Voltarei aos resultados das eleições municipais para analisar suas
potenciais consequências para a política nacional. Claro que os
resultados do último pleito municipal não permitem antecipar o desfecho
de 2014. Primeiro, porque o eleitorado brasileiro historicamente tem
feito escolhas independentes, a depender do nível de governo e da
disputa em questão. O eleitor típico, se avalia bem um governo municipal
do partido X, tende a votar nele, mesmo que na disputa estadual tenha
premiado seu adversário, partido Y e, na eleição presidencial, tenha
punido o mesmo partido X ao qual deu seu voto no município, votando em Z
(adversário de X e Y).
Ademais, muita água rolará até 2014, afetando não só as preferências dos
eleitores, como as estratégias de partidos e lideranças. Assim, se -
como preveem os mais críticos à política econômica - o crescimento
estancar, sobretudo afetando o emprego, a popularidade da presidenta
deverá cair; por outro lado, como apontaram Francisco Lopes e Yoshiaki
Nakano em artigos no Valor desta semana, há elementos de retomada
negligenciados por muitos. Assim, é possível que a atual maré ruim ceda a
um novo impulso que alente a reeleição de Dilma.
Seja como for, os resultados das disputas municipais nos dão um mapa da
distribuição do poder dos partidos pelo país, indicando quem é forte ou
fraco em cada lugar e quem são os potenciais aliados ou adversários de
cada um nos Estados e regiões.
A distribuição de forças e fraquezas sugere as alianças
O destaque do momento é o PSB, que já crescera consideravelmente nas
eleições estaduais congressuais de 2010, tendo novo aumento agora. Dos
29 partidos que disputaram as últimas eleições, 26 elegeram ao menos um
prefeito; deles, apenas 5 cresceram por três pleitos seguidos (PT, PSB,
PV, PSC, PC do B); dentre estes, o maior crescimento foi o dos
socialistas. Com isto, não é de estranhar que o nome de Eduardo Campos
tenha se fortalecido como possível candidato presidencial em 2014, algo
reforçado não só por suas recentes declarações, críticas ao governo, mas
também pelos sinais de independência de seu partido em relação ao PT
nas últimas eleições. O PSB aliou-se ao PSDB em Curitiba, Belo
Horizonte, Belém e Campinas, e enfrentou os petistas em Recife, João
Pessoa, São Luiz e Teresina, para citar alguns exemplos.
A dificuldade de Campos, contudo, é o alcance geográfico do PSB, muito
restrito ao Nordeste. Enquanto nessa região os socialistas conquistaram
15% das prefeituras, atrás apenas do PMDB (16%), não passaram de 5% no
Centro-Oeste e no Sudeste, e apenas 3% no Sul. Já o PT só tem menos de
10% no Centro-Oeste (8%) e o PSDB no Nordeste (7%). O PMDB é o mais
capilarizado dos partidos nacionais, liderando em todas as regiões,
exceto no Sudeste, onde fica em segundo lugar com 15% dos votos (aí o
PSDB tem 20%). Ter prefeituras espalhadas pelos Estados significa
possuir uma rede de apoiadores com poder político e administrativo, algo
muito relevante na eleição presidencial. Não é à toa que o PMDB, mesmo
sem ter candidatos próprios nas últimas quatro eleições, foi a noiva
cortejada em todas elas.
Tecer uma aliança nacional requer elidir conflitos regionais. Quanto
mais dois partidos competem numa região, mais difícil que a aliança
prospere ali; quanto mais se complementam, mais provável a aliança. A
competição ou complementariedade no país como um todo podem ser medidas
com base na correlação entre o número de prefeituras obtidas pelos
partidos em cada estado. Correlações negativas significam que um é forte
onde o outro é fraco; correlações positivas significam que ambos têm
força igual nos estados. As tabelas abaixo trazem esses dados.
Como era de se esperar, PT e PSDB, que têm polarizado as recentes
disputas nacionais e em alguns Estados, apresentam a maior correlação
positiva; PMDB e PSD, partidos muito parecidos, vêm a seguir. Assim, é
de se esperar que esses partidos sejam competidores país afora, o que
tende a dificultar alianças entre eles. Por outro lado, PMDB e PSB
apresentam a mais forte correlação negativa dentre todos os partidos, o
que indica que eles tendem a se complementar país afora - sugerindo que
uma coligação entre ambos poderia ser muito produtiva na eleição
presidencial. Mas o PSB também teria bons motivos para se aliar ao PSDB,
enquanto o PT teria no PSD um aliado até mais complementar do que o
PMDB (embora bem menor).
Ressalve-se que a complementariedade concerne à distribuição geográfica
de forças, não a afinidades políticas. Senão, sugerir-se-ia que PT e
PSDB se aliassem no Sul - algo impossível. Por outro lado, nota-se que a
reconhecida força dos candidatos presidenciais petistas no Nordeste em
muito se beneficia da aliança com o PSB na região - estremecida agora.
Num cenário de piora econômica, a falta desse apoio não seria nada
desprezível; na dúvida, o PT deve se cuidar para manter o PMDB por
perto.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP
Fonte: Valor Econômico
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