O
Brasil é o quarto país da América Latina que pior distribui sua renda.
Dos 18 vizinhos do continente, só perde para Guatemala, Honduras e
Colômbia quando é medido o abismo entre ricos e pobres, constata
pesquisa da ONU divulgada na terça-feira. Bolívia, Nicarágua, Equador e
Peru são países mais pobres que o Brasil, não têm nossas riquezas
minerais e agrícolas, indústrias sofisticadas, bancos e empresas que
ocupam o topo entre as maiores do mundo. Por que estão à frente do nosso
país quando se avalia a distribuição das riquezas entre seus
habitantes? Afinal, pouco significou a migração de 40 milhões de pobres
para uma "nova classe média" nos últimos 12 anos?
Em primeiro lugar, ao criar esse
conceito de classe, o economista Marcelo Neri (que acaba de ser
indicado presidente do Ipea) teve o cuidado de agregar a palavra "nova"
para dissociá-lo da classe média tradicional, de maior poder aquisitivo.
São pessoas com renda familiar entre R$ 1,7 mil e R$ 7,5 mil, e a
maioria situada na faixa mais baixa, portanto com renda próxima à dos
pobres, que podem comprar um carro com dez anos de uso, mas não um zero
km.
Foram os programas de
transferência de renda - criados na gestão FHC (Bolsa-Escola,
erradicação do trabalho infantil, auxílio-gás, etc.) e concentrados por
Lula no Bolsa-Família - os maiores responsáveis por essa mobilidade
social. Sem dúvida, foi um enorme progresso para um país onde os
programas sociais tinham eficácia zero até então, mas longe de resolver o
problema da descomunal distância de renda entre ricos e pobres. Fora
isso, a estabilidade econômica após o Plano Real, o investimento em
educação dirigido ao ensino fundamental e a política de reajuste do
salário mínimo acima da inflação ajudaram a encurtar essa distância.
Porém, seja por inércia ou por
pressões políticas, permanece intacto o aparato de leis, regras e
escolhas (erradas) feitas por governantes que desde sempre sustenta a
concentração da renda do País na pequena parcela de ricos. Na educação
houve algum progresso: se, no início dos anos 90, havia 17% de crianças
fora da escola, hoje só há 2%. Mas a qualidade do ensino é tão ruim que
grande parte dessas crianças não passa do estágio de analfabetismo
funcional. A escolaridade média da população quase estagnou: nos últimos
20 anos passou de 5 para apenas 7,3 anos de permanência na escola. É o
que explica a baixa produtividade do trabalhador e a desvantagem do
Brasil em qualidade de produtos em relação aos fabricados na Ásia, por
exemplo, onde é normal trabalhadores terem cursado universidade.
O sistemático recuo dos
governantes, que preferem ceder a pressões políticas a fazer uma reforma
tributária consistente, também tem alimentado a concentração da renda.
Segundo pesquisa da Fiesp baseada em números da Receita Federal, as
famílias pobres que vivem com até dois salários mínimos comprometem
48,9% de sua renda em pagamento de impostos, quase o dobro dos 26,3%
pagos pelas famílias com renda acima de R$ 20 mil.
Ao se apropriarem de 35% de toda
a renda do País arrecadando tributos, os governos (federal, estaduais e
municipais) têm enorme poder de concentrar ou desconcentrar pobreza e
riqueza, dependendo de suas escolhas para aplicar verbas públicas. E
desde sempre essas escolhas têm beneficiado mais ricos do que pobres,
mais quem grita e faz pressão política do que os excluídos silenciosos.
Ao ampliar de 25 para 38 o número de ministérios, Lula escolheu
concentrar gastos com o funcionalismo, sabendo que vai faltar dinheiro
para hospitais atenderem doentes; para escolas qualificarem professores;
para construir rede de esgoto e água tratada; para ações que reduzam a
violência entre jovens; enfim, para aplicar dinheiro público a serviço
de uma distribuição mais justa da renda.
Enquanto os governos não derem
uma guinada na estrutura jurídica voltada para o social e seguirem
privilegiando quem não precisa, o Brasil pode produzir e acumular
riqueza, mas vai continuar ocupando o vergonhoso 4.º lugar entre os
piores na partilha da renda.
Jornalista; é professora da PUC-RIO.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO (26/09/12)
Nenhum comentário:
Postar um comentário