfrentamento da questão social, torne efetivas as potencialidades nacionais.
Num mundo em crise, o Brasil-nação tem que ser afirmado, reafirmado e explicitado. É uma estupidez dizer que o Brasil é "celeiro do mundo", tendo fome interna. É outra estupidez não desenvolver os recursos hidrelétricos da Bacia Amazônica. É outra estupidez permitir que o real se valorize em relação ao dólar (os chineses mantêm o yuan alinhado com o dólar). É uma retórica fácil e imprudente afirmar que a crise de 2008 atingiria o Brasil como uma "marola"; é uma retórica fácil e imprudente afirmar que o Brasil está bem preparado para enfrentar as ressurgências inexoráveis de uma crise que se prolongará pelos próximos anos. Entendo que o governante não deve alarmar os atores sociais, mas não perdoo a imprudência de não constituir salvaguardas em uma espécie de confiança num inexistente "jeitinho brasileiro". Recordo que, quando da crise do petróleo dos anos 70, houve governante que afirmou ser "bendita"; o Brasil do ano 2000 seria uma grande potência. O discurso do Brasil na Bric, com o mundo se deslocando para a Bric é o equivalente à bendição dos anos 70. Eu - e certamente o professor Castro - jamais desejamos que o Brasil venha a ser um satélite da China potência ou da dualidade geopolítica EUA-China.
Castro, creia que um segmento importante dos economistas brasileiros percebem que isso é uma maldição. Esteja certo que você ajudou a criar imunidades intelectuais e morais.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.
Poderia ocupar todas estas linhas falando sobre dimensões de Castro. O professor morreu trabalhando, procurando decifrar a esfinge chamada China. Corretamente, dedicou seus últimos tempos como pesquisador comprometido debruçando-se sobre o "milagre chinês". Como modesta e sincera homenagem, quero colocar algumas linhas sobre o "milagre chinês".
A filial da empresa americana na China dispõe de mão de obra treinada, educada, disciplinada pelo Estado
Mao Tse Tung dizia, no passado revolucionário, que era necessário aprender com o povo. Hoje, em tempos de neoliberalismo, é necessário apreender o fenômeno China. Do ponto de vista geopolítico, duas visões antagônicas e complementares têm epicentro na China. Por uma vertente, assume uma bipolaridade EUA-China, que amplia, em tese, o raio de manobra para a periferia do mundo; o ascenço econômico da China estaria reduzindo o peso relativo do império americano.
Por outra vertente, a parceria EUA-China concentra poder geopolítico. Do ponto de vista econômico, o G-7 não evolui para G-20, mas, sim, é um G-2, pois praticamente todas as grandes organizações empresariais americanas fincaram pé na China. A maioria das exportações manufaturadas chinesas é realizada por filiais americanas no território chinês. O imenso superávit comercial da China absorve, sem parar, títulos do Tesouro americano. As reservas chinesas contêm a maior parcela da dívida pública americana. A filial americana na China dispõe de mão de obra treinada, educada, disciplinada. O Estado chinês fornece a base das condições sociais (educação, saúde e segurança); regula a família chinesa (inclusive a autorização para ter filhos). O Estado chinês planeja e executa todos os investimentos de infraestrutura e aperfeiçoamento de cobertura social; está implantando um gigantesco programa de Ciência e Tecnologia. Essa moldura estatal, planejada, se abriu a uma "economia de mercado" (?!) que lhe permite exercer uma política econômica interna de assimilação do conhecimento mercantil das grandes empresas não-chinesas e uma política econômica externa sem as restrições do neoliberalismo.
O Estado chinês regula câmbio, controla com mão de ferro a atividade financeira a partir de seus bancos estatais e proibições contratuais e lança mão de qualquer artifício para reproduzir vantagens "victorianas". Por exemplo, compra o bom minério de ferro brasileiro e o combina com carvão metalúrgico chinês, que é barato (subsídio disfarçado) para a siderurgia chinesa e contingenciado para a exportação. Pela "economia de mercado" (?!) compra minério de ferro brasileiro, que invade o Mercosul convertido em aço chinês, deslocando o aço brasileiro. Aliás, pela fronteira institucional do Mercosul, o Brasil está importando ônibus chineses, apenas montados no Uruguai. A empresa chinesa, seus empresários e os chineses em geral obedecem e acatam as orientações governamentais, enquanto que a empresa brasileira responde a seus puros e privados apetites. Assim sendo, a Embraer instalou uma fábrica na China, para fornecer aviões regionais; os chineses já "clonaram" os aviões da Embraer e nós, brasileiros, criamos mais um competidor internacional. Em tempo, a China zerou encomendas internas à Embraer na China. A Vale do Rio Doce, para cultivar o apetite chinês pro seu minério de ferro e, ao mesmo tempo, comprar vagões ferroviários baratos, está importando da China milhares de composições. O Brasil faz com a China negócios com a China perdedores a longo prazo para o Brasil. Não cabe crítica à China e sim deploração à cega ideologia neoliberal e a um governo serventuário não da nação, mas sim de interesses empresariais privados brasileiros e alienígenas.
Não invejo a China. Tem uma gigantesca população, em sua maioria vivendo fora das cidades; suas reservas naturais são insuficientes em petróleo e alimentos; com o crescente consumo de água para a industrialização e a vida urbana em crescimento vertiginoso, os lençóis freáticos da China do norte estão no limite de sua exploração. A China, tal como a Inglaterra dos tempos da rainha Vitória, optou por ser potência industrial, tecnológica, diplomática e militar e dominar as fontes de commodities (em bom português: energia e produtos primários). Para tal, está conquistando e submetendo economicamente a África, lançando oleodutos e gasodutos para o coração petrolífero do mundo, penetrando de maneira assustadora no Cone Sul.
Acho que o Brasil deve estudar, como meu amigo Castro estava fazendo (aliás, os chineses estudaram a industrialização brasileira, principalmente o Plano de Metas) Creio que não devemos cair no conto da Bric; o Brasil é, estruturalmente, diferente da China, da Índia e da Rússia e eu agregaria: felizmente. Temos água, enorme potencial energético (hidrelétrico e pré-sal), sol, chuva e terra para produzir todos os alimentos. No presente, nossa principal carência é de um plano de desenvolvimento que, pela industrialização e prioridade de enfrentamento da questão social, torne efetivas as potencialidades nacionais.
Num mundo em crise, o Brasil-nação tem que ser afirmado, reafirmado e explicitado. É uma estupidez dizer que o Brasil é "celeiro do mundo", tendo fome interna. É outra estupidez não desenvolver os recursos hidrelétricos da Bacia Amazônica. É outra estupidez permitir que o real se valorize em relação ao dólar (os chineses mantêm o yuan alinhado com o dólar). É uma retórica fácil e imprudente afirmar que a crise de 2008 atingiria o Brasil como uma "marola"; é uma retórica fácil e imprudente afirmar que o Brasil está bem preparado para enfrentar as ressurgências inexoráveis de uma crise que se prolongará pelos próximos anos. Entendo que o governante não deve alarmar os atores sociais, mas não perdoo a imprudência de não constituir salvaguardas em uma espécie de confiança num inexistente "jeitinho brasileiro". Recordo que, quando da crise do petróleo dos anos 70, houve governante que afirmou ser "bendita"; o Brasil do ano 2000 seria uma grande potência. O discurso do Brasil na Bric, com o mundo se deslocando para a Bric é o equivalente à bendição dos anos 70. Eu - e certamente o professor Castro - jamais desejamos que o Brasil venha a ser um satélite da China potência ou da dualidade geopolítica EUA-China.
Castro, creia que um segmento importante dos economistas brasileiros percebem que isso é uma maldição. Esteja certo que você ajudou a criar imunidades intelectuais e morais.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES.
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Um choque de gestão para a candidatura Aécio (Raymundo Costa)
O presidenciável tucano Aécio Neves tem um Plano B, para o caso de não concorrer à Presidência: disputar o governo de Minas Gerais, pois Antonio Anastasia não tem mais direito à reeleição e o grupo hoje no poder não vê outra opção para vencer em 2014. O Plano B de Aécio é a cada dia um Plano B+, que pode se transformar em Plano A, sobretudo se Luiz Inácio Lula da Silva for o candidato do PT à sucessão de Dilma Rousseff. De certa forma, Aécio tem frustrado as expectativas que os tucanos depositavam na sua liderança para voltar ao poder daqui a quatro anos.
A perspectiva de poder, às vezes, é mais forte que o poder em si. Se não esperava tanto de Aécio, o PSDB, após as eleições de 2010, contava ao menos que o ex-governador de Minas, a esta altura, já tivesse se firmado como alternativa incontestável a Dilma, Lula e ao PT. Mas paira no ninho uma reversão de expectativas - real e que ainda pode ser contida, mas que deixa perplexo o partido.
A atuação de Aécio, em cinco meses de Senado, é talvez o melhor exemplo do anticlímax. Demorou a falar. Quando subiu à tribuna, pronunciou um discurso vazio. Evidentemente, com a fama que o precedia, foi prestigiado com um plenário cheio e muitos apartes. Mas de concreto sobraram apenas os elogios dos governistas - que o proclamaram líder da oposição e o candidato presidencial do PSDB em 2014 -, e a sensação dos oposicionistas de que Aécio não se preparou para se apresentar como uma opção aos 12 anos de governo que o PT estará por completar nas próximas eleições presidenciais.
Tucanos começam a ter dúvidas sobre candidato em 2014
Faltaram, ao discurso, brilho intelectual e uma visão de Brasil como tinha, por exemplo, o avô do senador, o presidente Tancredo Neves, morto antes de tomar posse no cargo, em 1985. Mesmo alguns improvisos de Tancredo tinham estilo e conteúdo. Se falta um projeto e uma ação legislativa mais firme, qual será a arma de Aécio em 2014? A simpatia, a média com os companheiros, o chamado estilo mineiro de fazer política?
No Senado, Aécio se destacou por duas proposições: a emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias para o governo incluir no Orçamento Geral da União as emissões do Tesouro para o BNDES, algo hoje em torno dos R$ 240 bilhões, e um projeto de mudanças radicais no processo de edição de medidas provisórias.
A emenda para tornar mais transparentes as emissões do Tesouro passou no Congresso, teve sucesso de parte da crítica especializada, mas foi impiedosamente vetada pela presidente Dilma Rousseff nos seguintes termos: "A inclusão de todas as emissões na peça orçamentária representaria uma sinalização prévia de emissões estratégicas a serem feitas pelo Tesouro Nacional ao longo de cada exercício, possibilitando aos agentes econômicos anteciparem seus movimentos no mercado de títulos públicos, com impactos e riscos à gestão da dívida pública federal". Só faltou chamar Aécio de ingênuo.
