Sem demérito para Freixo a votação de Paes confirmou o bom governo. Em contraponto, a pífia votação da dupla Maia/ Garotinho fala por si
Este
mês de outubro será lembrado como o tempo de uma revolução de valores
que está mudando o país, trazendo à tona uma nova ideia de democracia e
de política, herança bendita de um julgamento exemplar e de um processo
eleitoral sem falhas.
Há muito tempo amadurece na sociedade
brasileira uma exigência ética ao mesmo tempo em que empalidece o mito
da corrupção como fato cultural. Ocaso de Macunaíma, decadência dos
heróis sem nenhum caráter. O movimento da Ficha Limpa e o julgamento do
mensalão vertebraram, com valores, a democracia.
Ao condenar o
núcleo político do mensalão, o Supremo Tribunal Federal se situa na
ponta de um outro Brasil, possível, em que negros e mulheres são
ministros, que se orgulha de seus juízes e que aprendeu que um crime é
um crime, poderosos podem ir para a cadeia e que nem tudo está a venda
ou pode ser comprado.
Joaquim Barbosa fez história, inaugurando o
futuro. Embora ferido pela dor, encontrou em si a energia para, em
perfeita sintonia com seus pares, redimir a Justiça. Arrancou da areia
movediça uma nação em que a corrupção se autoabsolvia como banal e a
democracia era vulnerável ao engenho da criminalidade.
Todos
assistimos em tempo real à Suprema Corte sinalizar para os tribunais,
governos e sociedade o fim da impunidade de que a corrupção se nutre.
Ayres Britto acertou no alvo quando, ao votar pela condenação, lembrou
que o que os acusados roubavam era o voto popular. A população foi se
aproximando da Justiça na medida em que obtinha resposta à sua demanda
latente por respeito. Hoje chamamos todos os ministros pelo nome com a
informalidade de quem os conhece há muitos anos. É que há muitos anos
esperávamos por eles.
Feliz coincidência, contemporâneas do
julgamento no STF, as eleições municipais revelaram que o bom governo é
hoje outra exigência da sociedade. Em quatro grandes capitais — Rio de
Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre — os candidatos eleitos
no primeiro turno, espalhados por diferentes partidos e apoiados pelas
mais bizarras coligações, tinham um denominador comum: eram governantes
ou apoiados por governantes que tinham bons resultados para apresentar.
Pirotecnias
de marqueteiros contaram menos que o posto de saúde, a escola dos
filhos ou a ordem urbana. Não se trata de despolitização individualista e
sim de uma metapolítica que submete o discurso à prova dos resultados. A
população está pagando para ver ou, melhor, querendo ver o que paga com
impostos.
A política vai se descolando dos partidos, mundo
autista em que políticos anacrônicos, em função de projetos pessoais,
improvisam tragicômicas “bases aliadas” na ilusão de que o cabresto
partidário e o “toma lá dá cá” durarão para sempre. Para sempre também
se acreditava duraria a impunidade. Por isso, no início do julgamento,
gargalhavam advogados.
Some-se à Justiça e ao bom governo a mídia
atenta à cidade e seus problemas, submetida permanentemente à
concorrência da internet em que a informação transbordante e a conversa
infinita tornam complexa e imprevisível a formação da opinião. A
aparente cacofonia das redes sociais é uma forma contemporânea de
participação, espécie de Ágora virtual, para além das praças
embandeiradas e dos velhos comícios.
Dessa soma resulta uma
democracia que aos trancos e barrancos amadurece, a despeito das
malformações que o Brasil já assume, e vai se dando, progressivamente,
os instrumentos de correção.
A exigência de eficiência na gestão
pública torna obsoletos caciques e salvadores da Pátria, filhos de um
tempo em que a população oprimida e desinformada não era capaz de se
salvar a si mesma.
O exemplo do Rio de Janeiro é eloquente. Sem
demérito para o candidato Marcelo Freixo, cujo respeitável currículo de
cidadão e parlamentar foi premiado por quase um milhão de votos, a
votação de Eduardo Paes confirmou todo o valor atribuído ao bom governo.
Em contraponto, a pífia votação da dupla Maia/Garotinho, quintessência
da velha política, fala por si.
Paes sempre se disse feliz por
governar a Cidade Maravilhosa. Ela lhe retribuiu à altura. No reverso da
medalha que a população colocou em seu peito dando-lhe 65% dos votos
está inscrita a responsabilidade não só de assegurar a continuidade das
políticas bem-sucedidas, mas também de humanizar a cidade bem acolhendo,
enfim, os mais frágeis e invisíveis.
A radiosa primavera da
democracia deixa um recado para os candidatos às eleições de 2014: na
bolsa dos valores, respeito às leis e bom governo estão em alta. Daqui
para a frente, são o melhor investimento.
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.
Fonte: O Globo
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