Há coisa de dez dias, em Paris, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva reclamou dos jornais. De novo. "Quando político é denunciado, a
cara dele sai noite e dia nos jornais", disse ele. Na seqüência, lançou
uma acusação baixa contra a imprensa: "Vocês já viram banqueiro nos
jornais? São eles que pagam as publicidades da mídia" Segundo Lula, os
anunciantes estão a salvo das reportagens investigativas, pois os
repórteres e os editores não têm a dignidade de apurar os fatos e de
publicá-los com um grau mínimo de independência crítica.
Claro: os jornalistas de brio, honrados, foram ultrajados por ele. O
interessante é que quase ninguém se deu ao trabalho de responder à
ofensa. Por que será?
Existe uma explicação. Essa história de político falando mal dos jornais
e das revistas já se banalizou. Virou uma epidemia. Lula não é o único,
embora seja dos mais reincidentes. Há cerca de dois meses, no final da
campanha municipal, em São Paulo, o então candidato a prefeito José
Serra (PSDB) deu de acusar os repórteres que formulavam perguntas
incômodas (na opinião dele) de ser agentes de "pautas petistas". Ao
desqualificar os profissionais que cumpriam seu dever de perguntar,
procurava se esquivar das indagações e, em parte, foi bem-sucedido na
manobra. Lula, outra vez, lança mão do mesmo truque. Quando lhe cobram
explicações sobre os escândalos de seu partido, investe contra a
reportagem. Como ele fala isso a toda hora, seus vitupérios já não
chamam a atenção. Deixaram de ser notícia. Daí que os próprios
jornalistas não se dão ao trabalho de responder.
Desta vez, porém, uma resposta não pode faltar. O julgamento de Lula
está baseado em quatro grandes mentiras, que desinformam a sociedade e
podem induzir a enganos desastrosos. Por isso, tratemos de pôr as coisas
a limpo.
Primeira mentira. Não é verdade que a imprensa não publica reportagens
que incomodam banqueiros. Você, leitor, há de se lembrar. Edemar Cid
Ferreira, do Banco Santos; Luís Octávio Índio da Costa, do Banco
Cruzeiro do Sul; Salvatore Cacciola, do Banco Marca; Silvio Santos, do
Banco Panamericano; Katia Rabello, do Banco Rural; Ricardo Guimarães, do
Banco BMG; entre outros, muitos outros, também se lembram muito bem.
Segunda mentira. Não é verdade que os bancos privados são os maiores
anunciantes do Brasil. Segundo um levantamento do anuário Mídia Dados, o
Bradesco investiu, em 2011, R$ 905 milhões em publicidade. É muito
dinheiro. Mas atenção: a Caixa, que pertence ao governo federal,
investiu mais que o Bradesco: R$ 1,092 bilhão. E os dois maiores
anunciantes privados do país em 2011 não têm nada a ver com bancos:
Casas Bahia (R$ 3,3 bilhões) e Unilever (R$ 2,6 bilhões).
Terceira mentira. Não é verdade que qualquer acusação contra político
vira manchete assim sem mais nem menos. A imprensa erra, claro que erra,
deve ser criticada com rigor - mas a imprensa não é uma instituição
corrupta, vendida. Nos escândalos recentes (mensalão etc.), acertou
muito e ajudou a flagrar os bandidos de colarinho branco.
Quarta mentira. Não é verdade que os anunciantes saem sempre bem na
foto. Se assim fosse, nenhuma revista, nenhum jornal, ninguém falaria
mal dos governos (federal e estaduais), que anunciam bem mais que os
banqueiros privados. Já vimos que a Caixa é um anunciante mastodôntico,
assim como o Banco do Brasil (R$ 587 milhões em 2011), e, não obstante,
alguns de seus dirigentes andaram freqüentando o noticiário. Somente o
Ministério da Educação, segundo estimativas do mesmo Mídia Dados,
veiculou anúncios no valor de R$ 298 milhões em 2011 - e nem por isso
está a salvo de críticas.
Essas quatro grandes mentiras põem em marcha uma lógica desastrosa. Nos
dois governos de Lula, os gastos de dinheiro público em publicidade se
mantiveram em crescimento. Hoje, o governo federal, com suas estatais, é
um dos maiores anunciantes do mercado. Agora que sabemos que, na
opinião de Lula, os jornalistas são comprados pelos anunciantes, é o
caso de perguntar: com que propósito o governo gasta fortunas em
comunicação? Será que pretende comprar jornalistas? Será que os anúncios
governamentais são uma tentativa de suborno?
Cuidado. Não caia em embromação. A imprensa pode perfeitamente brigar
com os anunciantes, sejam eles estatais, governamentais ou privados. Ela
pode até perdê-los. O que ela não pode perder é a confiança do leitor, a
sua confiança, que vale mais que banco, mais que ouro. A boa imprensa,
aquela que realmente conta, é refém apenas da verdade. Não cede ao
dinheiro do anunciante nem aos gritos dos políticos.
Eugênio Bucci é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP
Fonte: Revista Época
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