A despeito do regozijo coletivo com o desempenho do STF pelo julgamento
do mensalão, há um mal estar entre os brasileiros. Avaliar a democracia
em um determinado país exige a consideração preliminar de seu desenho
institucional porque este embute trade offs importantes. Certos arranjos
institucionais que favorecem a tomada de decisões implicam menor
potencial de responsabilização. Da mesma forma, arranjos que garantem
maior inclusividade implicam menor eficiência decisória, reduzindo a
clareza de responsabilidade e debilitando os mecanismos de
accountability. Maior participação de atores com poder de veto, por
outro lado, podem garantir maior credibilidade às políticas e menos
volatilidade, o que seria desejável em algumas áreas como regulação e
política monetária.
Dependendo do critério pelo qual se realiza a avaliação, os resultados obtidos serão distintos.
As instituições não produzem corrupção ou ineficiência
A ciência política produziu nas últimas décadas várias tipologias de
desenho institucional: sistemas políticos majoritários versus
consensuais, de autoridade concentrada versus difusa, sistemas
centrípetos versus descentralistas. As democracias do primeiro tipo -
cujo paradigma é a Inglaterra - tendem a exibir governos de gabinete de
partido único, bipartidarismo, legislativo unicameral, e estrutura
territorial unitária. Além disso, tendem a adotar sistema eleitoral com
distritos uninominais, e o poder judiciário exibe baixo ativismo,
inexistindo revisão judicial (ou até constituição escrita). Nestes
países há grande eficiência em levar a cabo reformas. E grande clareza
de responsabilidade quando há fracasso ou sucesso. As democracias do
segundo tipo tendem a adotar a representação proporcional e
consequentemente prevalece o multipartidarismo e governos de coalizão.
São ainda federativas, bicamerais e possuem um judiciário ativista com
poderes de revisão judicial, além de contarem com constituições de
elevada rigidez. Nelas o padrão é incremental.
Segundo Gerring, um grupo de 34 países de sua amostra de 124 democracias
possui escore menor que 3, em uma escala de 0 a 6, que mede o vetor
centrípeto. A grande maioria dos países europeus - inclusive Alemanha -
está neste grupo. Com escore zero - o mesmo dos EUA - o Brasil é
classificado como país com autoridade política difusa. Mas o sistema
político brasileiro contém um forte elemento majoritário: um poder
executivo forte constitucionalmente. O Brasil representa um caso de
híbrido institucional.
Como estas características afetam o trade off referido acima?
Parte do mal estar no país em relação ao funcionamento das instituições
reflete o seu desenho institucional. Mas parte importante não resulta
dele mas de como o poder é exercido.
A percepção de que o processo político é marcado por um padrão
incrementalista no qual as mudanças efetivas são difíceis de acontecer
claramente decorre dos inúmeros pontos potenciais de veto no sistema
(senão de veto pelo menos de "ruído "). E mais: processos erráticos de
barganha e negociações envolvendo partidos, entes federativos e
interesses regionais. Com seu fortalecimento, o STF e o Ministério
Público converteram-se em ator fundamental em certas áreas cruciais de
política, e passam a ser parte do jogo decisório. O padrão de tomada de
decisões públicas certamente é moldado pelo desenho institucional.
Alardeia-se em toda parte que o amplo leque de atores não tem produzido
paralisia decisória ou ingovernabilidade. Mas há um mal estar
generalizado.
Parte da malaise institucional origina-se também na baixíssima
capacidade de responsabilização dos governos no qual outros atores podem
sempre ser responsabilizados pelo insucesso ou por graves
irregularidades. E não só os partidos da coalizão: também o Judiciário, a
Constituição, governos subnacionais, agências de Meio Ambiente,
Ministério Público, ou entes reguladores.
Convertidas em plebiscitos, as eleições esvaziam-se em seu papel de
punir ou premiar o desempenho. Há baixa clareza de responsabilidade.
Os governos de coalizão engendram uma estrutura de incentivos que levam a
um conluio suprapartidário que desencoraja a fiscalização do governo
por parte de parceiros potenciais: por que incorrer no ônus que ela traz
se isto pode afetar - para usar uma expressão de Victor Nunes Leal - o
"privilégio de apoiar o governo", no futuro? Neste quadro o que esperar
de uma CPI? A escassa legitimidade do Poder Legislativo reflete o papel
limitado que coube aos partidos: de apoiamento irrestrito ao governo.
A fragmentação do poder não tem apenas custos: ela impede a dominância
de forças majoritárias - o flagelo que assola as novas democracias. Ao
tornar imperativa a formação de coalizões, o multipartidarismo
enfraquece o Poder Executivo e mitiga o potencial de abuso presidencial.
A delegação de extensos poderes ao ministério público, ao judiciário,
aos tribunais de contas, fazem parte também desta estratégia maior. O
sistema torna-se também mais legítimo por ser inclusivo. As mazelas
resultantes desta estratégia são os custos que a sociedade brasileira
paga para evitar o abuso. Estes custos não incluem a corrupção como tem
sido argumentado.
Não há nada nos sistemas de autoridade política descentralizada que
produza necessariamente corrupção ou ineficiência econômica. Um estudo
econométrico de Noorudin mostra que as políticas dos governos de
coalizão são menos voláteis e por isso garantem maiores fluxos de
investimentos. Tampouco que sejam causa de corrupção. O estilo de
gerenciamento presidencial que engendrou práticas corruptas em escala
inédita no país mantém pouca ou nenhuma correlação com o desenho
institucional.
Marcus André Melo é professor da UFPE, foi professor visitante da Yale University e do MIT.
Fonte: Valor Econômico (27/12/12)
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