Entrevista concedida a
Rogério Medeiros e Renata Oliveira
“A ‘unanimidade é burra’, porém, perfeitamente explicável”
Marcelo Soriano
Especialista em
políticas públicas, o colunista do jornal
A Gazeta, comentarista de
política da
Rádio CBN Vitória e professor
da Universidade Federal do Estado (Ufes), Roberto Garcia Simões, faz
uma ampla abordagem sobre a conjuntura política do Estado e os problemas
sociais que carecem de atenção por parte do
governo Renato Casagrande.
A entrevista foi dividida em duas partes, e nesta primeira Simões fala
do processo eleitoral deste ano e da gestão Casagrande e sua influência
política. Ao mesmo tempo em que estabelece um sistema político que
garante a governabilidade, o socialista, na opinião do professor, criou
um mecanismo que atrofia o governo.
Sem a oposição ou uma voz crítica para cobrar políticas públicas,
Casagrande segue sem dar atenção aos grandes problemas da população como
saúde, educação, segurança e outros. Simões fala também sobre os novos
prefeitos e o enfraquecimento dos partidos políticos.
Século Diário – Durante o processo eleitoral deste ano, as
questões sociais foram tratadas pelos candidatos como “a seca do
Nordeste”, todos prometendo uma solução para saúde, educação e
principalmente, segurança. Com a chegada dessas pessoas aos governos
municipais, o que podemos esperar no que se refere às políticas
públicas? Como o senhor avaliou esse processo?
Roberto Garcia Simões – É um dos papéis daqui para
frente e estou imbuído desse propósito, é preciso mudar o formato dos
debates. Eu participei de um, na Mata da Praia, e não tem sentido. O
formato é aquele de que alguém faz uma pergunta e o candidato tem 30
segundos para responder. Acho que nesse sentido, com todos os dilemas
que existem por lá, temos que olhar um pouco os Estados Unidos, pegar um
tema, por exemplo educação, e faz um debate. Diferente dos que
acontecem hoje. O cara vai ao Sindiupes [Sindicato dos Trabalhadores em
Educação Pública do Estado], promete aumento de salário, vai a outro,
faz outra promessa. Tem que escolher o tema e ficar duas horas
discutindo esse tema.
– Até porque, quando ocorre de acompanhar os debates, a impressão é que o candidato decorou aquilo...
– A mesma coisa. Ele reproduz uma coisa mínima no tempo e não aprofunda
nada. Então, o processo eleitoral ajuda nessa generalização que não
leva a nada. Segundo ponto é que há um desencontro que nós não cobramos.
Esse processo gera um quadro que é um desencontro. O candidato durante a
campanha sabe que não vai ter uma cobrança significativa posterior, faz
um discurso para a plateia. Depois, quando o time entra em campo, a
conversa é outra. Essas coisas de saúde, educação e segurança estiveram
em todas as campanhas, e não resultaram praticamente em nada do ponto de
vista efetivo, no ritmo esperado, na intensidade esperada. Não vou
dizer que nada aconteceu, mas muito lentamente. Se tivesse um encontro
entre o momento da campanha e o momento da gestão, essas coisas estariam
acontecendo. Você pega até mesmo o discurso do governador, que se
elegeu garantindo essa questão da segurança, está aí essa coisa toda, e
ele não vem a público, porque esse é um tema de desgaste. Então quem vai
falar? Ele vai tratar de outros temas: “estamos trazendo R$ 3
bilhões...”. Isso mostra essa clivagem, porque antes você tinha
políticos com o brio de vir a público e assumir isso, não se terceiriza a
coisa. Acho que temos que repensar esse formato. Por exemplo, Câmara de
Vereadores, é o mesmo processo da Assembleia. Todas, em grande medida,
entram no mesmo ritmo, não há uma fiscalização efetiva, não há sequer um
pronunciamento de alguém em relação a um ponto.
– As funções constitucionais de legislar e fiscalizar foram esquecidas...
