Werneck
Vianna defende que as alianças feitas no presidencialismo de coalizão
não servem para que uma determinada orientação seja posta em prática, ou
um determinado programa se viabilize, mas apenas para garantir maioria
parlamentar para o governante
Por: Graziela Wolfart
Na visão do sociólogo Werneck
Vianna, a ampla maioria que hoje o chefe do Executivo tem conseguido
lograr no Legislativo tem dado estabilidade à política brasileira. “Mas é
uma estabilidade que não faculta a aventura, o risco, a descoberta, a
inovação. Certas reformas muito necessárias para que o país dê um
avanço, um salto, esbarram nessa larguíssima coalizão que atinge várias
dimensões, desde a economia e a política até a sociedade. Os ventos
cruzados que se estabelecem no interior da coalizão governamental fazem
com que haja um comportamento paquidérmico do governo, que é obrigado a
respeitar os limites dados por essa amplíssima base governamental, onde
todos cabem e onde tudo cabe”. Na entrevista que concedeu por telefone
para a IHU On-Line Werneck afirma que o sistema partidário brasileiro
“não foi feito para que a sociedade encontre formas expressivas de se
incluir no mundo da política. Ele está feito para expressar interesses e
diferenças regionais; não é um quadro que favoreça a limpeza e a
firmeza de identidade. Ele está voltado para uma grande competição
eleitoral. Isso certamente não oferece um bom cenário para a democracia
política brasileira”. E constata: “estamos vivendo um momento em que os
efeitos dessa política de presidencialismo de coalizão começam a se
tornar cada vez mais complicados”.
Luiz Werneck Vianna é
professor-pesquisador na PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade
de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e
americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização
da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan,
1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG,
2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada.
Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e
Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012) (mais informações em
http://bit.ly/IVmpmg).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Que espécie de política se desenha em nosso país a partir das alianças que vêm sendo feitas em nome da busca pelo poder?
Werneck Vianna – Nossa
forma não programática de alianças, que são feitas por meros interesses
eleitorais – como o tempo de televisão –, já têm uma certa história. O
presidencialismo de coalizão tem tido essa característica entre nós,
porque não necessariamente ele deve ser tão arbitrário quanto à
orientação programática. Mas o fato é que ele tomou essa característica
desde o governo Fernando Henrique Cardoso, porque as alianças têm sido
desencontradas. Ao longo dos mandatos do PT, especialmente a partir do
segundo mandato do presidente Lula, isso tomou uma proporção imensa. Na
verdade, essas alianças não são feitas para que uma determinada
orientação seja posta em prática, ou um determinado programa se
viabilize, mas apenas para garantir maioria parlamentar para o
governante. Aliás, o tema da maioria parlamentar se tornou um espantalho
desde o impeachment do governo Collor. Hoje a queda é atribuída, em boa
parte de modo verdadeiro, ao fato de ele vir de um partido minoritário e
não ter sabido compor uma base congressual. A partir daí, esse
espantalho vem dominando o presidencialismo brasileiro. O fato é que,
desde que essa política foi sendo vitoriosa, caíram todas as reservas,
todas as prudências, formando-se um campo aberto de troca. Esse é o lado
nefasto. No entanto, olhando de outro ângulo, essa base larga, essa
ampla maioria que hoje o chefe do Executivo tem conseguido lograr no
Legislativo tem dado estabilidade à política brasileira. Mas é uma
estabilidade que não faculta a aventura, o risco, a descoberta, a
inovação. Certas reformas muito necessárias para que o país dê um
avanço, um salto, esbarram nessa larguíssima coalizão, que atinge várias
dimensões, desde a economia e a política até a sociedade. Os ventos
cruzados que se estabelecem no interior da coalizão governamental fazem
com que haja um comportamento paquidérmico do governo, que é obrigado a
respeitar os limites dados por essa amplíssima base governamental, onde
todos cabem e onde tudo cabe. São empates que se sucedem e que têm um
consenso muito difícil, e que não dão nenhum bônus, não dão agilidade e
limitam a capacidade de uma nação em um momento em que inovar é
fundamental. É preciso mudar o repertório da política que está
anacrônico já há algum tempo. É evidente que essas alianças, por outro
lado, afetam a identidade partidária. Os partidos já são naturalmente
enfraquecidos por uma série de circunstâncias sociais que não são
atuantes apenas aqui no Brasil, mas com essas acrobacias se tornam ainda
mais vulneráveis. Por exemplo, em tese é aceitável, mas é difícil
digerir o apoio de Paulo Maluf à candidatura do PT, por causa do
histórico de oposição entre eles e pela história pessoal de Maluf, que
não é muito recomendável.
