sábado, 13 de outubro de 2012

Primavera da democracia (Rosiska Darcy de Oliveira)

 Sem demérito para Freixo a votação de Paes confirmou o bom governo. Em contraponto, a pífia votação da dupla Maia/ Garotinho fala por si

Este mês de outubro será lembrado como o tempo de uma revolução de valores que está mudando o país, trazendo à tona uma nova ideia de democracia e de política, herança bendita de um julgamento exemplar e de um processo eleitoral sem falhas.

Há muito tempo amadurece na sociedade brasileira uma exigência ética ao mesmo tempo em que empalidece o mito da corrupção como fato cultural. Ocaso de Macunaíma, decadência dos heróis sem nenhum caráter. O movimento da Ficha Limpa e o julgamento do mensalão vertebraram, com valores, a democracia.

Ao condenar o núcleo político do mensalão, o Supremo Tribunal Federal se situa na ponta de um outro Brasil, possível, em que negros e mulheres são ministros, que se orgulha de seus juízes e que aprendeu que um crime é um crime, poderosos podem ir para a cadeia e que nem tudo está a venda ou pode ser comprado.

Joaquim Barbosa fez história, inaugurando o futuro. Embora ferido pela dor, encontrou em si a energia para, em perfeita sintonia com seus pares, redimir a Justiça. Arrancou da areia movediça uma nação em que a corrupção se autoabsolvia como banal e a democracia era vulnerável ao engenho da criminalidade.

Todos assistimos em tempo real à Suprema Corte sinalizar para os tribunais, governos e sociedade o fim da impunidade de que a corrupção se nutre. Ayres Britto acertou no alvo quando, ao votar pela condenação, lembrou que o que os acusados roubavam era o voto popular. A população foi se aproximando da Justiça na medida em que obtinha resposta à sua demanda latente por respeito. Hoje chamamos todos os ministros pelo nome com a informalidade de quem os conhece há muitos anos. É que há muitos anos esperávamos por eles.

Feliz coincidência, contemporâneas do julgamento no STF, as eleições municipais revelaram que o bom governo é hoje outra exigência da sociedade. Em quatro grandes capitais — Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre — os candidatos eleitos no primeiro turno, espalhados por diferentes partidos e apoiados pelas mais bizarras coligações, tinham um denominador comum: eram governantes ou apoiados por governantes que tinham bons resultados para apresentar.

Pirotecnias de marqueteiros contaram menos que o posto de saúde, a escola dos filhos ou a ordem urbana. Não se trata de despolitização individualista e sim de uma metapolítica que submete o discurso à prova dos resultados. A população está pagando para ver ou, melhor, querendo ver o que paga com impostos.

A política vai se descolando dos partidos, mundo autista em que políticos anacrônicos, em função de projetos pessoais, improvisam tragicômicas “bases aliadas” na ilusão de que o cabresto partidário e o “toma lá dá cá” durarão para sempre. Para sempre também se acreditava duraria a impunidade. Por isso, no início do julgamento, gargalhavam advogados.

Some-se à Justiça e ao bom governo a mídia atenta à cidade e seus problemas, submetida permanentemente à concorrência da internet em que a informação transbordante e a conversa infinita tornam complexa e imprevisível a formação da opinião. A aparente cacofonia das redes sociais é uma forma contemporânea de participação, espécie de Ágora virtual, para além das praças embandeiradas e dos velhos comícios.

Dessa soma resulta uma democracia que aos trancos e barrancos amadurece, a despeito das malformações que o Brasil já assume, e vai se dando, progressivamente, os instrumentos de correção.

A exigência de eficiência na gestão pública torna obsoletos caciques e salvadores da Pátria, filhos de um tempo em que a população oprimida e desinformada não era capaz de se salvar a si mesma.
O exemplo do Rio de Janeiro é eloquente. Sem demérito para o candidato Marcelo Freixo, cujo respeitável currículo de cidadão e parlamentar foi premiado por quase um milhão de votos, a votação de Eduardo Paes confirmou todo o valor atribuído ao bom governo. Em contraponto, a pífia votação da dupla Maia/Garotinho, quintessência da velha política, fala por si.

Paes sempre se disse feliz por governar a Cidade Maravilhosa. Ela lhe retribuiu à altura. No reverso da medalha que a população colocou em seu peito dando-lhe 65% dos votos está inscrita a responsabilidade não só de assegurar a continuidade das políticas bem-sucedidas, mas também de humanizar a cidade bem acolhendo, enfim, os mais frágeis e invisíveis.

A radiosa primavera da democracia deixa um recado para os candidatos às eleições de 2014: na bolsa dos valores, respeito às leis e bom governo estão em alta. Daqui para a frente, são o melhor investimento.

ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.

Fonte: O Globo 

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