No caso das medidas provisórias Aécio tomou carona na onda de protestos dos senadores pelo pouco tempo de que dispõem para analisar as MPs, depois que elas são aprovadas na Câmara - houve casos já de a Câmara aprovar um texto pela manhã e o Senado ser obrigado a referendá-lo à tarde, para não perder prazos regimentais. O ambiente era tão ruim que o próprio presidente do Senado, José Sarney, tomou a iniciativa de apresentar um projeto regulamentando a tramitação e a emissão de MPs.
Aécio percebeu na situação uma oportunidade e apresentou um projeto bem mais ousado que, entre outras coisas, previa a criação da uma supercomissão para analisar a admissibilidade das MPs enviadas pelo Executivo ao Congresso. Prevaleceu o projeto de Sarney, que atendia o principal: a garantia de que os senadores terão mais tempo para estudar as medidas (80 dias, a Câmara, 30, o Senado e mais dez a Câmara, se os senadores fizerem mudanças no texto dos deputados). Relator do acordo que permitiu a aprovação do projeto, Aécio pode posar de pai da mudança do processo atual, resultado de uma mudança feita quando o senador, então deputado, presidia a Câmara.
Politicamente, Aécio mantém uma relação amena com o governo. Para os governadores do PSDB, "função de governador não é fazer oposição", como fizeram questão de deixar bem claro já em duas reuniões. Mas também ficou claro que essa seria a tarefa das bancadas. A elas caberia realçar as diferenças entre os projetos do PSDB e do PT. Em sua maioria, senadores e deputados gostariam de ver seu eventual candidato em 2014 com uma postura mais crítica em relação ao governo, principalmente agora com a aproximação das eleições municipais.
Na prática, a aproximação de Aécio do governo Dilma parece a muitos tucanos mais um capítulo da guerra com José Serra. Uma estratégia destinada a identificar Serra como oposição radical, enquanto mantém abertos os canais administrativos com o governo federal. O discurso replicado em Minas é de que "todos os problemas do Estado são de responsabilidade do governo federal". Belo Horizonte, diga-se, é a única grande capital brasileira que não tem um metro de linha de metrô (tem um trem de subúrbio que é chamado de metrô).
Apesar das dificuldades políticas do semestre de Dilma, o PSDB é o mesmo partido dividido que perdeu as três últimas eleições para o PT. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o único até agora a apresentar um comando conceitual para a sigla, mas não foi ouvido e até mesmo criticado. A cúpula tucana ridicularizou um documento em que Serra tentou alinhavar algumas ideias para a discussão. FHC aceita feliz o reconhecimento de Dilma pois acha que passou a ser detestado pela maioria da população por causa de Lula e do PT. A campanha deixou sequela na relação de Serra com Dilma, que já foi melhor.
Agora, há quem lembre que em 2002 Aécio hesitou em sair candidato ao governo de Minas. É menor a figura do messias tucano. O pior é que começa a crescer no PSDB a sensação de que Aécio teme o enfrentamento com Lula, mesmo que seja para acumular capital para 2018. Na cúpula tucana já se avalia que candidatura presidencial de Aécio precisa de um bom "choque de gestão". Ou Serra pode outra vez "fazer acontecer".
FONTE: VALOR ECONÔMICO
A perspectiva de poder, às vezes, é mais forte que o poder em si. Se não esperava tanto de Aécio, o PSDB, após as eleições de 2010, contava ao menos que o ex-governador de Minas, a esta altura, já tivesse se firmado como alternativa incontestável a Dilma, Lula e ao PT. Mas paira no ninho uma reversão de expectativas - real e que ainda pode ser contida, mas que deixa perplexo o partido.
A atuação de Aécio, em cinco meses de Senado, é talvez o melhor exemplo do anticlímax. Demorou a falar. Quando subiu à tribuna, pronunciou um discurso vazio. Evidentemente, com a fama que o precedia, foi prestigiado com um plenário cheio e muitos apartes. Mas de concreto sobraram apenas os elogios dos governistas - que o proclamaram líder da oposição e o candidato presidencial do PSDB em 2014 -, e a sensação dos oposicionistas de que Aécio não se preparou para se apresentar como uma opção aos 12 anos de governo que o PT estará por completar nas próximas eleições presidenciais.
Tucanos começam a ter dúvidas sobre candidato em 2014
Faltaram, ao discurso, brilho intelectual e uma visão de Brasil como tinha, por exemplo, o avô do senador, o presidente Tancredo Neves, morto antes de tomar posse no cargo, em 1985. Mesmo alguns improvisos de Tancredo tinham estilo e conteúdo. Se falta um projeto e uma ação legislativa mais firme, qual será a arma de Aécio em 2014? A simpatia, a média com os companheiros, o chamado estilo mineiro de fazer política?
No Senado, Aécio se destacou por duas proposições: a emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias para o governo incluir no Orçamento Geral da União as emissões do Tesouro para o BNDES, algo hoje em torno dos R$ 240 bilhões, e um projeto de mudanças radicais no processo de edição de medidas provisórias.
A emenda para tornar mais transparentes as emissões do Tesouro passou no Congresso, teve sucesso de parte da crítica especializada, mas foi impiedosamente vetada pela presidente Dilma Rousseff nos seguintes termos: "A inclusão de todas as emissões na peça orçamentária representaria uma sinalização prévia de emissões estratégicas a serem feitas pelo Tesouro Nacional ao longo de cada exercício, possibilitando aos agentes econômicos anteciparem seus movimentos no mercado de títulos públicos, com impactos e riscos à gestão da dívida pública federal". Só faltou chamar Aécio de ingênuo.
No caso das medidas provisórias Aécio tomou carona na onda de protestos dos senadores pelo pouco tempo de que dispõem para analisar as MPs, depois que elas são aprovadas na Câmara - houve casos já de a Câmara aprovar um texto pela manhã e o Senado ser obrigado a referendá-lo à tarde, para não perder prazos regimentais. O ambiente era tão ruim que o próprio presidente do Senado, José Sarney, tomou a iniciativa de apresentar um projeto regulamentando a tramitação e a emissão de MPs.
Aécio percebeu na situação uma oportunidade e apresentou um projeto bem mais ousado que, entre outras coisas, previa a criação da uma supercomissão para analisar a admissibilidade das MPs enviadas pelo Executivo ao Congresso. Prevaleceu o projeto de Sarney, que atendia o principal: a garantia de que os senadores terão mais tempo para estudar as medidas (80 dias, a Câmara, 30, o Senado e mais dez a Câmara, se os senadores fizerem mudanças no texto dos deputados). Relator do acordo que permitiu a aprovação do projeto, Aécio pode posar de pai da mudança do processo atual, resultado de uma mudança feita quando o senador, então deputado, presidia a Câmara.
Politicamente, Aécio mantém uma relação amena com o governo. Para os governadores do PSDB, "função de governador não é fazer oposição", como fizeram questão de deixar bem claro já em duas reuniões. Mas também ficou claro que essa seria a tarefa das bancadas. A elas caberia realçar as diferenças entre os projetos do PSDB e do PT. Em sua maioria, senadores e deputados gostariam de ver seu eventual candidato em 2014 com uma postura mais crítica em relação ao governo, principalmente agora com a aproximação das eleições municipais.
Na prática, a aproximação de Aécio do governo Dilma parece a muitos tucanos mais um capítulo da guerra com José Serra. Uma estratégia destinada a identificar Serra como oposição radical, enquanto mantém abertos os canais administrativos com o governo federal. O discurso replicado em Minas é de que "todos os problemas do Estado são de responsabilidade do governo federal". Belo Horizonte, diga-se, é a única grande capital brasileira que não tem um metro de linha de metrô (tem um trem de subúrbio que é chamado de metrô).
Apesar das dificuldades políticas do semestre de Dilma, o PSDB é o mesmo partido dividido que perdeu as três últimas eleições para o PT. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o único até agora a apresentar um comando conceitual para a sigla, mas não foi ouvido e até mesmo criticado. A cúpula tucana ridicularizou um documento em que Serra tentou alinhavar algumas ideias para a discussão. FHC aceita feliz o reconhecimento de Dilma pois acha que passou a ser detestado pela maioria da população por causa de Lula e do PT. A campanha deixou sequela na relação de Serra com Dilma, que já foi melhor.
Agora, há quem lembre que em 2002 Aécio hesitou em sair candidato ao governo de Minas. É menor a figura do messias tucano. O pior é que começa a crescer no PSDB a sensação de que Aécio teme o enfrentamento com Lula, mesmo que seja para acumular capital para 2018. Na cúpula tucana já se avalia que candidatura presidencial de Aécio precisa de um bom "choque de gestão". Ou Serra pode outra vez "fazer acontecer".
FONTE: VALOR ECONÔMICO
De gestora a faxineira (Marco Antonio Villa)
O governo é pródigo na construção de versões. Nos primeiros meses do ano, a presidente Dilma Rousseff foi transformada, da noite para o dia, em uma genial gestora pública. Falava-se que ela não aparecia em público porque priorizava o trabalho administrativo. Era uma devoradora de relatórios. Exigia o máximo dos seus ministros. Conhecia detalhadamente os principais projetos do país. Era tão diferente de Lula...
O impressionismo político, típico do Brasil, vigorou por três meses. Foi o prazo de validade dado pela realidade. Viu-se que administrativamente o governo ia mal. Nenhum programa do PAC estava com o cronograma em dia. As obras em andamento não tinham o acompanhamento devido. Faltava coordenação entre os ministérios. Em suma, o governo estava sem rumo. Ou melhor, estava em um movimento inercial, dentro daquela lógica nacional de que é melhor deixar como está, para ver como é que fica.
Vieram as crises políticas. Uma atrás da outra. Atingiram o coração do governo. E foram caindo os ministros, sempre devido às denúncias da imprensa ou por alguma operação da Polícia Federal. Nunca por iniciativa da presidente. Foram defenestrados ministros considerados fortes, como Antonio Palocci, e outros pouco conhecidos, como Alfredo Nascimento. As retiradas sempre foram penosas e só ocorreram depois de muita pressão da imprensa. Seguindo um velho roteiro, até o último momento o governo tentou abafar as denúncias, desqualificando as acusações e acusadores. Quando não encontrou mais saída, restou a demissão.
A repetição dos fatos, em tão curto espaço de tempo, demonstrou que o governo estava apresado pela corrupção. O loteamento dos ministérios e a inépcia dos órgãos de vigilância permitiram que milhões de reais fossem desviados. As denúncias foram pipocando e as acusações eram de que tudo não passava de "fogo amigo". Ou seja, era uma guerra entre os partidos da base governamental, uma luta interna pelo poder (e pelo dinheiro). Como se fosse absolutamente natural saquear o Erário.
Em meio à crise, os partidos continuaram exigindo cargos e favores. Sabiam que a apuração era para inglês ver. Trocavam-se os nomes mas não as práticas; como no Ministério da Agricultura, onde saiu um ministro do PMDB e entrou outro do... PMDB. As denúncias de desvio de milhões de reais não foram apuradas, sequer internamente, em um processo administrativo. Muito menos na esfera judicial.