IHU On-Line – É possível governar sem alianças políticas em um regime democrático?
Werneck Vianna – As
alianças são absolutamente necessárias. Quanto a isso não resta nenhuma
dúvida. Em uma sociedade plural, como a brasileira, pensar que uma
tendência ou partido, ou apenas um sistema de orientação dará cabo dos
problemas existentes é cair na ilusão, mesma ilusão que o Collor teve,
de que a partir de um Executivo forte é possível reformar e reestruturar
o país. Essa experiência foi feita também por Jânio Quadros antes de
1964, que governou sem uma base forte de sustentação e isso o levou à
crise e à renúncia.
IHU On-Line – O problema está nos limites dessas alianças...
Werneck Vianna –
Certamente. O limite deveria ser o programa. Mesmo que não fosse um
programa explícito, mas um programa que tivesse certa abrangência, que
pudesse admitir parceiros com identidades diversas e que pudesse ser
revisado, e não essa “feira” ideológico-político-partidária em que nos
encontramos, cujo efeito é o de estimular o decisionismo do Executivo,
porque, dado esse empate entre as forças políticas que têm orientação
desencontrada, esse poder se sente compelido a agir por sua própria
orientação, tentando produzir resultados quase autocraticamente, através
desse sistema decisionista, vertical. Este é um efeito muito negativo
dessa construção.
IHU On-Line – O senhor poderia fazer uma breve análise do atual quadro partidário brasileiro?
Werneck Vianna – Não é
fácil. Se formos tentar trabalhar a partir da clivagem mais ideológica,
de velho tipo, teremos os partidos de orientação socialista e os
partidos de orientação liberal-burguesa. Num campo teremos o PT, o
PCdoB, o PSOL, o PPS de certo modo, que tem até o socialismo no nome, e
teremos o PSB. E do outro lado teremos o DEM e outros que de memória não
consigo recuperar. Não posso esquecer de mencionar o PDT, que entra no
campo doutrinário do socialismo, isso se formos tomar o que é dito e não
o que é praticado. Essa linha ideológica se mostra inoperante para
recortar o quadro atual. O que temos é agregação de interesses. Temos
partidos que agregam os evangélicos, os ruralistas e as corporações, que
também se fazem presentes. Elas invadem a vida partidária. Esse sistema
partidário não foi feito para que a sociedade encontre formas
expressivas de se incluir no mundo da política. Ele está feito para
expressar interesses e diferenças regionais; não é um quadro que
favoreça a limpeza e a firmeza de identidade. Ele está voltado para uma
grande competição eleitoral. Isso certamente não oferece um bom cenário
para a democracia política brasileira. Por outro lado, tudo o que existe
em nossa sociedade encontra formas de expressão na vida política
partidária, o que é uma dimensão saudável. No entanto, isso cria um
quebra-cabeça de enorme dificuldade. O presidencialismo de coalizão é
uma resposta a isso: é criar certa unidade a partir deste mundo
extremamente fragmentário. O problema é que só quem pode estabelecer
essa unidade é o Executivo, o que faz com que esse quadro, que é
aparentemente ameno e afável de expressão da diversidade existente na
sociedade brasileira, contenha elementos autoritários, que favorecem a
ação do Executivo, porque só ela é capaz de cimentar e soldar essa
multiplicidade de identidades e interesses. Diga-se de passagem que o
presidente Lula demonstrou um enorme tirocínio e habilidade em trabalhar
diante desse cenário, tirando proveito desse quadro político e
colocando-o a seu favor. Essa solda, esse cimento que ele soube
instituir não é uma arte de fácil transferência. Essa era uma das
características dele, pela sua capacidade de articulação que veio do seu
treinamento no mundo sindical. Com a Dilma temos outro quadro na mesma
política. Ela imprime outra administração, de alta burocracia do mundo
da gestão, o que não quer dizer que ela seja indiferente à política. E
não é. Mas ela não tem nem o mesmo gosto, nem o mesmo treino. Além do
mais, “o Natal mudou”. O mundo já não é mais aquele de cinco anos atrás.
