No
julgamento do mensalão há um ausente no banco dos réus que teria poder
de abortar o caso no seu início, mas se omitiu, não cumpriu seu papel e
sistematicamente violou a lei entre 2003 e 2005. Trata-se do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras (Coaf), criado em 1998 com a missão
específica de identificar transações bancárias suspeitas de lavagem de
dinheiro. A legislação obriga os bancos a informarem ao Coaf todas as
operações efetuadas em dinheiro vivo - depósitos ou saques - em valores
acima de R$ 10 mil. Examinadas as transações, o órgão envia as que
julgar suspeitas para o Ministério Público (MP) investigar.
No caso do mensalão, o Coaf
escondeu as informações e não as repassou ao MP. Entre julho de 2003 e
maio de 2005 as empresas do principal operador do esquema, o
publicitário Marcos Valério, realizaram uma centena de saques em
dinheiro vivo de valores entre R$ 100 mil e R$ 400 mil, transportados em
malas até Brasília e distribuídos a parlamentares que, segundo a
acusação, eram indicados pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Uma
única notificação chegou ao MP de São Paulo em 2003. Depois, silêncio
completo. E nenhuma ao MP de Minas Gerais, de onde saiu o grosso do
dinheiro sacado por Valério na agência do Banco Rural em Belo Horizonte.
Se desde o primeiro momento o
Coaf informasse as transações suspeitas de Valério e o MP pedisse
abertura de inquérito à Polícia Federal, o mensalão teria sido obstruído
no nascedouro. Ou o esquema seria obrigado a buscar outros meios de
financiamento. "E por que o Coaf não agiu?", indagou a ex-deputada
Denise Frossard em ofício dirigido ao então ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, ao qual o Coaf era subordinado. Recebeu em resposta um convite
de visita do ministro da Justiça e hoje advogado de um réu no caso
Márcio Thomaz Bastos. Ele prometeu à deputada que o fato não se
repetiria porque o Coaf passaria por uma competente reforma. Na Fazenda a
conversa com a ex-deputada foi interpretada como um recôndito desejo de
Bastos de transferir o Coaf para o Ministério da Justiça. Se verdade é,
não conseguiu.
O mensalão teve vertentes,
filhotes e desdobramentos que não chegaram a ser apurados. O caso Coaf é
um deles. Mas se destaca dos demais pelo importante papel que exerce no
aparato policial para investigar crimes de lavagem de dinheiro. Como a
investigação começa justamente a partir dele, sua omissão tem o poder de
encobrir crimes e criminosos. Por isso não podem pairar dúvidas sobre
sua atuação. Ele deveria funcionar no modelo de uma agência reguladora,
agir com independência, autonomia e distanciado de más influências do
poder político. Mas a realidade é outra.
Em 14 anos de existência, seu
balanço apresenta resultados positivos, outros negativos. Ao completar
dez anos, em março de 2008, o Coaf divulgou em relatório ter rastreado
686 contas bancárias de 748 pessoas ligadas à facção criminosa Primeiro
Comando da Capital (PCC), que movimentaram R$ 63 milhões entre 2005 e
2007. A ação do Coaf permitiu à Justiça bloquear R$ 17,7 milhões dos
criminosos. Ponto positivo.
Só que os negativos causam um
estrago institucional tão nocivo que superam os positivos e comprometem
sua credibilidade. E eles têm ocorrido a partir do uso político do órgão
e da influência de quem tem poder para mandar. No caso do mensalão isso
ficou flagrante: após a primeira notificação sobre as empresas de
Valério, o Coaf emudeceu durante dois anos. Em conversa que tivemos em
2008, o advogado Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Coaf desde
2004, não explicou a omissão ao longo de dois anos e tratou de negar
influência política: "Nunca sofri pressão política de algum superior, a
não ser a interferência do chefe de gabinete do ministro (Palocci) no
caso do caseiro".
Mensalão, violação da conta
bancária do caseiro Francenildo Costa, saques em dinheiro de R$ 1,75
milhão feitos por dois aloprados do PT para comprar um dossiê falso
contra tucanos. Tudo isso aconteceu, mas o Coaf não viu.
Jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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