sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Eleições 2012: bonanças & tempestades (José Eisenberg)


O quadro político que se desenha nas eleições de domingo próximo é bem mais estável do que muitos previam e bem menos determinante para o destino das forças dominantes no cenário político-eleitoral brasileiro.
Visto sob a ótica dos partidos políticos, este cenário aponta para um fortalecimento equilibrado das cinco forças políticas que disputam o centro, seja pela esquerda, seja pela direita. O PT parece acomodado como grande partido, mesmo sem hegemonias regionais exceto a ocupação de um espaço político no Nordeste em um vácuo aberto pelo esvaziamento do DEM e pelo crescimento do Bolsa Familia na região. Beligerante com a postura elástica e eleitoreira de seu principal aliado, o PMDB, como em 2008 o PT perde a chance de consolidar certos redutos eleitorais para beneficiar sua política nacional de alianças, onde acredita o partido que as coisas realmente importem. Prefeito é síndico. Município se compra com dinheiro da União. Me questiono se é sabedoria ou estupidez que orienta a análise das oportunidades que fazem os petistas. Vejo poucas novas lideranças emergindo no PT; as que ostentam este broche são postes criados pela burocracia do partido ou pelo Lula. Não creio que 2016 será divertido para o PT.

O PSDB não deveria ser o segundo partido analisado nesta reflexão, já que não compartilho da tese que afirma estar a política nacional dominada por um bipartidarismo blando. Só acredita nisto quem tem os óculos ajustados para ver o Brasil através de São Paulo, ou quem anseia pela estabilidade patética que se atribui na ciência política a este tipo de conformação do sistema partidário. O PSDB permanecerá o segundo maior partido político brasileiro, mas nem ele nem o PT são capazes de desalojar os partidos médios (PMDB, PSB, DEM e talvez um ou outro mais) de seus papéis estratégicos na montagem das ridículas alianças de interesses que estruturam o que pomposamente se chama por aí de coalizão em nome da governabilidade. Especialmente depois do mensalão, estes partidos médios são o fiel da balança, e um deles, o PMDB, é um bicho papão que pode se levantar em ira contra qualquer um a qualquer momento. Mas o PSDB, que era sobre o que este parágrafo deveria ter refletido, sairá acomodado como grande partido e cada vez mais encolhido na região Sudeste, com ênfase em São Paulo e Minas Gerais. É, e creio que continuará sendo, a primeira escolha de qualquer oponente à coalizão governamental hoje no Planalto. Daí ao bipartidarismo são léguas.
O PMDB retorna ao protagonismo de grande partido em eleições municipais que se apequena em suas vicissitudes no momento da construção de um projeto nacional. Grande aliado do PT no Planalto, ignorou a aliança e semeou uma discórdia silenciosa onde convinha e um alinhamento sólido onde também convinha. Sua penetração nacional é surpreendentemente capilarizada. Continua a ser a sigla de aluguel de preferência de qualquer candidato a prefeito que não quer se indispor com ninguém, pelo menos até a eleição passar. É a sigla de aluguel mais cara de obter no mercado político, mas é aquela que, sem dúvida, traz mais retornos.