A gravidade da crise econômica atesta isso. A necessidade de se fazer
algumas reformas, como a reforma da legislação trabalhista, está se
tornando cada vez mais imperativa. No entanto, a coalizão governamental
que conhecemos é muito pouco permeável a uma reforma como essa. Basta
pensar no PCdoB, que reage a essa reforma, ou no PDT, que é o partido do
ex-governador Brizola. É um conjunto de forças que, dentro da coalizão
governamental, reage a essa reforma, que parece ser cada vez mais
inadiável. Outra questão é esse sistema altamente sensível da
previdência. O fator previdenciário que o governo tenta extinguir por
medidas de saneamento fiscal, em função da crise que já se abate sobre
nós e que tende a se aprofundar, não encontra apoio na sua base
governamental, inclusive no próprio PT. Estamos vivendo um momento em
que os efeitos dessa política de presidencialismo de coalizão começam a
se tornar cada vez mais complicados. Não só porque falta o Lula. Mesmo
com ele esse quadro, que agora se exerce sobre a presidente Dilma,
estaria presente.
IHU On-Line – Quais são
os cenários possíveis de mudança nos próximos anos, levando em conta
que, apesar de todas as fragilidades e incongruências, permitiu-se que
vivamos o maior período de regime democrático?
Werneck Vianna – A
democracia política tende a se aprofundar. Por exemplo, no julgamento do
chamado processo do mensalão foram levados a tribunal líderes políticos
do partido hegemônico da coalizão governamental. Não há registro na
nossa história dessa autonomia das instituições, em que o judiciário,
com independência do poder político, obedece aos procedimentos e leva a
julgamento pessoas ligadas ao vértice do sistema de poder. Esse é um
sinal. Não importa o resultado do julgamento, importa ver essas pessoas
lá no tribunal, onde a questão é técnico-jurídica. Do ponto de vista
político, importa que personalidades e figuras participantes do poder
vão a julgamento e a sociedade participa desse processo apenas como
observadora, como comentarista, sem que haja nenhuma comoção maior nas
ruas. Não há nenhum assédio físico no Supremo Tribunal Federal. Isso é
uma novidade, um avanço extraordinário das nossas instituições. Além
disso, registre-se que, desde agora, com as eleições municipais, as
fraturas desse sistema estão mais do que denunciadas. Basta ver o
processo eleitoral em Fortaleza, no Ceará; em Recife, em Pernambuco; e
em Belo Horizonte, Minas Gerais. Isso para mencionar apenas casos muito
fortes, em que se observa que a coalizão governamental não consegue
operar da mesma forma que estava acostumada, isto é, impondo ao local,
ao municipal o seu programa de ação política. Isso mostra como a
maturação da sociedade está pondo em xeque essa forma verticalizada de
administração da política, que é o presidencialismo de coalizão. Tudo
isso é muito favorável à vida democrática. O que se pode arguir é que é
difícil construir um quadro político mais ordenado com essa pluralidade
de partidos ou pelo menos com essa legislação que permite a partidos sem
nenhuma expressividade terem acesso aos recursos do fundo partidário,
ao tempo de televisão, dando a eles um poder de troca que, na verdade,
favorece apenas às oligarquias que comandam as suas legendas. Estamos,
por ora, condenados a fazer política num cenário em que as linhas de
força vão todas no sentido da fragmentação e que a unificação disso
depende de uma ação externa, que é o governo. Então fica essa marca
autoritária, da dominação da dimensão vertical sobre a horizontal, que
só uma reforma adicional pode dar conta. De modo que temos que aprender a
trabalhar com esse quadro e superar as dificuldades que ele impõe à
política. É um quadro caótico que só faz sentido no fim. Só o resultado
da ação faz sentido, porque não faz sentido na articulação de cada
parte, pois cada uma entra nisso pelo seu motivo particular. Isso dá um
mapa desencontrado, que só pode fazer algum sentido por uma ação
externa, de um outro, superposto a esses interesses desencontrados, que
consegue estabelecer uma linha em que todos possam ser minimamente
atendidos.
IHU On-Line – Na política brasileira hoje quem é antagonista de quem?