Herdeira e partícipe ativa do presidencialismo de transação, a presidente acabou prisioneira deste sistema. Não sabe o que fazer. Lula conseguia ocultar os escândalos graças ao seu prestígio popular. Aproveitava qualquer cerimônia para desqualificar os acusadores. E convencia, graças ao seu poder de comunicação. Com Dilma é muito diferente. Ela pouco fala. Quando quer seguir a cartilha lulista, fracassa. Se esforça, tenta retomar a iniciativa, mas, sem agenda política própria, movimenta-se como um zumbi. Transformou em rotina ter de responder, toda segunda-feira, às acusações de corrupção que cercam o governo. Passa a semana tratando do desfecho do problema. Posterga as soluções. No sábado, fica aguardando as revistas e jornais de domingo com mais denúncias. E o processo recomeça.
Em meio ao desgaste, o governo foi obrigado a substituir o figurino da presidente: trocou a fantasia, já gasta, de eficaz gestora, por outra, novinha em folha, a de moralizadora da administração pública, que vem acompanhada de uma vassoura. E, por incrível que pareça, já está colhendo os primeiros frutos. Todos estão elogiando a "faxina". Não foi visto nenhum resultado prático. Para o governo, isto é o que menos importa. Vale a aparência, não a ação, mas a palavra. E, principalmente, a repetição pela imprensa que a presidente está enfrentando a corrupção. Isto "pega bem", a população simpatiza (e como!) com a ideia. Além do que, no ano que vem, tem eleição e nada pior do que a pecha de corrupto para um partido.
A oposição - com raríssimas exceções - continua tão perdida como o governo. Não sabe como agir. Quando encontra um caminho parlamentar - uma CPI no Senado - acaba sendo bombardeada também por "fogo amigo". O argumento é que é necessário dar apoio à presidente para que faça a "faxina". Ela estaria se distanciando do seu partido e, principalmente, do seu criador, o ex-presidente Lula, identificado como o gestor deste presidencialismo de transação. É uma leitura fantasiosa, que impede o embate com o governo e desmobiliza uma oposição já numericamente no Congresso Nacional. Lembra, guardadas as devidas proporções, a estratégia estabelecida durante o mensalão. No ápice da crise, ao invés de avançar e solicitar a abertura de um processo contra o presidente, a oposição apequenou-se. Temeu a vitória. Buscou justificativa na "governabilidade". Optou por levar - expressão da época - Lula sangrando até 2006, para daí vencê-lo facilmente nas urnas. Deu no que deu.
É inegável que a situação atual é muito distinta de 2005. Hoje, vivemos um momento político pior. A oposição é mais frágil, perdeu duas eleições presidenciais, e a impunidade dos mensaleiros deu salvo conduto aos corruptos. Nesta situação adversa, imaginar um antagonismo entre Dilma e Lula não passa de um logro. Esta tática já fracassou no início do ano. E pior: confunde a sociedade. Dá asas à falácia de que a presidente quer fazer a "limpeza" mas não pode. Como se não fosse responsável pelas mazelas do seu governo. Entrega a bandeira da ética e da moralidade aos que a desprezam.
Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.
FONTE: O GLOBO
O impressionismo político, típico do Brasil, vigorou por três meses. Foi o prazo de validade dado pela realidade. Viu-se que administrativamente o governo ia mal. Nenhum programa do PAC estava com o cronograma em dia. As obras em andamento não tinham o acompanhamento devido. Faltava coordenação entre os ministérios. Em suma, o governo estava sem rumo. Ou melhor, estava em um movimento inercial, dentro daquela lógica nacional de que é melhor deixar como está, para ver como é que fica.
Vieram as crises políticas. Uma atrás da outra. Atingiram o coração do governo. E foram caindo os ministros, sempre devido às denúncias da imprensa ou por alguma operação da Polícia Federal. Nunca por iniciativa da presidente. Foram defenestrados ministros considerados fortes, como Antonio Palocci, e outros pouco conhecidos, como Alfredo Nascimento. As retiradas sempre foram penosas e só ocorreram depois de muita pressão da imprensa. Seguindo um velho roteiro, até o último momento o governo tentou abafar as denúncias, desqualificando as acusações e acusadores. Quando não encontrou mais saída, restou a demissão.
A repetição dos fatos, em tão curto espaço de tempo, demonstrou que o governo estava apresado pela corrupção. O loteamento dos ministérios e a inépcia dos órgãos de vigilância permitiram que milhões de reais fossem desviados. As denúncias foram pipocando e as acusações eram de que tudo não passava de "fogo amigo". Ou seja, era uma guerra entre os partidos da base governamental, uma luta interna pelo poder (e pelo dinheiro). Como se fosse absolutamente natural saquear o Erário.
Em meio à crise, os partidos continuaram exigindo cargos e favores. Sabiam que a apuração era para inglês ver. Trocavam-se os nomes mas não as práticas; como no Ministério da Agricultura, onde saiu um ministro do PMDB e entrou outro do... PMDB. As denúncias de desvio de milhões de reais não foram apuradas, sequer internamente, em um processo administrativo. Muito menos na esfera judicial.
Herdeira e partícipe ativa do presidencialismo de transação, a presidente acabou prisioneira deste sistema. Não sabe o que fazer. Lula conseguia ocultar os escândalos graças ao seu prestígio popular. Aproveitava qualquer cerimônia para desqualificar os acusadores. E convencia, graças ao seu poder de comunicação. Com Dilma é muito diferente. Ela pouco fala. Quando quer seguir a cartilha lulista, fracassa. Se esforça, tenta retomar a iniciativa, mas, sem agenda política própria, movimenta-se como um zumbi. Transformou em rotina ter de responder, toda segunda-feira, às acusações de corrupção que cercam o governo. Passa a semana tratando do desfecho do problema. Posterga as soluções. No sábado, fica aguardando as revistas e jornais de domingo com mais denúncias. E o processo recomeça.
Em meio ao desgaste, o governo foi obrigado a substituir o figurino da presidente: trocou a fantasia, já gasta, de eficaz gestora, por outra, novinha em folha, a de moralizadora da administração pública, que vem acompanhada de uma vassoura. E, por incrível que pareça, já está colhendo os primeiros frutos. Todos estão elogiando a "faxina". Não foi visto nenhum resultado prático. Para o governo, isto é o que menos importa. Vale a aparência, não a ação, mas a palavra. E, principalmente, a repetição pela imprensa que a presidente está enfrentando a corrupção. Isto "pega bem", a população simpatiza (e como!) com a ideia. Além do que, no ano que vem, tem eleição e nada pior do que a pecha de corrupto para um partido.
A oposição - com raríssimas exceções - continua tão perdida como o governo. Não sabe como agir. Quando encontra um caminho parlamentar - uma CPI no Senado - acaba sendo bombardeada também por "fogo amigo". O argumento é que é necessário dar apoio à presidente para que faça a "faxina". Ela estaria se distanciando do seu partido e, principalmente, do seu criador, o ex-presidente Lula, identificado como o gestor deste presidencialismo de transação. É uma leitura fantasiosa, que impede o embate com o governo e desmobiliza uma oposição já numericamente no Congresso Nacional. Lembra, guardadas as devidas proporções, a estratégia estabelecida durante o mensalão. No ápice da crise, ao invés de avançar e solicitar a abertura de um processo contra o presidente, a oposição apequenou-se. Temeu a vitória. Buscou justificativa na "governabilidade". Optou por levar - expressão da época - Lula sangrando até 2006, para daí vencê-lo facilmente nas urnas. Deu no que deu.
É inegável que a situação atual é muito distinta de 2005. Hoje, vivemos um momento político pior. A oposição é mais frágil, perdeu duas eleições presidenciais, e a impunidade dos mensaleiros deu salvo conduto aos corruptos. Nesta situação adversa, imaginar um antagonismo entre Dilma e Lula não passa de um logro. Esta tática já fracassou no início do ano. E pior: confunde a sociedade. Dá asas à falácia de que a presidente quer fazer a "limpeza" mas não pode. Como se não fosse responsável pelas mazelas do seu governo. Entrega a bandeira da ética e da moralidade aos que a desprezam.
Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.
FONTE: O GLOBO
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Morre um pensador do mundo real da economia (Guilherme Barros)
Um dos mais fiéis representantes da corrente cepalista, o economista Antônio Barros de Castro, que morreu ontem em seu escritório na sua casa em Humaitá, na zona Sul do Rio, será lembrado como um dos maiores pensadores contemporâneos da história econômica do País.
Detalhista, aplicado e inquieto, Barros de Castro foi, sobretudo, um dos primeiros acadêmicos do Brasil a pensar o país pelo mundo real da economia.
Entre sua vasta obra, dois livros se destacam. Os clássicos “Introdução à Economia, uma análise estruturalista”, que fez junto com Carlos Lessa e que serve de porta de entrada a todo estudante que se inicia no curso de economia, e “A economia brasileira em marcha forçada”, que escreveu com Francisco Eduardo Pires de Souza e que descreve a transformação da indústria brasileira no período militar.
Estive com ele várias vezes no seu escritório na sua casa em Humaitá, onde ele morreu, seu lugar predileto para ler, pensar e conceder entrevistas.
Barros de Castro tinha uma compreensão do mundo sempre com a preocupação histórica de longo prazo. Era uma usina de ideias.
Fiz e refiz várias entrevistas com ele. O perfeccionista Barros de Castro sempre tinha uma frase, um raciocínio novo, uma palavra para acrescentar à sua ideia original, já genial, inovadora, avançada, mas sua inquietação intelectual nunca o deixava conformado.
Quando presidente do BNDES no governo Itamar Franco, teve de várias vezes, sempre com a sua eterna paciência e didatismo, conter os arroubos românticos do seu chefe.
Numa das vezes que fui visitar Castro no BNDES, ele tinha acabado de receber um dos vários pedidos do então presidente Itamar Franco.
Itamar Franco queria que o BNDES socorresse o Jornal do Brasil, já nos extertores.
O BNDES proíbe qualquer tipo de financiamento a órgãos de comunicação. Castro riu do pedido, e foi a Brasília explicar a Itamar. O mundo real contrastava com o mundo romântico.
Nos últimos anos, se dedicou a estudar a influência da China sobre o Brasil e o mundo. Foi ele o responsável, muito antes de a crise de 2008 mostrar a cara, por criar a expressão “sinocêntrico” (o mundo liderado pela China).
Castro enxergava longe. Seus textos devem ser revistos.
Detalhista, aplicado e inquieto, Barros de Castro foi, sobretudo, um dos primeiros acadêmicos do Brasil a pensar o país pelo mundo real da economia.
Entre sua vasta obra, dois livros se destacam. Os clássicos “Introdução à Economia, uma análise estruturalista”, que fez junto com Carlos Lessa e que serve de porta de entrada a todo estudante que se inicia no curso de economia, e “A economia brasileira em marcha forçada”, que escreveu com Francisco Eduardo Pires de Souza e que descreve a transformação da indústria brasileira no período militar.
