O partido nasceu
social-democrata não apenas no nome, mas na convicção de que faltavam políticas
universais que incorporassem os cidadãos brasileiros ao universo dos direitos
sociais previstos na Constituição de 1988; nasceu também crítico ao estatismo e
ao protecionismo do Estado autoritário, exacerbados no período Geisel, que
deixavam a economia encalhada à margem da nova dinâmica da economia global;
nasceu igualmente antagônico à tradição patrimonialista e clientelista
brasileira, que nos primeiros anos da democracia redobrou suas forças.
No governo FHC esse
ideário ganhou expressão concreta. Venceu-se a crônica e grave enfermidade da
hiperinflação, sem o que todo direito social previsto em lei não passaria de
letra morta. Romperam-se monopólios estatais que estrangulavam o investimento
em áreas-chave da economia brasileira e se estabeleceram regimes de competição
regulada. Os resultados foram não menos que extraordinários nas áreas de
telecomunicações e petróleo e gás. O acesso à educação fundamental
generalizou-se, com o Fundef, estruturou-se o Sistema Único de Saúde e os
programas de saúde da família tornaram-se realidade. O patrimonialismo e o
clientelismo encontram freios institucionais na criação de agências
reguladoras, na extinção da Legião Brasileira de Assistência, na implantação
dos programas de transferência condicionada de renda, origem do Bolsa-Família.
Qual o sentido
político de recordar agora esse passado aparentemente distante? Em primeiro
lugar, porque nenhuma organização, assim como nenhum indivíduo, pode saber
aonde vai se não sabe de onde veio. Nesse percurso o PSDB perdeu a identidade e
se não a recuperar corre o risco de perder a relevância ante novos competidores
pelo mesmo espaço político. Em segundo lugar, porque a matriz formada nos
governos de Fernando Henrique Cardoso é a base a partir da qual o PSDB pode
despregar estigmas que lhe foram atribuídos pela máquina de propaganda petista
e lançar um programa consistente de oposição ao modelo de governo e poder que
aí está. Essa matriz se formou pela integração nem sempre simples entre o
melhor do pensamento e da formulação de políticas públicas produzidos nos anos
80/90. Originou-se ali um híbrido fértil com componentes liberais e
social-democratas, devidamente "tropicalizados".
O estigma de
"neoliberal" é produto de doses maciças de dogmatismo ideológico,
oportunismo político e/ou desonestidade intelectual. Não corresponde à
realidade de um governo que fortaleceu a presença estatal e aumentou o gasto
público no ensino fundamental, na saúde, na assistência social, além de
conduzir um amplo programa de reforma agrária. O mesmo se pode dizer em relação
às privatizações e concessões de obras e serviços públicos. Onde estaria a
"sanha privatista" de um governo que manteve a Petrobrás sob controle
estatal, submetendo-a, isso sim, a um regime de competição regulada, e
fortalecendo-a enquanto verdadeira companhia pública?
Os governos de Lula e
Dilma têm méritos. O maior deles é o terem aproveitado e, em alguns casos,
aprimorado e expandido instituições e programas criados nos governos
anteriores, em especial nos de Fernando Henrique Cardoso, para promover a
ascensão de milhões de brasileiros a patamares mais elevados de renda e consumo
e a horizontes mais largos de realização pessoal e familiar. Houve também
inovação nessa área, a exemplo do ProUni. Aplausos. Mas essas conquistas não
estão consolidadas e tampouco são propriedade dos governos petistas. Além
disso, não teriam sido possíveis sem as condições internacionais
extraordinariamente favoráveis que prevaleceram até 2008 e mesmo após a crise
internacional. Houve alguma virtù e muita fortuna.
Embora os rendimentos
políticos da acelerada mobilidade social dos últimos anos continuem a fluir
para o governo, os fatores econômicos que a impulsionaram já esbarram em
limites importantes. Ante os riscos de perder seu imenso capital político e as
dificuldades de buscar novos caminhos, não raro por dogmatismo ideológico e/ou
ineficiência operacional, o atual governo insiste em medidas circunstanciais de
estímulo ao consumo, sem pesar seus efeitos colaterais negativos, que vão do
fiscal ao ambiental e podem vir a ser de natureza inflacionária também.
Enredado em suas
próprias amarras, o governo debate-se num ativismo estéril e perigoso, como se
vê na forma atabalhoada e arbitrária como articulou um objetivo meritório e
pontual - a redução do custo da energia - com a questão muito mais ampla do
marco regulatório do setor elétrico. Nada se compara, porém, ao desastre que se
está produzindo no setor de petróleo e gás por força da irresponsável e
ideológica mudança do regime regulatório para a exploração do pré-sal. Sobre o
tema recomendo a leitura do excelente artigo de Adriano Pires na edição de
26/11 (B2) deste jornal.
Um programa de
oposição não pode deixar de mostrar o vínculo profundo que existe entre a
incapacidade operacional do governo e a infestação do aparelho do Estado por
gentes sem qualificação técnica e sem independência profissional para
resguardar o interesse público. O mais novo e recente escândalo, desta vez
envolvendo a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo,
apaniguada do ex-presidente Lula, com poderes para indicar diretores de
agências reguladoras e dispor de passaporte diplomático, revela a que ponto
chegamos!
O País clama por uma
oposição à altura dos desafios e oportunidades que o quadro político apresenta.
Ou o PSDB se ergue ou se condena à irrelevância. É agora ou jamais.
Sergio Fausto, Diretor
Executivo do IFHC, é membro do GACINT-USP.
Fonte: O Estado de S.Paulo (29/11/12)
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