Werneck Vianna – Há
antagonismos, mas nem sempre com a lógica do amigo e inimigo. Há uma
lógica “adversarial”, mais do que de confronto, que vise levar à
eliminação de um polo. Nós temos mais lutas agônicas do que lutas
antagônicas. A política está se tornando, entre nós, mais um campo
adversarial. Inclusive porque os dois principais partidos políticos
brasileiros – PT e PSDB – têm muitas afinidades de fundo. Ambos estão
com as raízes fincadas na social-democracia.
IHU On-Line – Em
entrevista concedida a nossa revista em março deste ano, o senhor
apostava no ressurgimento da política nos próximos anos com muita força,
apontando que “não há mais possibilidade de segurar a sociedade com
esse jogo de manter os contrários em permanente equilíbrio” . Como
avalia essa declaração hoje, quatro meses depois?
Werneck Vianna – Confirmo-a
inteiramente. Só que quando me refiro aos “contrários”, não falo das
concepções antagônicas do mundo como, por exemplo, concepções
socialistas e concepções liberal-capitalistas. Eu estava me referindo a
interesses. O que eu estava dizendo é que o governo Lula foi capaz de
trazer para o seu interior múltiplos interesses divergentes como a
agricultura familiar e o agronegócio. Eu dizia que essa operação tinha
um prazo de validade e que no governo Dilma tenderia a se derruir. E
vejo que está se derruindo diante dos nossos olhos. Nós podemos dizer
que a política volta agora de forma muito clara. As eleições municipais
estão deixando isso manifesto. A pluralidade da sociedade está
procurando formas expressivas como independência dessa forma política do
presidencialismo de coalizão.
IHU On-Line – Qual é o balanço que o senhor faz do governo Dilma Rousseff? Algo ameaça uma possível reeleição da presidente?
Werneck Vianna – Essa é
uma questão muito delicada e perturbadora para o cenário político atual.
Nós estamos diante de um quadro em que há uma dualidade de
representação. Quem detém, de fato, o poder: o governo ou o seu partido e
a coalização que esse partido montou? Qual o papel aí do ex-presidente
Lula como que representando o poder real, afastado por circunstâncias do
calendário eleitoral, mas para o qual se espera uma volta triunfal em
2014? Esse é um quadro que cria muita instabilidade. Os movimentos e os
partidos devem calcar a sua orientação pelo governo Dilma ou pela
expectativa do retorno “sebastianista” do ex-presidente Lula? Isso tudo,
essa dualidade, afeta o quadro atual, introduz nele elementos de
instabilidade e tira força e capacidade de coesão dessa forma de
presidencialismo de coalizão ao qual fomos acostumados nos dois governos
de Lula. Essa é uma ambiguidade que atua de forma escondida na cena
atual e não favorece o assentamento das forças políticas atuantes. O
próprio partido hegemônico, o PT, se questiona a quem obedecer: ao
governo ou ao seu líder maior, apenas contingentemente fora do governo,
mas que logo voltará a ele? E Dilma poderá ou deverá se afirmar uma
liderança nova, o que significa candidatar-se à reeleição desde agora?
As incertezas quanto a isso favorecem a perda de controle que hoje está
estabelecida por parte do centro do poder político sobre a sociedade e
as forças políticas envolvidas.
IHU On-Line – O senhor acredita na volta de Lula à presidência em 2014? Dilma cederia espaço para ele?
Werneck Vianna – É
difícil prever. O fato é que não faz bem ao governo dela, agora, abdicar
da reeleição. Ela precisa do horizonte da reeleição para ter mais força
hoje, especialmente em um momento em que o país está na iminência de
viver perturbações derivadas da situação econômica. Nesse sentido,
deverão existir forças orientadas a robustecer Dilma agora porque é
preciso um presidente forte na hora da crise. E um presidente forte
agora significa um presidente que vai lutar para a reeleição. Se isso
viola o sistema de lealdades de Dilma com Lula é difícil de dizer, pois é
uma questão subjetiva. No entanto, do ponto de vista da situação
presente, o fato é que o país vive a necessidade de uma presidência
forte por causa da crise.
FONTE: IHU On Line, nº 398. 13/8/2012
Para os que pensam governo ou estado-instituição sempre da mesma forma,sim,não há saída sem alianças pragmáticas e desideologizadas.Só que partidos não são as únicas fontes de poder político para uma negociação.Assim como as instituições religiosas ou classistas conhecidas.A visão formal não permite enxergar todas as forças políticas em jogo.O formalismo de Werneck Vianna me parece aprisioná-lo
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