Estive com ele várias vezes no seu escritório na sua casa em Humaitá, onde ele morreu, seu lugar predileto para ler, pensar e conceder entrevistas.
Barros de Castro tinha uma compreensão do mundo sempre com a preocupação histórica de longo prazo. Era uma usina de ideias.
Fiz e refiz várias entrevistas com ele. O perfeccionista Barros de Castro sempre tinha uma frase, um raciocínio novo, uma palavra para acrescentar à sua ideia original, já genial, inovadora, avançada, mas sua inquietação intelectual nunca o deixava conformado.
Quando presidente do BNDES no governo Itamar Franco, teve de várias vezes, sempre com a sua eterna paciência e didatismo, conter os arroubos românticos do seu chefe.
Numa das vezes que fui visitar Castro no BNDES, ele tinha acabado de receber um dos vários pedidos do então presidente Itamar Franco.
Itamar Franco queria que o BNDES socorresse o Jornal do Brasil, já nos extertores.
O BNDES proíbe qualquer tipo de financiamento a órgãos de comunicação. Castro riu do pedido, e foi a Brasília explicar a Itamar. O mundo real contrastava com o mundo romântico.
Nos últimos anos, se dedicou a estudar a influência da China sobre o Brasil e o mundo. Foi ele o responsável, muito antes de a crise de 2008 mostrar a cara, por criar a expressão “sinocêntrico” (o mundo liderado pela China).
Castro enxergava longe. Seus textos devem ser revistos.
Corrupção mata (Alberto Dines)
Com esta sentença de apenas duas palavras na primeira linha do seu inspirado artigo na Folha, a senadora Marina Silva disparou nessa sexta-feira uma convocação que poderá transformar o País em curtíssimo prazo. Para sempre.
Por coincidência, na véspera, Dilma Rousseff, antiga adversária dentro do governo Lula, declarou solenemente ao lado de um ex-presidente da República (FHC): "A faxina é contra a miséria". A faxina mencionada pela presidente é contra a corrupção, mas a solenidade onde discursou foi o lançamento do Pacto Sudeste do programa Brasil sem Miséria. Estava armada a equação corrupção=miséria cujo corolário a eloquência de Marina Silva deu uma messiânica dimensão: miséria mata, corrupção também.
O fuzilamento da juíza Patrícia Acioli, que investigava a vinculação de PMs com as milícias em São Gonçalo, Estado do Rio, escancara o veloz up-grade dos quase inofensivos "crimes de colarinho branco" em bárbaras chacinas cometidas por usuários de boinas negras. O crime só se organiza em ambientes vulneráveis à corrupção. Manifesta-se inocentemente, logo assume a sua malignidade integral.
Consultorias "técnicas", lóbis para obter vantagens e vencer licitações parecem inocentes exercícios de enriquecimento, pseudo-empreendedorismo. Na verdade são a face desarmada de um sistema subversivo, sanguinário e selvagem, à margem do Estado e de seus códigos.
Miséria e corrupção constituem um monstro de duas cabeças, entidade siamesa, indivisível, que o ativista indiano Anna Hazare resolveu enfrentar, destemido e desarmado. Sua pregação cívica já empolgou milhões de indianos em diversos cantos do país. Sua principal reivindicação agora é a entronização da figura do ombudsman contra a corrupção em todos os níveis, a partir das aldeias.
A principal arma de Anna Hazare (aliás Kisan Baburao Hazare, 74 anos) é a greve de fome. Já fez várias desde 1991, sempre vitorioso. Morrer de fome na Índia é corriqueiro, sacrificar-se sem comer é uma arma política santificada, imbatível. Graças às ameaças de imolar-se Mohandas Gandhi, o Mahatma, encostou o colonizador britânico contra a parede e apressou a independência da Índia em 1947. Gandhi cunhou a expressão Satiagraha, firmeza na verdade (que no Brasil tornou-se caricatura de honestidade).
Hazare tem outras reivindicações (fim das castas, fortalecimento dos conselhos municipais, rigoroso controle de natalidade, combate ao alcoolismo, etc.), mas a corrupção é a sua principal inimiga. Para ele a gigantesca miséria indiana só acabará quando for interrompido o formidável desvio de dinheiro público para o bolso dos privilegiados. Chega ao extremo de pedir a pena de morte para os corruptos.
Hazare não está sozinho: na última greve de fome foi acompanhado por dezenas de ativistas, sua prisão na última semana provocou um protesto nacional. Foi libertado em seguida e já se prepara para outra. A Índia descobriu o seu verdadeiro carma. Uma ONG lançou um site I paid a bribe (eu paguei propina) onde o cidadão indica a repartição onde pagou propina e o seu valor. O site já publicou cerca de 12 mil episódios de corrupção em menos de um ano.
Brasil e Índia, junto com Rússia e China fazem parte do quarteto Bric, todos empenhados em erradicar a miséria. Melhor sucedidos serão aqueles que antes liquidarem a corrupção.
Alberto Dines é jornalista
Por coincidência, na véspera, Dilma Rousseff, antiga adversária dentro do governo Lula, declarou solenemente ao lado de um ex-presidente da República (FHC): "A faxina é contra a miséria". A faxina mencionada pela presidente é contra a corrupção, mas a solenidade onde discursou foi o lançamento do Pacto Sudeste do programa Brasil sem Miséria. Estava armada a equação corrupção=miséria cujo corolário a eloquência de Marina Silva deu uma messiânica dimensão: miséria mata, corrupção também.
O fuzilamento da juíza Patrícia Acioli, que investigava a vinculação de PMs com as milícias em São Gonçalo, Estado do Rio, escancara o veloz up-grade dos quase inofensivos "crimes de colarinho branco" em bárbaras chacinas cometidas por usuários de boinas negras. O crime só se organiza em ambientes vulneráveis à corrupção. Manifesta-se inocentemente, logo assume a sua malignidade integral.
Consultorias "técnicas", lóbis para obter vantagens e vencer licitações parecem inocentes exercícios de enriquecimento, pseudo-empreendedorismo. Na verdade são a face desarmada de um sistema subversivo, sanguinário e selvagem, à margem do Estado e de seus códigos.
Miséria e corrupção constituem um monstro de duas cabeças, entidade siamesa, indivisível, que o ativista indiano Anna Hazare resolveu enfrentar, destemido e desarmado. Sua pregação cívica já empolgou milhões de indianos em diversos cantos do país. Sua principal reivindicação agora é a entronização da figura do ombudsman contra a corrupção em todos os níveis, a partir das aldeias.
A principal arma de Anna Hazare (aliás Kisan Baburao Hazare, 74 anos) é a greve de fome. Já fez várias desde 1991, sempre vitorioso. Morrer de fome na Índia é corriqueiro, sacrificar-se sem comer é uma arma política santificada, imbatível. Graças às ameaças de imolar-se Mohandas Gandhi, o Mahatma, encostou o colonizador britânico contra a parede e apressou a independência da Índia em 1947. Gandhi cunhou a expressão Satiagraha, firmeza na verdade (que no Brasil tornou-se caricatura de honestidade).
Hazare tem outras reivindicações (fim das castas, fortalecimento dos conselhos municipais, rigoroso controle de natalidade, combate ao alcoolismo, etc.), mas a corrupção é a sua principal inimiga. Para ele a gigantesca miséria indiana só acabará quando for interrompido o formidável desvio de dinheiro público para o bolso dos privilegiados. Chega ao extremo de pedir a pena de morte para os corruptos.
Hazare não está sozinho: na última greve de fome foi acompanhado por dezenas de ativistas, sua prisão na última semana provocou um protesto nacional. Foi libertado em seguida e já se prepara para outra. A Índia descobriu o seu verdadeiro carma. Uma ONG lançou um site I paid a bribe (eu paguei propina) onde o cidadão indica a repartição onde pagou propina e o seu valor. O site já publicou cerca de 12 mil episódios de corrupção em menos de um ano.
Brasil e Índia, junto com Rússia e China fazem parte do quarteto Bric, todos empenhados em erradicar a miséria. Melhor sucedidos serão aqueles que antes liquidarem a corrupção.
Alberto Dines é jornalista
domingo, 21 de agosto de 2011
O modelo precisa mudar (Suely Caldas)
Mais um ministro se vai sob suspeita de corrupção. Em oito meses de governo já foram três, e outros podem tomar rumo igual. Afinal, o que está acontecendo?
Nasceu ruim, foi piorando com o tempo e hoje se desintegra de podre o modelo de aliança política entre o Poder Executivo e sua base de apoio no Congresso Nacional para garantir a tal governabilidade. Se seguir seu mandato enfrentando a corrupção, a presidente Dilma Rousseff vai perder outros ministros, o Ministério inteiro, mas vai ficar no mesmo lugar, chovendo no molhado, se não mudar esse sistema de troca de favores, do toma lá dá cá para deputados e senadores cumprirem nada mais do que a sua obrigação: votar leis.
Demitir, punir corruptos é importante, faz parte do enfrentamento, mas não basta. É preciso dar um salto à frente, agir no plano institucional, criar normas e leis que moralizem (e normalizem) a convivência do Executivo com o Congresso. E que protejam os brasileiros de políticos desonestos que fazem da vida pública um trampolim de negócios, seja para seu próprio enriquecimento, seja para financiar campanhas eleitorais de seus partidos, vencerem eleições e seguir reforçando o trampolim para o próximo pleito.
Não precisa rotular de reforma política - expressão que apavora parlamentares ciosos em defender com unhas e dentes seus privilégios e vantagens. Um caminho seria separar o que pode ser mudado por simples ato administrativo, o que depende de um projeto de lei ou de uma emenda constitucional, tocar o barco nos três planos de decisão e começar a fechar as brechas por onde escorrega a corrupção.
O governo FHC foi bem-sucedido na estratégia do passo a passo, em ações separadas. Pena que seu alvo mirou apenas os abusos de gestão no Executivo federal, de governadores e prefeitos, e poupou o Congresso. Começou por mapear os ralos por onde escorria o dinheiro público e partiu para fechá-los. O maior deles eram os bancos estaduais, usados por governadores para fabricar dinheiro, emitindo títulos e expandindo a dívida do Estado. Quando uma eleição se aproximava, a emissão de títulos e a dívida disparavam. O Banco Central tratou de privatizar os bancos estaduais, tirando o brinquedo das mãos dos governadores.
Aí eles recorreram às Antecipações de Receita Orçamentária (AROs), com que pagavam dívidas que contraiam com bancos privados, pagando juros astronômicos. Regras restritivas - entre elas a obrigatoriedade de o pagamento do débito ser efetuado no mesmo ano e na própria gestão do tomador - levaram governadores a desistirem das AROs.