– Sim. Vocês se lembram que na época de prestação de contas do
governador na Assembleia, de Paulo Hartung(PMDB) e Casagrande, os
deputados ficam receosos do que vai ser a pergunta. Eles têm que fazer
um elogio para ter algum “mas”.
– Muitos deputados sequer a senha do Siafem [Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios] têm, não se interessam em pedir...
– Não acompanham a execução orçamentária do Estado. Agora, você tem uma
parte da Assembleia que tem esse tom, mas tem, vamos dizer, 20% da
Assembleia que poderia estar fazendo esse trabalho. Essa é a minha
indagação, por que não acontece? Estão todos no mesmo diapasão.
–
Há hoje na Assembleia um medo por conta de um retorno de Euclério
Sampaio (PDT), que fazia uma oposição ao seu modo na época, e da
possível entrada do ex-governador Max Mauro (PTB), por conta da postura
crítica ao governo que já passou. Dada a fragilidade da Casa.
– Mas você veja que o debate de Vila Velha, que a Segurança tinha todo o
contorno para ganhar dimensão, não ganhou. Então, temos que mudar esse
formato e ver se isso contribui ou não. Agora, me impressiona esse grau
de desinformação presente na sociedade.
– O que o senhor entende por esse discurso de mudança que foi a
tônica da eleição, e que elegeu figuras dentro desse discurso, mesmo
sendo todas elas já conhecidas do eleitorado?
– Eu não esperava o resultado eleitoral de uma maneira geral. É um
negócio complexo de explicar. Porque não é uma combinação entre mim,
você e ele. Forma-se uma corrente meio inexplicável, como quem diz:
“olha, vamos dar um chega pra lá em todo mundo que já esteve no
Executivo”. Menos do que a mudança das políticas públicas e novos
métodos de gestão, acho que a população entendeu que a forma de externar
a indignação com o que estava até então, só que isso aconteceu
dominantemente, como uma tendência. Resolveu tirar todo mundo que já
estava há muito tempo aí. Então, você pega Solange Lube (PMDB), em
Viana.
– Em Vitória, a dicotomia PT e PSDB caiu, em tese...
– Em tese, mas eu acho que aqui, o que houve de mais forte foi que
desde aquela eleição do Paulo Hartung, PSDB e PPS não estiveram juntos. É
a primeira vez, porque nas vitórias e nas derrotas, sempre estiveram
juntos. Inclusive, o Luciano [Rezende] foi adversário de Coser em 2008 e
o PSDB esteve com ele, com o vice, que era o Elizeu, que era lá de São
Pedro. Vila Velha, acho que foi o desgaste mesmo. Alguém que aparecesse
com alguma novidade, é claro que você não encaixa todo mundo. A
população estava cansada desse traço político que estava aí. Se é o
novo, se é a mudança, se é alguém que não teve oportunidade... porque
Luciano Rezende foi candidato, deputado, vereador, então, vamos dar uma
chance.
– Mas a mudança dessas figuras não significa uma mudança política.
– Não, por isso que estou dizendo, eles assinaram... e acho que essa
palavra foi boa, se você pegar em 1982, o MDB tinha lá “esperança e
mudança”, um documentozinho que andava o Brasil todo. Desde aquela época
se prega essa ideia de mudança, porque assume, não muda, assume, não
muda, assume, não muda. Só que agora completou o ciclo. O PT assumiu e
não mudou e aí zerou.
– E uma opção mais a esquerda, que seria o Psol, ainda não é uma mudança confiável para a população...
– Não criou. Eu até pensei, no primeiro momento, que fossemos ter um
número de votos nulo ou em branco maior. Mas eu acho que o que está
acontecendo muito é que o voto está sendo anulado, depois que o grupo
chega ao poder. A população esta sentindo isso. Ela ainda vota, ela
tenta crer, mas quando vai em uma direção não vê resultado. Isso, gregos
e troianos estão fazendo.
