quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A metamorfose que a oposição não viu (Suely Caldas)

"Afinal, deputado, a herança é maldita ou bendita?" Dirigida ao então deputado do PT e hoje ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, a pergunta foi por ele repetida minutos depois, de forma bem-humorada, o que descontraiu e arrancou risos da plateia formada por um grupo de sisudos empresários reunidos em evento de premiação da Agência Estado. O ano era 2003, início do governo Lula. A "herança" era o legado de oito anos do governo FHC, satanizado pelo PT na campanha eleitoral do ano anterior. Os personagens eram, de um lado, empresários desconfiados e inseguros com o que poderia vir do governo Lula e, de outro, Paulo Bernardo, um ex-dirigente sindical do Paraná que, junto com o ex-ministro Antonio Palocci, fora escalado por Lula para desfazer a imagem do PT incendiário, do "sou contra tudo isso que está aí", do partido sem proposta para governar.

Os anos passaram. Bernardo tornou-se ministro do Planejamento pouco depois e, junto com Palocci, completou com eficiência a travessia da ponte de um PT socialista e incendiário para a realidade da economia capitalista (que o digam os banqueiros, que nunca lucraram tanto). A "herança", que o PT carimbou de "maldita" nos anos de FHC, acabou "bendita" e muito bem-vinda, tal a rapidez com que o governo petista a incorporou. E Lula não reviu nenhuma das privatizações de FHC, como havia prometido na campanha em 2002.

O País todo assistiu a essa metamorfose petista e, com o tempo, foi se habituando a ela. Hoje, os mais jovens chegam a atribuir à Lula realizações de FHC, como derrubar a inflação e criar programas de transferência de renda. Nestes quase dez anos de gestão do PT, os maiores ausentes nessa metamorfose foram os partidos de oposição, sobretudo o PSDB, justamente quem deveria ter todo o interesse em denunciá-la. Foi no vácuo do silêncio, da omissão, do recuo, atuando a reboque ou na retranca, nunca no ataque, e com enorme incompetência política que esses partidos deixaram prosperar a ideia do "nunca antes na história deste país", de que o Brasil bem-sucedido começou com Lula.

Após dez anos e três derrotas eleitorais para a Presidência, eles acordaram do sono letárgico e prometem recapturar feitos do governo FHC, entre eles a privatização. Como disse o ex-governador tucano Alberto Goldman ao repórter deste jornal João Domingos: "Nosso desafio é mostrar que fomos tão vitoriosos que se apropriaram de nossas ideias como se fossem deles". E acrescenta sobre a privatização: "Só foram perceber com dez anos de atraso, o que causou um prejuízo imenso para o Brasil".

Aí está um tema em que a oposição, com armas e razão à mão, foi derrotada por um adversário desarmado e sem lógica. A realidade provou que a privatização nada tem de ideológico, como tentou enganar o PT no passado, e agora se rende: vai privatizar aeroportos, portos, estradas e ferrovias. A privatização é simplesmente a única saída para um país que não pode mais aumentar impostos, arrecada muito, gasta mal, desperdiça, não tem dinheiro para aplicar em infraestrutura e precisa investir, crescer e se desenvolver. E mais: economiza dinheiro público, ao tirar dos políticos meios para fazerem proliferar mensalões e distribuição de cargos públicos. E mais: produz benefícios para a população com geração de empregos, renda e progresso econômico.

Apenas dois exemplos para ilustrar:

Vale: antes de privatizada, em 1997, a Vale era a 20.ª produtora de minério de ferro do mundo; hoje é a 2.ª e a maior empresa privada da América Latina. Em 54 anos como estatal, investiu US$ 27 bilhões; em 15 anos privada, quadruplicou esse valor. Seus 11 mil empregados de estatal saltaram para mais de 100 mil. Entre impostos e taxas, em 15 anos a Vale recolheu ao governo 700% mais do que nas cinco décadas de estatal.

Telebrás: o benefício da privatização é ainda mais expressivo e visível para a população pobre, que hoje possui telefone próprio. Em 1998, quando a Telebrás foi privatizada, o País tinha 24,5 milhões de telefones. Hoje, só de celulares, tem 250 milhões.

Só a oposição não vê isso.

Jornalista e professora da PUC-Rio.

Fonte: O Estado de S. Paulo, 18/11/2012

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