Outro ralo havia nas distribuidoras estaduais de energia elétrica, usadas politicamente para dar energia de graça a prefeituras aliadas ou vender energia para grandes empresas, com 70% de desconto e em contratos longos de fornecimento - de oito, dez anos de prazo -, desde que o pagamento fosse antecipado e à vista. Lógico, cabia ao próximo governador fornecer energia de graça ao comprador ao longo de dez anos. A solução foi cortar o mal pela raiz, privatizar as distribuidoras, tirando-as do poder de maus governantes.
Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mapeou todos os truques e espertezas de gestores públicos, enquadrou-os em restrições legais, como a limitação de endividamento e de contratação de funcionários, e conseguiu a proeza de organizar as contas e produzir superávits de governos estaduais e prefeituras antes cronicamente deficitários. Habituados a correr à Brasília oferecendo apoio político em troca de favores financeiros sempre que o cofre do Estado zerava, os governadores encontraram resistência em Fernando Henrique Cardoso, que não cedeu simplesmente porque o aparato legal passou a não mais permitir. Atualmente, praticamente todos os Estados exibem boa situação fiscal, sobra dinheiro para investimentos.
Cargos e verbas. O foco da corrupção, agora, está na relação entre o Executivo e seus aliados no Congresso, no aproveitamento ilícito dos cargos no governo, rateados entre os partidos, e no uso político do dinheiro liberado para emendas ao Orçamento feitas por parlamentares. As duas práticas não são novas. Vêm desde José Sarney na Presidência da República, que as estreou com enorme fartura para ampliar seu mandato de presidente.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento - os deputados envolvidos eram baixinhos -, em 1993, apurou 18 casos de emendas cujo dinheiro não chegou ao destino, sumiu. Seis deputados foram cassados e quatro renunciaram para não perderem direitos políticos. Para explicar seu inexplicável enriquecimento, um deles, João Alves (PDS-BA), afirmou ter ganho mais de 200 vezes na loteria. Hoje, a deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) sumiu com o dinheiro de uma emenda que seria aplicada em turismo no Amapá, e a Câmara de Deputados cruza os braços.
As emendas ao Orçamento cumprem a mesma função dos bancos estaduais: antecipam dinheiro para a campanha. Só que agora os beneficiados são o deputado e seus parceiros - ONGs (organizações não governamentais) e empresas fantasmas que atuam como intermediárias. Como a deputada do Amapá, outros também usam o dinheiro em suas campanhas eleitorais. O método é chantagear, ameaçar o Executivo, e o presidente acaba liberando a verba. Dilma Rousseff, por exemplo, acaba de autorizar R$ 1 bilhão para atender parlamentares.
As emendas são uma anomalia política que legaliza a fraude e incentiva a corrupção. Deputados e senadores jamais irão revogá-las espontaneamente. Uma CPI como a de 1993 ajudaria, mas a pressão da sociedade mobilizada numa campanha nacional nas ruas teria mais poder para fazer valer os interesses do País contra a esperteza dos parlamentares.
Quanto ao rateio de cargos entre aliados, corrigir o que está errado é mais fácil, porque a decisão está nas mãos do Poder Executivo, apenas. É certo que, num governo de aliança, é legítimo os partidos estarem representados na gestão. Mas há limites, o presidente não pode lotear o governo a torto e a direito, como fez Lula.
Se Dilma Rousseff persegue uma gestão séria e competente, ela precisa acertar com os partidos regras previamente definidas como: limites para indicações; cargo técnico é inegociável; o partido sugere nomes, mas a escolha é do presidente; todos os candidatos devem ter ficha limpa; e um aviso: irregularidades serão sumariamente punidas com perda do cargo
Nasceu ruim, foi piorando com o tempo e hoje se desintegra de podre o modelo de aliança política entre o Poder Executivo e sua base de apoio no Congresso Nacional para garantir a tal governabilidade. Se seguir seu mandato enfrentando a corrupção, a presidente Dilma Rousseff vai perder outros ministros, o Ministério inteiro, mas vai ficar no mesmo lugar, chovendo no molhado, se não mudar esse sistema de troca de favores, do toma lá dá cá para deputados e senadores cumprirem nada mais do que a sua obrigação: votar leis.
Demitir, punir corruptos é importante, faz parte do enfrentamento, mas não basta. É preciso dar um salto à frente, agir no plano institucional, criar normas e leis que moralizem (e normalizem) a convivência do Executivo com o Congresso. E que protejam os brasileiros de políticos desonestos que fazem da vida pública um trampolim de negócios, seja para seu próprio enriquecimento, seja para financiar campanhas eleitorais de seus partidos, vencerem eleições e seguir reforçando o trampolim para o próximo pleito.
Não precisa rotular de reforma política - expressão que apavora parlamentares ciosos em defender com unhas e dentes seus privilégios e vantagens. Um caminho seria separar o que pode ser mudado por simples ato administrativo, o que depende de um projeto de lei ou de uma emenda constitucional, tocar o barco nos três planos de decisão e começar a fechar as brechas por onde escorrega a corrupção.
O governo FHC foi bem-sucedido na estratégia do passo a passo, em ações separadas. Pena que seu alvo mirou apenas os abusos de gestão no Executivo federal, de governadores e prefeitos, e poupou o Congresso. Começou por mapear os ralos por onde escorria o dinheiro público e partiu para fechá-los. O maior deles eram os bancos estaduais, usados por governadores para fabricar dinheiro, emitindo títulos e expandindo a dívida do Estado. Quando uma eleição se aproximava, a emissão de títulos e a dívida disparavam. O Banco Central tratou de privatizar os bancos estaduais, tirando o brinquedo das mãos dos governadores.
Aí eles recorreram às Antecipações de Receita Orçamentária (AROs), com que pagavam dívidas que contraiam com bancos privados, pagando juros astronômicos. Regras restritivas - entre elas a obrigatoriedade de o pagamento do débito ser efetuado no mesmo ano e na própria gestão do tomador - levaram governadores a desistirem das AROs.
Outro ralo havia nas distribuidoras estaduais de energia elétrica, usadas politicamente para dar energia de graça a prefeituras aliadas ou vender energia para grandes empresas, com 70% de desconto e em contratos longos de fornecimento - de oito, dez anos de prazo -, desde que o pagamento fosse antecipado e à vista. Lógico, cabia ao próximo governador fornecer energia de graça ao comprador ao longo de dez anos. A solução foi cortar o mal pela raiz, privatizar as distribuidoras, tirando-as do poder de maus governantes.
Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mapeou todos os truques e espertezas de gestores públicos, enquadrou-os em restrições legais, como a limitação de endividamento e de contratação de funcionários, e conseguiu a proeza de organizar as contas e produzir superávits de governos estaduais e prefeituras antes cronicamente deficitários. Habituados a correr à Brasília oferecendo apoio político em troca de favores financeiros sempre que o cofre do Estado zerava, os governadores encontraram resistência em Fernando Henrique Cardoso, que não cedeu simplesmente porque o aparato legal passou a não mais permitir. Atualmente, praticamente todos os Estados exibem boa situação fiscal, sobra dinheiro para investimentos.
Cargos e verbas. O foco da corrupção, agora, está na relação entre o Executivo e seus aliados no Congresso, no aproveitamento ilícito dos cargos no governo, rateados entre os partidos, e no uso político do dinheiro liberado para emendas ao Orçamento feitas por parlamentares. As duas práticas não são novas. Vêm desde José Sarney na Presidência da República, que as estreou com enorme fartura para ampliar seu mandato de presidente.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento - os deputados envolvidos eram baixinhos -, em 1993, apurou 18 casos de emendas cujo dinheiro não chegou ao destino, sumiu. Seis deputados foram cassados e quatro renunciaram para não perderem direitos políticos. Para explicar seu inexplicável enriquecimento, um deles, João Alves (PDS-BA), afirmou ter ganho mais de 200 vezes na loteria. Hoje, a deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) sumiu com o dinheiro de uma emenda que seria aplicada em turismo no Amapá, e a Câmara de Deputados cruza os braços.
As emendas ao Orçamento cumprem a mesma função dos bancos estaduais: antecipam dinheiro para a campanha. Só que agora os beneficiados são o deputado e seus parceiros - ONGs (organizações não governamentais) e empresas fantasmas que atuam como intermediárias. Como a deputada do Amapá, outros também usam o dinheiro em suas campanhas eleitorais. O método é chantagear, ameaçar o Executivo, e o presidente acaba liberando a verba. Dilma Rousseff, por exemplo, acaba de autorizar R$ 1 bilhão para atender parlamentares.
As emendas são uma anomalia política que legaliza a fraude e incentiva a corrupção. Deputados e senadores jamais irão revogá-las espontaneamente. Uma CPI como a de 1993 ajudaria, mas a pressão da sociedade mobilizada numa campanha nacional nas ruas teria mais poder para fazer valer os interesses do País contra a esperteza dos parlamentares.
Quanto ao rateio de cargos entre aliados, corrigir o que está errado é mais fácil, porque a decisão está nas mãos do Poder Executivo, apenas. É certo que, num governo de aliança, é legítimo os partidos estarem representados na gestão. Mas há limites, o presidente não pode lotear o governo a torto e a direito, como fez Lula.
Se Dilma Rousseff persegue uma gestão séria e competente, ela precisa acertar com os partidos regras previamente definidas como: limites para indicações; cargo técnico é inegociável; o partido sugere nomes, mas a escolha é do presidente; todos os candidatos devem ter ficha limpa; e um aviso: irregularidades serão sumariamente punidas com perda do cargo
Indignai-vos! (ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA)
Faz três anos que o conheci.
Era verão na Provence e festejávamos o aniversário de um amigo. Ele lembrou seus 91 anos, serviu-me um copo de vinho, num gesto bíblico cortou o pão com as mãos e celebramos o bem viver, a amizade e o perfume de lavanda do verão provençal.
Quis saber se eu assistira a um filme chamado “Jules e Jim” — um cult da minha juventude — e se disse filho de uma mulher extraordinária. A personagem do filme, vivida por Jeanne Moreau, era sua mãe e com ela aprendera a amar e respeitar as mulheres.
Perguntava-se, angustiado, por que os jovens não se revoltavam contra um mundo tão injusto se até os prisioneiros dos campos de concentração se revoltavam. Stéphane Hessel, ele mesmo fugitivo de um campo nazista, último sobrevivente do grupo que redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano passado escreveu um pequeno livro, não mais que 13 páginas: “Indignai-vos!”
O resto da história é conhecido: milhões de exemplares vendidos, reedições em todas as línguas, escuta mundial. Acusados de não se interessar por política, enredados na internet, foram os jovens que ecoaram o apelo de um ancião que falava dos valores e esperanças que fizeram dele um resistente ao nazismo.
O eco veio das praças. Onde mais iriam esses jovens que já não se reconhecem no sistema político e que, na rede, não param de repetir esse desgosto? Não foram eles que abandonaram a política, foram os políticos que, perdendo autoridade moral, os abandonaram.
