Esse é o título de um artigo que me
encomendou a Fundação Herbert Daniel. Resolvi levar a proposta ao pé da letra e
destaquei o Brasil que saiu das urnas: eleitores que votaram nulo ou declararam
em pesquisas que só votaram porque era obrigatório. Não só em São Paulo, como
em todo o Brasil, muita gente deu as costas para a política. Aos partidos só
interessa contabilizar os ganhos. Mas o crescimento da abstenção enfraquece o
processo político.
Um dos fatores de desencanto com a política é
a corrupção. Mas não só ela deve ser focada. O julgamento do mensalão no STF é
uma semente de confiança cujos frutos ainda não foram de todo colhidos. Esta
semana o STF julgou também se o amianto deveria ser proibido. O Congresso
Nacional não se manifestou sobre o tema. Havia projeto e inúmeras audiências
foram realizadas, até com especialista estrangeiros. A maioria não se
interessou.
O declínio da política se expressa ainda nas
questões que são decididas pela Justiça, pois os congressistas não querem
abordá-las. Sem desmerecer o esforço do STF, o amianto é um tema político, pois
transcende a proibição. Implica definição do phase-out, o tempo para
desmobilizar a indústria existente, e recursos para transitar rumo a outras
atividades econômicas. Muitas questões minoritárias têm sido transferidas para
o STF. E alguns líderes desses movimentos consideram isso positivo, com o
argumento de que o Congresso é conservador, logo, são maiores as chances de
vitória entre os ministros do STF.
Não importa se o Congresso é ou não
conservador. As questões precisam passar por seu crivo, pois os eleitos foram
escolhidos para isso: é a democracia. Os dois elementos combinados, corrupção e
ausência do Congresso, contribuem para enfraquecer a legitimidade do processo
político.
O programa Brasil sem Miséria está sofrendo
com desvios em várias cidades. A leitura de que não há rigor no combate à
corrupção acaba ressuscitando a frase que tanto ouvimos no passado: ou todos se
locupletam ou se restaure a moralidade.
Muito se falou da influência do julgamento do
mensalão nas eleições. Ele segue seu rumo, para além do processo eleitoral.
Algumas penas ainda serão definidas e um condenado, Marcos Valério, quer depor
de novo. Ele reaparece tocando em temas escolhidos a dedo para incomodar o PT:
Lula sabia do mensalão? Como foi o assassinato de prefeito de Santo André? De
onde surgiu o dinheiro apreendido pela Polícia Federal em 2006 com militantes
do PT, os chamados aloprados? O PT acha um ultraje voltar a tais temas. Atribui
esse incessante retorno aos adversários que não se conformam com o novo poder
no País. Não parou para refletir sobre sua versão dos três fatos. Se o fizesse,
entenderia que os adversários só se aproveitam de uma fragilidade
incontestável: as histórias não convencem e fazem um permanente convite à busca
da versão definitiva. São temas inescapáveis, mas não os únicos na agenda.
O PT venceu em São Paulo e outras cidades
metropolitanas. É a chance que tem de articular, a partir da capital, uma
verdadeira aliança da metrópole para enfrentar seus maiores problemas. O fato
de muitas cidades serem dirigidas pelo mesmo partido ajuda, mas não é condição
necessária. Políticas metropolitanas deveriam ser articuladas entre partidos
diferentes. Durante a campanha Dilma insinuou que seria mais fácil a cidade
crescer em sintonia com o governo federal. A palavra que usou é a de sempre:
parceria. A julgar pelo tom da campanha, as parcerias só se realizam entre
partidos da mesma coligação. Salvador e Manaus, por exemplo, estariam fora
dessa possibilidade. É este o principal argumento dos candidatos oficiais: se
não votarem em mim, a cidade não vai obter recursos de Brasília.
Na semana do furacão Sandy, Barack Obama fez
questão de procurar o governador de Nova Jersey em busca de ajuda articulada.
São de partidos diferentes. Mas ao menos tentam derrubar o mito segundo o qual
um adversário deve ser tratado a pão e água para que não cresça. Numa cultura
política em que o PT é o partido dominante e o objetivo parece ser isolar e
destruir quem se opõe a ele, o gesto de Obama deveria ser considerado. Nos EUA
havia um desastre em curso, dirão alguns. Mas o princípio da cooperação que
vale para o desastre também é válido para grandes opções cotidianas.
A atrofia da vida política brasileira
manifesta-se ainda em outras áreas. Muitos abraçam a Petrobrás e se dispõem a
lutar por ela como nos anos 50. Quando a empresa vê seu lucro reduzido e
enfrenta dificuldades no abastecimento, não há nenhum debate, nem mesmo
curiosidade sobre o que ocorreu por lá. Ao contrário, os deputados seguirão
discutindo para onde vão os royalties do pré-sal, pois a divisão dos recursos
parece ser sua única fixação.
O Brasil talvez seja muito grande e complexo
para sair totalmente modificado das urnas municipais. O distanciamento da
política já era sensível nas eleições de 2010. No início do processo Lula dizia
aos eleitores desinteressados: quem não gosta de política acaba sendo dominado
por políticos que não escolheu. Era uma tentativa de fortalecer a ideia de
mudança. Porém duas décadas depois nos vemos de novo diante de um divórcio
entre parte da população e o sistema político. Não se trata apenas de repetir o
estímulo à participação. Isso o TRE faz, tocando o Hino Nacional ao fundo de um
anúncio celebrando as eleições. A questão agora é responder por que o processo
de democratização chegou a este ponto. Seria uma reação comodista de pessoas
satisfeitas com a vida material melhorada? Ou apenas nojo pela sucessão de
escândalos em cachoeira desaguando em gavetas amigas?
A corrupção generalizada e o suicídio do
Congresso são apenas duas pistas. O julgamento do mensalão aparece como marco
dessa longa história. Nele os dois elementos aparecem relacionados: dinheiro
público contra voto parlamentar. Quem não gosta de política está sujeito a ser
dirigido por políticos que despreza. Mas chega um tempo em que a questão não é
mais gostar de política, e sim gostar de si próprio e do País. Nesse tempo,
mesmo sem amar a política, os ausentes podem querer balançar o coreto. Seriam
bem-vindos.
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