– Há uma questão muito complicada que aconteceu ainda no
período pré-eleitoral, que também é digno de destaque. O deputado
estadual Hércules Silveira (PMDB), que vinha inclusive bem cotado na
disputa de Vila Velha, chegou a lançar candidatura, e no dia seguinte o
próprio partido dele recuou e tirou o nome dele da disputa.
– Mas aí temos que trazer a público uma questão. O que acontece com os
partidos hoje de maneira geral, com honrosas exceções? Você tem uma
direção central, todas as demais provisórias. Não andou na linha, vai lá
e intervém.
– Isso é um problema sério porque na eleição municipal, por exemplo, quem deveria dar a última palavra é o diretório municipal.
– Mas aí você vê a degeneração da organização político-partidária, você
tem um cara que define. Segundo, você para não aparecer, dá a doação
oculta para o partido. Então os partidos viraram biombos de eleições.
Passada a eleição, algum partido promove algum debate, mais amplamente?
Reúne para tratar de algum assunto? O PT que tinha esse cacoete acabou.
– Despolitizaram até os partidos.
– Não é mais um partido político, é um partido eleitoral. Funciona nas
eleições, é um cartório para competir. E dentro dessa lógica, como o
Casagrande está moldando uma unanimidade, ele só não se reelege se
houver algum problema lá no PSB nacional, alguma coisa com o PT. O
governador está criando as condições até para uma candidatura única.
– Sim, mas acho que a questão da segurança pode prejudicar a reeleição dele, não acha?
– Sim, mas mesmo que continue essa coisa... porque já continuou no
governo passado, a segurança continuou problemática por oito anos...
– Mas havia uma contenção da visibilidade
– Olha, mesmo que tenha essa coisa, quem seria o candidato e com quais
alianças? Eu não consigo encontrar. A disputa que vai acontecer, e ele
vai ficar de camarote, vai ser para o Senado, só tem uma vaga. Ele já
está tratando de dar apoio ao João Coser (PT). Ele está tratando de
deixar de ser coadjuvante para ser protagonista. Ele passou esse período
todo como acessório.
– Mas Casagrande saiu muito fortalecido da disputa eleitoral desse ano.
– Sim, estava falando do Coser. O Casagrande foi o grande vitorioso
político. Tem o ponto da gestão dele. essas outras coisas. Mas vejo
dificuldade de politicamente sair e ocupar. Ele colocou todo mundo lá.
Ele tem uma unanimidade suave, mas ele tem um estilo que está me
surpreendendo em algumas coisas. Quando ele não controla diretamente,
faz indiretamente. A indicação dele do Macaciel [Macaciel Breda,
presidente do PSB/ES] para o secretariado do Juninho, em Cariacica,
passa a ideia de que ele tem o PPS em Vitória e colocou um lá para
cuidar de Cariacica.
– Agora para o Senado, João Coser se coloca, Rose de Freitas (PMDB) se
coloca, pode ser que Paulo Hartung venha a se colocar. Agora, por
incrível que pareça, e aí é o lado perverso da unanimidade... não
avançou no governo anterior e neste não avançará o esperado, toda essa
questão social por conta da unanimidade. É o discurso de oposição que
empurraria o governo. A unanimidade dá tanta sustentabilidade política,
que há uma despreocupação com o resultado administrativo.
– Esse dado é perfeito, a unanimidade é tanta que ele não
precisa resolver os problemas que estão na frente dele. Ele seguiu um
caminho inteligente, a unanimidade do Paulo Hartung era na bordoada, a
dele é na suavidade.
– E por incrível que pareça, ela não aparenta, mas ela é tão
consistente ou mais que a anterior. Ele traz Luiz Paulo [Vellozo Lucas,
PSDB] para o governo, coloca o DEM lá, recebe Rodney Miranda, o PMDB
esta lá com Rose. Como a unanimidade paralisa o processo político, não
abre espaço para o contraditório, porque isso empurra o governo. Uma voz
que diga que a educação não está indo bem, não uma voz de ocasião, como
acontece às vezes na Assembleia, para negociar alguma coisa, mas uma
voz que diga: “olha esses são os números do Ideb [Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica], eu quero ter uma política que
melhore a educação. Como podemos fazer para zerar os números de DTs
[Designações Temporárias]? Quanto tempo vai durar? Dez anos? Então tá
bom”. Isso não tem. Então o governo fica incensado o tempo todo, e ele
também gosta de elogios. E ele tem uma vantagem nessa questão da
unanimidade, que é o fato de ele ser partidário. Agora, nesses oito
anos, mais dois anos, essa unanimidade política atrofiou a possibilidade
de avançar naquilo que não está caminhando.