É na comparação com Hessel que David Cameron, primeiro-ministro inglês, preocupado em tirar do ar as redes sociais, parece ainda mais aturdido. Falta-lhe o sentimento do mundo que fez de Hessel, nonagenário, interlocutor da juventude. Falta-lhe a História vivida em primeira pessoa, ao pé da letra das convicções, exemplar.
Pensando que o vandalismo se combate tirando do ar as redes sociais, Cameron encarna a clássica piada do marido traído que resolve evitar o adultério tirando o sofá da sala.
A violência que incendiou a Inglaterra não tem a mesma seiva que alimenta a onda de protestos que perpassam os continentes. Pilhando os ícones do consumo de luxo os saqueadores ingleses subscrevem a lógica de um sistema econômico predatório, voraz , estimulador de uma competitividade selvagem, do cada um por si e todos contra todos — ninguém pelos mais fracos — que recria a selva e a seleção natural como ordem do mundo.
Como se surpreender que feras, famintas de tudo, estejam à solta nas ruas de Londres?
Os saques são o rebatimento no submundo da sociedade da escroquerie financeira que, por cima, inventa derivativos e saqueia a economia mundial e as economias de cada um, vangloriando- se de seu estilo agressivo.
Ninguém pensou em tirar do ar a internet quando nela circulavam os golpes de quem vive de produzir dívidas e cobrar por elas. Quando os bancos colapsam, e as falências se dão em castelos de cartas, a conta final vai para os Estados, logo, para nós todos. A crise, de fato, é esse sistema, desgovernado e impune, que já arruinou meia dúzia de países e ameaça destroçar outros tantos. A internet é só o sofá da sala.
Na contramão do quebra-quebra de Londres, no Cairo pede-se liberdade contra ditaduras corruptas, em Santiago educação de qualidade, em Tel Aviv mais políticas sociais e menos gastos militares, em Atenas e Madri o direito ao futuro. Nestes dias, em Bombaim, o fim da corrupção.
O denominador comum é um desejo insatisfeito de justiça quando a injustiça se apresenta como a ordem natural das coisas. Condenação da hipocrisiados que invocam leis que eles mesmos não respeitam, da democracia encenada como teatro do absurdo.
Os indignados não são uma ameaça à democracia, podem ser sua salvação. Como células-tronco, dão vida nova à política, esse tecido morto que hoje paralisa a democracia. "No hay crisis, es que ya no te quiero", dizem os jovens espanhóis.
Em Brasília, a presidente da República ataca a corrupção enfrentando a chantagem da ingovernabilidade. Governar não é dividir o butim. No Senado, Cristovam Buarque, fiel à sua biografia, lança uma frente pluripartidária pela ética. Pedro Simon, octogenário, convoca a sociedade. A OAB se movimenta. A UNE se cala. Esclerosada, não se lembra mais quem é. A indignação circula nas infovias que, como sabemos, fazem esquina com as ruas. A ética como política chega ao Brasil.
Moral da história: idosos rejuvenescem, acelerando o futuro. Hessel pode dormir tranquilo. A indignação que varre o mundo ressuscita os valores que inspiraram sua vida.
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.
Era verão na Provence e festejávamos o aniversário de um amigo. Ele lembrou seus 91 anos, serviu-me um copo de vinho, num gesto bíblico cortou o pão com as mãos e celebramos o bem viver, a amizade e o perfume de lavanda do verão provençal.
Quis saber se eu assistira a um filme chamado “Jules e Jim” — um cult da minha juventude — e se disse filho de uma mulher extraordinária. A personagem do filme, vivida por Jeanne Moreau, era sua mãe e com ela aprendera a amar e respeitar as mulheres.
Perguntava-se, angustiado, por que os jovens não se revoltavam contra um mundo tão injusto se até os prisioneiros dos campos de concentração se revoltavam. Stéphane Hessel, ele mesmo fugitivo de um campo nazista, último sobrevivente do grupo que redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano passado escreveu um pequeno livro, não mais que 13 páginas: “Indignai-vos!”
O resto da história é conhecido: milhões de exemplares vendidos, reedições em todas as línguas, escuta mundial. Acusados de não se interessar por política, enredados na internet, foram os jovens que ecoaram o apelo de um ancião que falava dos valores e esperanças que fizeram dele um resistente ao nazismo.
O eco veio das praças. Onde mais iriam esses jovens que já não se reconhecem no sistema político e que, na rede, não param de repetir esse desgosto? Não foram eles que abandonaram a política, foram os políticos que, perdendo autoridade moral, os abandonaram.
É na comparação com Hessel que David Cameron, primeiro-ministro inglês, preocupado em tirar do ar as redes sociais, parece ainda mais aturdido. Falta-lhe o sentimento do mundo que fez de Hessel, nonagenário, interlocutor da juventude. Falta-lhe a História vivida em primeira pessoa, ao pé da letra das convicções, exemplar.
Pensando que o vandalismo se combate tirando do ar as redes sociais, Cameron encarna a clássica piada do marido traído que resolve evitar o adultério tirando o sofá da sala.
A violência que incendiou a Inglaterra não tem a mesma seiva que alimenta a onda de protestos que perpassam os continentes. Pilhando os ícones do consumo de luxo os saqueadores ingleses subscrevem a lógica de um sistema econômico predatório, voraz , estimulador de uma competitividade selvagem, do cada um por si e todos contra todos — ninguém pelos mais fracos — que recria a selva e a seleção natural como ordem do mundo.
Como se surpreender que feras, famintas de tudo, estejam à solta nas ruas de Londres?
Os saques são o rebatimento no submundo da sociedade da escroquerie financeira que, por cima, inventa derivativos e saqueia a economia mundial e as economias de cada um, vangloriando- se de seu estilo agressivo.
Ninguém pensou em tirar do ar a internet quando nela circulavam os golpes de quem vive de produzir dívidas e cobrar por elas. Quando os bancos colapsam, e as falências se dão em castelos de cartas, a conta final vai para os Estados, logo, para nós todos. A crise, de fato, é esse sistema, desgovernado e impune, que já arruinou meia dúzia de países e ameaça destroçar outros tantos. A internet é só o sofá da sala.
Na contramão do quebra-quebra de Londres, no Cairo pede-se liberdade contra ditaduras corruptas, em Santiago educação de qualidade, em Tel Aviv mais políticas sociais e menos gastos militares, em Atenas e Madri o direito ao futuro. Nestes dias, em Bombaim, o fim da corrupção.
O denominador comum é um desejo insatisfeito de justiça quando a injustiça se apresenta como a ordem natural das coisas. Condenação da hipocrisiados que invocam leis que eles mesmos não respeitam, da democracia encenada como teatro do absurdo.
Os indignados não são uma ameaça à democracia, podem ser sua salvação. Como células-tronco, dão vida nova à política, esse tecido morto que hoje paralisa a democracia. "No hay crisis, es que ya no te quiero", dizem os jovens espanhóis.
Em Brasília, a presidente da República ataca a corrupção enfrentando a chantagem da ingovernabilidade. Governar não é dividir o butim. No Senado, Cristovam Buarque, fiel à sua biografia, lança uma frente pluripartidária pela ética. Pedro Simon, octogenário, convoca a sociedade. A OAB se movimenta. A UNE se cala. Esclerosada, não se lembra mais quem é. A indignação circula nas infovias que, como sabemos, fazem esquina com as ruas. A ética como política chega ao Brasil.
Moral da história: idosos rejuvenescem, acelerando o futuro. Hessel pode dormir tranquilo. A indignação que varre o mundo ressuscita os valores que inspiraram sua vida.
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.
Livro de Amado sobre Prestes vale apenas como curiosidade
OSCAR PILAGALLO
Escrito há quase 70 anos, o livro "O Cavaleiro da Esperança", de Jorge Amado (1912-2001), que volta ao mercado, não resistiu ao tempo.
Trata-se da biografia romanceada de Luís Carlos Prestes (1898-1990), escrita como peça para a campanha de anistia ao líder comunista. Em plena ditadura do Estado Novo, Prestes estava preso por seu protagonismo na frustrada tentativa de revolução no Brasil, em 1935.
Publicado originalmente em espanhol em 1942, quando Amado se encontrava exilado na Argentina, o livro teve circulação clandestina no Brasil até 1945.
Grande sucesso na época, "O Cavaleiro da Esperança" vale hoje apenas como curiosidade histórica.
A obra chega a ser didática ao mostrar como opera um autor engajado. Para bem servir à causa, ele afronta a forma e o conteúdo.
Em relação à estética, Amado lança mão do realismo socialista que vigorava na União Soviética.
Dirigindo-se a uma leitora imaginária, a quem chama de "amiga" ou "negra", ele despeja frases superlativas sobre o mito que ajuda a erguer.
Prestes emerge do relato como herói caricato. Estamos diante de alguém que é chamado de "estrela na noite negra, temporal do povo, raio na escuridão, vento noroeste que sacode a tirania". É como se Jorge Amado escrevesse ajoelhado.
O estilo em nada lembra os romances de costumes que, a partir do final dos anos 50, lhe garantiram o prestígio possível para um autor que sempre quis ser popular.
As primeiras obras de Amado são marcadas por sua militância comunista. Na ficção, porém, o autor nem sempre se dobrava aos interesses do partido, construindo personagens que não se enquadravam totalmente no modelo idealizado de proletário revolucionário.
Quanto ao conteúdo, não serve como fonte confiável de informação. É menos uma biografia do que um elogio.
Abstraindo-se a adjetivação hiperbólica, talvez o melhor seja a detalhada descrição da Coluna Prestes, que atravessou o Brasil nos anos 20 e contribuiu para criar as circunstâncias políticas que levaram à Revolução de 30.
O relato de outros episódios tem pouco a ver com o factual. O autor descreve o encontro com Olga com cores românticas, quando se sabe que a futura mulher de Prestes tinha sido designada pelo governo soviético para cuidar da segurança dele.
Em outro exemplo, Amado inocenta Prestes da responsabilidade pela morte da jovem Elza, companheira de um líder comunista e acusada de traição, quando estava patente que a ordem de execução partira dele.
O autor deixou o Partido Comunista depois da divulgação, em 1956, das atrocidades de Stálin, mas nunca renegou publicamente "O Cavaleiro da Esperança".
O mais próximo da autocrítica a que chegou foi a admissão, em 1979, de que a obra era ingênua. Ele tinha razão.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).
Escrito há quase 70 anos, o livro "O Cavaleiro da Esperança", de Jorge Amado (1912-2001), que volta ao mercado, não resistiu ao tempo.
Trata-se da biografia romanceada de Luís Carlos Prestes (1898-1990), escrita como peça para a campanha de anistia ao líder comunista. Em plena ditadura do Estado Novo, Prestes estava preso por seu protagonismo na frustrada tentativa de revolução no Brasil, em 1935.
Publicado originalmente em espanhol em 1942, quando Amado se encontrava exilado na Argentina, o livro teve circulação clandestina no Brasil até 1945.
