É preciso tempo e estudos mais detalhados para se comprovar o fenômeno da
renovação política que teria ocorrido nas eleições municipais de 2012. Como
escreveu Fernando Henrique Cardoso em seu artigo do último domingo, publicado
em "O Globo" e no "Estado de S. Paulo", ser jovem não
assegura necessariamente ser "portador de mensagem renovadora".
Na safra de jovens eleitos ou que despontaram nas eleições, alguns são
legítimos representantes de oligarquias há longo tempo assentadas. O exemplo
mais evidente é o de Antônio Carlos Magalhães Neto, 33 anos, herdeiro político
do velho ACM, morto em 2007.
ACM, o avô, fez da truculência a sua marca. O melhor exemplo nem é o de sua
famosa briga com o paraense Jader Barbalho, que acabou com a renúncia dos dois
ao mandato que exerciam no Senado. É a cena do "dono da Bahia"
atravessando a rua que separa o Congresso do Palácio do Planalto para
"peitar" FHC: O presidente decidira intervir no antigo Banco
Econômico.
As lições eleitorais de 2012 e seus signos para 2014
Oligarca, patrimonialista, ACM no entanto sempre teve a faculdade de
escolher bons quadros: fez sucessores no governo da Bahia, técnicos como o
ex-governador Paulo Souto, que deixaram o cargo bem avaliados.
ACM Neto não deve ser julgado desde já pelo que o avô tinha de antigo, nem
pelo que os "modernos" julgavam um bom faro para escolher nomes novos
para a política baiana, desde que fiéis. Isso quem dirá é o próprio Neto, cujas
dificuldades à frente não são poucas: ele assume a Prefeitura de Salvador por
um partido de oposição e enormes problemas financeiros.
Outro nome comemorado como novo é o de Gustavo Fruet (PDT), mas ele também
descende de uma família política: é filho de Maurício Fruet, ex-vereador,
deputado estadual, deputado federal e ex-prefeito de Curitiba (1983-1986).
Morreu em 1998 a pouco mais de um mês da eleição, quando era novamente
candidato a deputado federal, e foi substituído pelo filho.
No Congresso, Gustavo Fruet é considerado um político ético e moderno. Mas
só a prática na Prefeitura de Curitiba (PR), para a qual foi eleito agora, aos
49 anos, dirá se sua eleição significa também renovação na política. Renovação
de métodos e das práticas sobre as quais o eleitor demonstra cansaço. Por uma
questão local, Fruet começou sua escalada rumo à prefeitura à moda antiga:
trocando de partido. Em seu favor diga-se que sua candidatura foi abatida por
um acordo não cumprido pelo governador tucano do Paraná, Beto Richa - filho de
um dos fundadores do PSDB, José Richa.
Aos 43 anos, o prefeito do Rio é jovem, mas tem uma fieira de partidos no
currículo. Foi inclusive secretário-geral do PSDB, ou seja, um tucano daqueles
que se dizem de "alta plumagem", e tem pela frente um futuro
promissor, desde que a Copa do Mundo e a Olimpíada do Rio, em 2016, sejam um
sucesso.
Ratinho Junior (PSC), 31 anos, perdeu a eleição em Curitiba para Fruet, no
segundo turno, mas é considerado outro exemplo da renovação. Talvez mais
apropriado seja dizer que se enquadra na categoria dos chamados
"candidatos de mídia". No caso, recebeu a herança política do pai,
apresentador famoso de televisão e ex-deputado federal.
Nessa categoria - "candidato de mídia" - também deve ser
enquadrado Celso Russomano (PRB), já não tão novo, aos 56 anos e um bom tempo
de estrada, mas uma alternativa diferente à polarização PT-PSDB, em São Paulo.
Russomano só não seguiu em frente por tropeçar nas próprias pernas e comprovar
uma desconfiança: não estava ainda pronto para governar uma cidade como São
Paulo. E suas alianças representavam o que há de mais antigo em política.
O PSDB comemorou os cerca de 30% obtidos por um candidato "quase
clandestino" no Recife, Daniel Pires Coelho, de 34 anos. Ele obteve quase
o dobro dos votos do candidato do PT. À primeira vista parecia um integrante do
clã dos Coelho, que se espalha pelas duas margens do Rio São Francisco. Não é.
Mas seu pai foi vereador, deputado estadual bem votado e candidato a prefeito
do Recife derrotado por Jarbas Vasconcelos, hoje senador do PMDB.
Os tucanos comemoraram como renovação a vitória de Arthur Virgílio Neto em
Manaus, capital do Amazonas. Aos 65 anos, Arthur já foi prefeito de Manaus
entre 1989 e 1993. Na realidade, a vitória do PSDB parece mais revanche contra
Lula, que se empenhou para derrotá-lo na eleição para o Senado, em 2010, e para
prefeito, agora em 2012.
Renovação efetiva parece ocorrer em São Paulo, uma necessidade diante da
queda da antiga cúpula do PT no escândalo do mensalão. Ainda assim será
necessário ponderar o peso da popularidade do ex-presidente Lula e da atual
aprovação da presidente Dilma Rousseff na eleição de Fernando Haddad, na
capital do Estado, e na passagem de Márcio Pochmann, ex-presidente do Ipea,
para o segundo turno, na eleição de Campinas. Os dois eram neofitos em campanha
eleitoral.
Em 2006 novos eram os governadores de Minas Gerais, Aécio Neves, e de
Pernambuco, Eduardo Campos, embora ambos disputassem a reeleição, sem falar de
Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro.
Minas cantou vitória sobre o déficit público (o déficit zero) e fez o choque
de gestão; em Pernambuco, Eduardo enfrentou os sindicalistas, contratou
gestores profissionais para administrar os hospitais e uma fundação privada
para elaborar um modelo para a educação. Cabral, cujo crédito era alto no
combate à violência, perdeu-se nos desvãos da construtora Delta. Por enquanto,
Eduardo e Aécio são o novo para as eleições de 2014.
Além da renovação, a eleição de 2012 é rica de casos merecedores de maior
atenção dos estudiosos. Chega a lembrar a eleição de 1974, o primeiro
indicativo da sociedade para a ditadura militar. Algo como "vocês podem
muito mas não podem tudo". Ainda não há cálculos precisos, mas os partidos
falam em elevada renovação nas câmaras municipais. Outro indicador que deixou
surpreso os dirigentes partidários: cerca de 55% dos prefeitos que concorreram
à reeleição não conseguiram se manter no cargo. Foram trocados.
Fonte: Valor Econômico (06/11/12)
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