– Porque ninguém vai cobrar também.
– E eles não querem trazer a sociedade. Olhe a contradição, André
Garcia [atual secretário de Estado de Justiça e de Ações Estratégicas],
ainda no governo Paulo Hartung, aprovou na Assembleia o Conselho
Estadual de Segurança Pública, é uma lei. Não estou dizendo que é a
salvação, não, mas existe um Conselho de Segurança Pública instituído. O
governo estadual não instala, porque não quer levar a sociedade para
junto, porque aí você vai ter que sentar e ouvir. Então, ele criou essa
nova situação e, infelizmente, é um efeito deletério continuarmos com
saúde, educação, segurança, com esses problemas, por causa dessa
unanimidade.
–
Acho que um exemplo disso é a Secretaria de Ação Social, que virou um
entra e sai de petistas, e é uma secretaria que do ponto de vista de
políticas públicas, poderia ser importantíssima...
– Mas aí como ele deu o xeque-mate na secretaria? Tirou a área que mais
interessa ao que ele está fazendo de fato, que são as bolsas, essas
coisas, e jogou para a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Então essas
coisas que são mais problemáticas deixa na secretaria. Ele acertou a
divisão, vai colocar o Helder Salomão [prefeito de Cariaca, do PT] lá...
– O Helder é indicado porque ele tem um diálogo bom com esse setor...
– Vai dialogar com os movimentos algumas coisinhas, mas eu estava vendo
o orçamento, e isso dá uma dimensão do que estamos falando, para
implantar o Programa Estadual de Mudanças Climáticas, são menos de R$
300 mil. O Programa da Juventude, cria um negócio lá e tal... tinha
prometido com a Fejunes [Fórum Estadual da Juventude Negra do Estado],
cadê o Programa da Juventude? A tendência é de uma continuidade.
– Admitindo que Casagrande seja um homem para oito anos. Em 2018, quem o professor vê nesse cenário como um possível sucessor?
– Não sei, acho que vai depender da disputa ao Senado, desses grupos.
Acho que, talvez, pela coisa suave, agora que vai se desenhar o quadro.
Nacionalmente, por exemplo, vai que tenha algum piripaque do governo
Dilma, com Eduardo Campos, que pode sair para alguma coisa para ganhar
espaço, aí esse namoro PT e PSB não sei como vai ficar. Esse quadro
nacional pode afetar. Porque tanto PT quanto PSB estão muito enquadrados
nacionalmente. Se o Eduardo Campos disser assim: “Renato Casagrande
faça isso”... Casagrande é um homem partidário, mas tem outras coisas.
Eu tenho dificuldade de ver ainda como vai ficar esse realinhamento para
o Senado.
– Não sei se podemos falar em derrotados, mas acho que se há um grande
derrotado, é o PDT. Vidigal [Sérgio Vidigal, prefeito da Serra] sai
muito mal da eleição. Aquela secretaria que o PDT tem, acho que o Renato
Casagrande vai trazer um monte de prefeitos para dentro do governo
dele. Mas isso tudo vai manter essa unanimidade, vai costurar aqui e
ali, e se houve problemas de gestão, isso não interfere muito desde que
não seja uma coisa muito escandalosa. Quando apertar, diz que está
fazendo aqui uma coisinha, mas isso não é o principal do governo. Não é
nem uma visão liberal porque os liberais diziam que o papel do governo é
saúde, educação, segurança e transporte. Então nem o papel liberal do
governo, de cumprir bem a sua obrigação social e ambiental, de fazer o
mínimo.