Grande sucesso na época, "O Cavaleiro da Esperança" vale hoje apenas como curiosidade histórica.
A obra chega a ser didática ao mostrar como opera um autor engajado. Para bem servir à causa, ele afronta a forma e o conteúdo.
Em relação à estética, Amado lança mão do realismo socialista que vigorava na União Soviética.
Dirigindo-se a uma leitora imaginária, a quem chama de "amiga" ou "negra", ele despeja frases superlativas sobre o mito que ajuda a erguer.
Prestes emerge do relato como herói caricato. Estamos diante de alguém que é chamado de "estrela na noite negra, temporal do povo, raio na escuridão, vento noroeste que sacode a tirania". É como se Jorge Amado escrevesse ajoelhado.
O estilo em nada lembra os romances de costumes que, a partir do final dos anos 50, lhe garantiram o prestígio possível para um autor que sempre quis ser popular.
As primeiras obras de Amado são marcadas por sua militância comunista. Na ficção, porém, o autor nem sempre se dobrava aos interesses do partido, construindo personagens que não se enquadravam totalmente no modelo idealizado de proletário revolucionário.
Quanto ao conteúdo, não serve como fonte confiável de informação. É menos uma biografia do que um elogio.
Abstraindo-se a adjetivação hiperbólica, talvez o melhor seja a detalhada descrição da Coluna Prestes, que atravessou o Brasil nos anos 20 e contribuiu para criar as circunstâncias políticas que levaram à Revolução de 30.
O relato de outros episódios tem pouco a ver com o factual. O autor descreve o encontro com Olga com cores românticas, quando se sabe que a futura mulher de Prestes tinha sido designada pelo governo soviético para cuidar da segurança dele.
Em outro exemplo, Amado inocenta Prestes da responsabilidade pela morte da jovem Elza, companheira de um líder comunista e acusada de traição, quando estava patente que a ordem de execução partira dele.
O autor deixou o Partido Comunista depois da divulgação, em 1956, das atrocidades de Stálin, mas nunca renegou publicamente "O Cavaleiro da Esperança".
O mais próximo da autocrítica a que chegou foi a admissão, em 1979, de que a obra era ingênua. Ele tinha razão.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "A História do Brasil no Século 20" (Publifolha).
Escravidão com etiqueta (José de Souza Martins)
Todos fomos convencidos na escola de que a Lei Áurea pôs fim à escravidão. Não é o que revela blitz do Ministério do Trabalho em oficinas de confecção em São Paulo
O impacto de que há escravidão entre nós, na própria cidade de São Paulo e em municípios do interior paulista, pode ser medido pela repercussão do fato na internet e pelo incômodo de consciência que vem causando. Indústrias de confecção, terceirizadas de famosa marca internacional de roupas, foram flagradas violando a legislação trabalhista do País por utilizarem o trabalho clandestino de imigrantes bolivianos e peruanos, em regime análogo ao da escravidão. Há uma persistente anomalia em relações de trabalho de algumas de nossas atividades econômicas. Mas por aí se constata também nossa consciência difusa de iniquidades que persistem tanto tempo depois da Lei Áurea.
Todos fomos convencidos, na própria escola, de que a Lei Áurea pôs fim ao cativeiro e inaugurou uma era de trabalho livre. Trabalho livre quer dizer trabalho regulado por um contrato de trabalho entre iguais, com base em direitos trabalhistas fixados em lei, mediante pagamento de salário. As coisas não foram bem assim. A igualdade jurídica dos trabalhadores se impôs entre nós muito lentamente e estamos bem longe de tê-la universalizado. O próprio salário como pelo menos o mínimo necessário à reprodução do trabalhador e sua família não raro fica aquém desse limite de sobrevivência. O caso de agora, em São Paulo, é mais dessa sobre-exploração do trabalho: uma peça de roupa fabricada numa dessas oficinas custa na loja R$ 139 e o operário que a costura recebe por ela R$ 2. Para sobreviver, esse operário deve trabalhar pelo menos 12 horas por dia.
O que terminou, em 1888, com a Lei Áurea foi a escravidão negra, do escravo-coisa e mercadoria, objeto e propriedade de seu senhor, sujeito a castigo físico e comércio, semovente, equivalente dos animais de trabalho e tração. Mas não terminou o trabalho propriamente servil. Ainda no começo do século 20 Euclides da Cunha, em pequeno estudo, discorria sobre os meios de sujeição dos trabalhadores nos seringais da Amazônia, no chamado regime de peonagem, a escravidão por dívida. Algo próximo do que foi constatado em São Paulo nestes dias envolvendo duas oficinas terceirizadas de produção do vestuário do selo Zara. Essa empresa tem 50 terceirizadas no País e emprega 7 mil trabalhadores.
Após o fim da escravidão negra, o Brasil mal tem escondido a persistência desse tipo de cativeiro. Ocorrendo geralmente em fazendas de remotas regiões do País, ganham visibilidade apenas no noticiário ocasional, raramente sensibilizando a grande massa da população. Desde 1995, no início do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil tem um ativo e eficiente programa de combate à escravidão, que conseguiu reduzir significativamente o número de ocorrências. Mas a escravidão por dívida tem demonstrado notável capacidade de regeneração. Ela é o fundamento do chamado lucro extraordinário, aquele que excede em muito a taxa média de lucro. Geralmente, é prática de economias à margem da economia formal e organizada, em setores que por sua localização estão relativamente protegidos contra a fiscalização e protegidos também pelo uso de jagunços e pistoleiros. Cálculos feitos há alguns anos indicavam porcentagem relativamente alta de assassinatos de trabalhadores em casos de fuga, bem como casos graves de crueldade e tortura como meios de punir fugas de trabalhadores.
A novidade que vem crescendo entre nós é a da sobre-exploração do trabalho na indústria urbana, e mesmo o cativeiro. Não é de agora que a indústria dos países ricos recorre à mão de obra residente nos países pobres para pagar salários baixos por mercadorias que serão vendidas a preços de países ricos. As confecções estão entre as mercadorias que melhor se encaixam nessa lógica econômica. Na verdade, o Brasil está sendo alcançado pelo modelo asiático de relações de trabalho, os trabalhadores trabalhando praticamente pela mera subsistência ou até menos. A economia moderna há muito está à procura do trabalho puro, o trabalho sem trabalhador, algo que de fato representa um retrocesso em relação à própria escravidão, em que o escravo era tratado como bem precioso e, portanto, em tese e em termos relativos, até melhor do que as atuais vítimas da escravidão por dívida.
Em 2005, segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho, havia 12,3 milhões de pessoas no mundo sujeitas a trabalho forçado, especialmente no sul da Ásia e na África. Indústrias famosas de roupas e tênis têm sido denunciadas pela prática da escravidão na confecção de seus produtos em países pobres. Mas há também denúncias relativas à indústria de bolas de futebol e mesmo de tapetes, na Índia.
Geralmente, em todas as partes e aqui também, a terceirização das atividades produtivas tem sido um álibi utilizado por grandes empresas para livrarem-se das responsabilidades pela prática da escravidão em face da lei local. A responsabilidade acaba sendo transferida para o terceirizado.
José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP, é autor de Uma arqueologia da memória social (Ateliê Editorial 2011)
O impacto de que há escravidão entre nós, na própria cidade de São Paulo e em municípios do interior paulista, pode ser medido pela repercussão do fato na internet e pelo incômodo de consciência que vem causando. Indústrias de confecção, terceirizadas de famosa marca internacional de roupas, foram flagradas violando a legislação trabalhista do País por utilizarem o trabalho clandestino de imigrantes bolivianos e peruanos, em regime análogo ao da escravidão. Há uma persistente anomalia em relações de trabalho de algumas de nossas atividades econômicas. Mas por aí se constata também nossa consciência difusa de iniquidades que persistem tanto tempo depois da Lei Áurea.
Todos fomos convencidos, na própria escola, de que a Lei Áurea pôs fim ao cativeiro e inaugurou uma era de trabalho livre. Trabalho livre quer dizer trabalho regulado por um contrato de trabalho entre iguais, com base em direitos trabalhistas fixados em lei, mediante pagamento de salário. As coisas não foram bem assim. A igualdade jurídica dos trabalhadores se impôs entre nós muito lentamente e estamos bem longe de tê-la universalizado. O próprio salário como pelo menos o mínimo necessário à reprodução do trabalhador e sua família não raro fica aquém desse limite de sobrevivência. O caso de agora, em São Paulo, é mais dessa sobre-exploração do trabalho: uma peça de roupa fabricada numa dessas oficinas custa na loja R$ 139 e o operário que a costura recebe por ela R$ 2. Para sobreviver, esse operário deve trabalhar pelo menos 12 horas por dia.
O que terminou, em 1888, com a Lei Áurea foi a escravidão negra, do escravo-coisa e mercadoria, objeto e propriedade de seu senhor, sujeito a castigo físico e comércio, semovente, equivalente dos animais de trabalho e tração. Mas não terminou o trabalho propriamente servil. Ainda no começo do século 20 Euclides da Cunha, em pequeno estudo, discorria sobre os meios de sujeição dos trabalhadores nos seringais da Amazônia, no chamado regime de peonagem, a escravidão por dívida. Algo próximo do que foi constatado em São Paulo nestes dias envolvendo duas oficinas terceirizadas de produção do vestuário do selo Zara. Essa empresa tem 50 terceirizadas no País e emprega 7 mil trabalhadores.
Após o fim da escravidão negra, o Brasil mal tem escondido a persistência desse tipo de cativeiro. Ocorrendo geralmente em fazendas de remotas regiões do País, ganham visibilidade apenas no noticiário ocasional, raramente sensibilizando a grande massa da população. Desde 1995, no início do governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil tem um ativo e eficiente programa de combate à escravidão, que conseguiu reduzir significativamente o número de ocorrências. Mas a escravidão por dívida tem demonstrado notável capacidade de regeneração. Ela é o fundamento do chamado lucro extraordinário, aquele que excede em muito a taxa média de lucro. Geralmente, é prática de economias à margem da economia formal e organizada, em setores que por sua localização estão relativamente protegidos contra a fiscalização e protegidos também pelo uso de jagunços e pistoleiros. Cálculos feitos há alguns anos indicavam porcentagem relativamente alta de assassinatos de trabalhadores em casos de fuga, bem como casos graves de crueldade e tortura como meios de punir fugas de trabalhadores.
A novidade que vem crescendo entre nós é a da sobre-exploração do trabalho na indústria urbana, e mesmo o cativeiro. Não é de agora que a indústria dos países ricos recorre à mão de obra residente nos países pobres para pagar salários baixos por mercadorias que serão vendidas a preços de países ricos. As confecções estão entre as mercadorias que melhor se encaixam nessa lógica econômica. Na verdade, o Brasil está sendo alcançado pelo modelo asiático de relações de trabalho, os trabalhadores trabalhando praticamente pela mera subsistência ou até menos. A economia moderna há muito está à procura do trabalho puro, o trabalho sem trabalhador, algo que de fato representa um retrocesso em relação à própria escravidão, em que o escravo era tratado como bem precioso e, portanto, em tese e em termos relativos, até melhor do que as atuais vítimas da escravidão por dívida.
Em 2005, segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho, havia 12,3 milhões de pessoas no mundo sujeitas a trabalho forçado, especialmente no sul da Ásia e na África. Indústrias famosas de roupas e tênis têm sido denunciadas pela prática da escravidão na confecção de seus produtos em países pobres. Mas há também denúncias relativas à indústria de bolas de futebol e mesmo de tapetes, na Índia.
Geralmente, em todas as partes e aqui também, a terceirização das atividades produtivas tem sido um álibi utilizado por grandes empresas para livrarem-se das responsabilidades pela prática da escravidão em face da lei local. A responsabilidade acaba sendo transferida para o terceirizado.
José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP, é autor de Uma arqueologia da memória social (Ateliê Editorial 2011)
Indignai-vos!
“Em Brasília, a presidente da República ataca a corrupção enfrentando a chantagem da ingovernabilidade. Governar não é dividir o butim. No Senado, Cristovam Buarque, fiel à sua biografia, lança uma frente pluripartidária pela ética. Pedro Simon, octogenário, convoca a sociedade. A OAB se movimenta. A UNE se cala. Esclerosada, não se lembra mais quem é. A indignação circula nas infovias que, como sabemos, fazem esquina com as ruas. A ética como política chega ao Brasil.”
Rosika Darcy de Oliveira, escritora. Indignai-vos! O Globo, 20/8/2011.
Rosika Darcy de Oliveira, escritora. Indignai-vos! O Globo, 20/8/2011.
Dilma e a faxina de Mickey Mouse (Rudolfo Lago)
“A limpeza de Dilma pode estar saindo de seu controle. Algo parecido com o que aconteceu com Mickey no Aprendiz de Feiticeiro, quando as vassouras adquiriram vida própria”
Na segunda-feira (15), a semana começou com nuvens de chumbo para a cúpula do PMDB. As novas denúncias que vieram na imprensa contra o agora ex-ministro Wagner Rossi e contra o ministro do Turismo, Pedro Novais, levavam os peemedebistas a imaginar que a presidenta Dilma ia operar um triplo strike no seu Ministério. Demitiria Rossi, Novais, e afastaria ainda Romero Jucá da liderança do governo no Senado – foi o irmão de Jucá, Oscar Jucá Filho, o Jucazinho, que fez as primeiras denúncias contra o Ministério da Agricultura em entrevista à revista Veja.
À noite, porém, o clima melhorou um bocado. Dilma teve um encontro com líderes do PMDB e do PT e, segundo o líder peemedebista na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), “conversou sobre política”. A conversa teria, ainda segundo Henrique Eduardo Alves, inaugurado “um novo período no governo”. Não saíram Rossi nem Novais nem Jucá. E o governo ainda prometeu a liberação de umas emendinhas ao orçamento para adoçar a boca dos parlamentares insatisfeitos.
Na terça-feira, parecia a todos que as coisas tinham se acalmado na relação entre Dilma e sua base de sustentação política. A demissão de Wagner Rossi no início da tarde de quarta-feira trouxe de novo as nuvens cinzas de chumbo para o ambiente político, nesta época de seca em Brasília em que nem reza brava é capaz de promover alguma chuvinha.
Dizem que Dilma chorou ao ouvir de Wagner Rossi seu pedido de demissão. Deve ser verdade. Ela, ao que parece, não pretendia demiti-lo. Além disso, é bem provável que a essa altura Dilma saiba os efeitos políticos que isso pode ter. A “faxina” de Dilma parece estar saindo de seu controle. Algo parecido com o que aconteceu com Mickey Mouse, no episódio Aprendiz de Feiticeiro do célebre desenho animado Fantasia, de Walt Disney: as vassouras ganharam vida e começaram a fazer a “faxina” sozinhas, com uma intensidade muito maior do que Mickey gostaria, ou pretendia.
As prisões no Ministério do Turismo foram já o primeiro capítulo da rebelião das vassouras. Dilma afirma que não sabia da Operação Voucher (não teria sido a primeira vez que um presidente reclama de não saber de uma operação da PF, Lula também não soube da Satiagraha). As prisões com o uso de algemas foram criticadas no Palácio do Planalto, e o ministro José Eduardo Cardozo chegou a tentar, em vão, que a PF reconhecesse que houve excessos.
A saída de Wagner Rossi foi outro capítulo dessa rebelião das vassouras na faxina ética de Dilma. O ex-ministro da Agricultura pediu demissão depois que a Polícia Federal resolveu abrir investigação sobre as denúncias contra a sua pasta. A entrada da PF na investigação significa o início de uma etapa em que as denúncias não mais serão “notícias da imprensa”, mas ganharão uma chancela oficial. Além disso, passam concretamente a significar o risco de um final como o do Turismo, com gente algemada e fotografada sem camisa em frente a um número, como os irmãos Metralha, em mais uma citação a Walt Disney.
E, seguindo a rebelião das vassouras, há a leitura política das denúncias e dos fatos posteriores. Na sua carta de demissão, Wagner Rossi aponta o dedo para um “político” que seria o responsável pela publicação das denúncias. Alguém que, segundo ele, seria o único capaz de pautar a revista Veja e a Folha de São Paulo por semanas com “mentiras que não se sustentam”. Wagner Rossi, na avaliação de dez entre dez políticos ontem em Brasília, estava se referindo a José Serra.
Mas se na carta ele atirava contra alguém da oposição, nos bastidores os peemedebistas falavam em fogo amigo. Algumas denúncias eram atribuídas ao PT. E lembrava-se que o chefe da Polícia Federal é o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. E Cardozo é um político do PT de São Paulo, mesmo estado de Wagner Rossi. Na Operação Voucher, que prendeu a turma do Ministério do Turismo, sobrou para o ex-presidente da Embratur Mário Moisés. Petista, Moisés é ligado à senadora Marta Suplicy, adversária interna de Cardozo no PT. Agora, diziam os peemedebistas, a nova investigação da PF miraria no PMDB de São Paulo. Rossi é ligado ao vice-presidente Michel Temer.
Assim, as nuvens que se dissiparam na segunda-feira voltaram com força ao cenário político de Brasília. Num governo em estado de crise permanente, ninguém confia em ninguém.
Fonte: Congresso em Foco
Na segunda-feira (15), a semana começou com nuvens de chumbo para a cúpula do PMDB. As novas denúncias que vieram na imprensa contra o agora ex-ministro Wagner Rossi e contra o ministro do Turismo, Pedro Novais, levavam os peemedebistas a imaginar que a presidenta Dilma ia operar um triplo strike no seu Ministério. Demitiria Rossi, Novais, e afastaria ainda Romero Jucá da liderança do governo no Senado – foi o irmão de Jucá, Oscar Jucá Filho, o Jucazinho, que fez as primeiras denúncias contra o Ministério da Agricultura em entrevista à revista Veja.
À noite, porém, o clima melhorou um bocado. Dilma teve um encontro com líderes do PMDB e do PT e, segundo o líder peemedebista na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), “conversou sobre política”. A conversa teria, ainda segundo Henrique Eduardo Alves, inaugurado “um novo período no governo”. Não saíram Rossi nem Novais nem Jucá. E o governo ainda prometeu a liberação de umas emendinhas ao orçamento para adoçar a boca dos parlamentares insatisfeitos.
Na terça-feira, parecia a todos que as coisas tinham se acalmado na relação entre Dilma e sua base de sustentação política. A demissão de Wagner Rossi no início da tarde de quarta-feira trouxe de novo as nuvens cinzas de chumbo para o ambiente político, nesta época de seca em Brasília em que nem reza brava é capaz de promover alguma chuvinha.
Dizem que Dilma chorou ao ouvir de Wagner Rossi seu pedido de demissão. Deve ser verdade. Ela, ao que parece, não pretendia demiti-lo. Além disso, é bem provável que a essa altura Dilma saiba os efeitos políticos que isso pode ter. A “faxina” de Dilma parece estar saindo de seu controle. Algo parecido com o que aconteceu com Mickey Mouse, no episódio Aprendiz de Feiticeiro do célebre desenho animado Fantasia, de Walt Disney: as vassouras ganharam vida e começaram a fazer a “faxina” sozinhas, com uma intensidade muito maior do que Mickey gostaria, ou pretendia.
As prisões no Ministério do Turismo foram já o primeiro capítulo da rebelião das vassouras. Dilma afirma que não sabia da Operação Voucher (não teria sido a primeira vez que um presidente reclama de não saber de uma operação da PF, Lula também não soube da Satiagraha). As prisões com o uso de algemas foram criticadas no Palácio do Planalto, e o ministro José Eduardo Cardozo chegou a tentar, em vão, que a PF reconhecesse que houve excessos.
A saída de Wagner Rossi foi outro capítulo dessa rebelião das vassouras na faxina ética de Dilma. O ex-ministro da Agricultura pediu demissão depois que a Polícia Federal resolveu abrir investigação sobre as denúncias contra a sua pasta. A entrada da PF na investigação significa o início de uma etapa em que as denúncias não mais serão “notícias da imprensa”, mas ganharão uma chancela oficial. Além disso, passam concretamente a significar o risco de um final como o do Turismo, com gente algemada e fotografada sem camisa em frente a um número, como os irmãos Metralha, em mais uma citação a Walt Disney.
E, seguindo a rebelião das vassouras, há a leitura política das denúncias e dos fatos posteriores. Na sua carta de demissão, Wagner Rossi aponta o dedo para um “político” que seria o responsável pela publicação das denúncias. Alguém que, segundo ele, seria o único capaz de pautar a revista Veja e a Folha de São Paulo por semanas com “mentiras que não se sustentam”. Wagner Rossi, na avaliação de dez entre dez políticos ontem em Brasília, estava se referindo a José Serra.
Mas se na carta ele atirava contra alguém da oposição, nos bastidores os peemedebistas falavam em fogo amigo. Algumas denúncias eram atribuídas ao PT. E lembrava-se que o chefe da Polícia Federal é o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. E Cardozo é um político do PT de São Paulo, mesmo estado de Wagner Rossi. Na Operação Voucher, que prendeu a turma do Ministério do Turismo, sobrou para o ex-presidente da Embratur Mário Moisés. Petista, Moisés é ligado à senadora Marta Suplicy, adversária interna de Cardozo no PT. Agora, diziam os peemedebistas, a nova investigação da PF miraria no PMDB de São Paulo. Rossi é ligado ao vice-presidente Michel Temer.
Assim, as nuvens que se dissiparam na segunda-feira voltaram com força ao cenário político de Brasília. Num governo em estado de crise permanente, ninguém confia em ninguém.
Fonte: Congresso em Foco
Assinar:
Postagens (Atom)