O PSB, em quem muitos apostaram suas fichas na hora de preconizar a novidade desta eleição, me parece ainda uma roupagem nova para uma ideia antiga. Eduardo Campos não conseguiu demonstrar, creio eu, a capacidade de levar seu charme nordestino para além das fronteira do estado que governa, exceto para Minas, onde teve que aceitar uma aliança com Aécio e onde o prefeito é ligado ao antecessor de Campos no papel de liderança regional sem alcance nacional, Ciro Gomes. O PSB, no resto do país, como o PMDB, é sigla de aluguel. Desafetos encontram nele espaços que pequenas siglas não comportam e referências ao novo que o PMDB não ajuda a construir. Na maior parte do país, são insatisfeitos da base ou insatisfeitos com o tipo de oposição liderada pelos tucanos. Ao fim, o partido continuará uma sigla de uma liderança só.
O PFL — sim, o PFL, o partido que não teve a coragem de portar a insígnia de uma direita liberal e preferiu o codinome DEM (invenção hedionda de algum marqueteiro) — está hoje quase reduzido a pó, especialmente com a pulverização do campo da direita conservadora no Brasil. Parte desta migra rapidamente para o PP, que desde Maluf sabe como transitar nas esferas de extração de recursos públicos. Hoje, a sigla luta para manter um vínculo com o mundo do agrobusiness e um reduto ou outro, como o Rio de Janeiro de Dornelles. Surpreendem as liderança novas, as senadoras Ana Amélia, desde o caso Demóstenes, e Kátia Abreu, representante de um dos setores mais organizados da sociedade civil. O novo DEM de Kassab, oportunista em apropriar a sigla de JK, é só isso: oportunista. Partido de ocasião.
Ao redor dos partidos, e apesar deles, o mundo da política não passa desapercebido, e o futuro que estas eleições prometem evidentemente comporta uma dimensão determinada pela presença dos atuais governantes nas campanha. Nestas eleições, será renovada a base de vereadores que aporrinharão prefeitos, de prefeitos que aporrinharão deputados e governadores, e assim por diante. No fim das contas, os eleitos vão aporrinhar a presidente. E muito.
Neste pleito de domingo, creio que a principal governante, a presidente Dilma, sai vitoriosa pela sua ausência do processo eleitoral, no qual se limitou a participar pontualmente de campanhas estratégicas, onde sua presença foi reduzida ao estritamente necessário e seu peso político se mostrou enfático somente na reta final. Talvez seja até tarde demais em alguns contextos, mas terá sido por erro de avaliação, não por conspiração contra seus aliados — manteve-se fiel. A presidente Dilma, com seu estilo tecnocrático, conseguiu traduzir sua falta de engajamento em neutralidade, e todos os lados foram forçados a evocar esta neutralidade a seu favor. Na reta final foi diferente. Reta final é reta final. Depois ela se entende com quem importa.
Da minha perspectiva, não importa muito se o ex-presidente Lula sai vitorioso ou não. Ele continua ex-presidente. Continua carismático. Continua excelente cabo eleitoral. Tudo isto ele demonstrou. Contudo, como tudo com ele é sobre ele, não importa se ele conseguiu traduzir tudo isto em dividendos para seus apoiados e para o Partido dos Trabalhadores. Ele sai vitorioso porque conseguiu voltar para seu milieu par excellence, o palanque; e com êxito, apesar dos problemas de saúde. Mas não se enganem: Dilma transfere mais votos do que ele. O “ex-” pesa.
Os governadores mais célebres saem todos fortalecidos. Aécio Neves foi cabo eleitoral potente, assim como Eduardo Campos, Jacques Wagner e Sérgio Cabral, ainda que este último tenha sido cuidadosamente protegido pela mídia dos riscos que suas ligações com Fernando Cavendish poderiam representar. Geraldo Alckmin pôde novamente brincar de tábua de salvação do Serra, que por sua vez passou a campanha inteira à beira do abismo. Se perder, amigo ou inimigo, será uma despedida indigna da sua história de quase meio século na política brasileira. Ele não é nenhum garoto de uma renovação vazia, como tantos se apresentam virtuosamente em campanhas Brasil afora.
Os prefeitos de municípios, como sempre, se reelegerão. Outros não. Sempre é assim. Todo mundo reacomodado e todos fazendo discurso de vitorioso. O segundo turno em algumas localidades promete manter as eleições municipais na agenda — São Paulo, a capital, e talvez Belo Horizonte são os casos mais evidentes. Em uma, quem serão os dois finalistas é questão em aberto, mas Russomanno está em queda e carregará isto para o segundo turno se chegar lá; na outra, os candidatos sempre foram os mesmos dois, e só resta saber se Aécio conseguirá conter a sangria que sua fabricação começou a sofrer recentemente. Salvador será de Wagner, que sucedeu ACM, aquele que sucedeu Balbino.
O mensalão, por sua vez, cujo calendário estipulado pelo modus votandi do relator eliminou riscos maiores de contaminação, contaminou somente a classe média informada, consumidora de uma mídia obcecada em tratar o caso como se fosse o julgamento do O.J. Simpson nos EUA ou algo parecido. Em tempos de eleição, onde o tema é só este e aporrinha a todos, ter uma novela com celebridades misturadas em um tribunal é perfeito para a pauta. No segundo turno, a novela tende a ficar mais quente. Seus efeitos sobre o eleitorado que estiver embrenhado em polarizações com o PT podem acabar inflados pela vilanização da mídia, independentemente de seu mérito.
Depois que tomarem posse, a farra acaba para a classe política e volta todo mundo ao trabalho de verdade: legisladores a seus mandatos, executivos ao trabalho e novos prefeitos a pensar nas prioridades dos primeiros cem dias. Outro dia, num post no Facebook, comentei o ano de 2013. É o que aguarda os candidatos eleitos em 2012:
Na linha “it’s the economy, stupid”, esta é uma previsão do que nos espera depois para 2013: 

1) Dilma, antes de 2014, que é o ano eleitoral, põe seu pacotinho de maldades na rua logo depois do carnaval; 
2) Obama, logo após vencer em 2012, que foi ano eleitoral, vai pra rua cheio de moral apertar os cintos para que o avião norte-americano não caia; 
3) Hollande, que já venceu, já tá fazendo as dele, pondo blush na brincadeira com imposto alto pra meia-dúzia de milionários; 
4) Merkel, la bruja, não sabe fazer outra coisa que não maldades; 
5) E o Bo, na China, já era. Nos tempos dele, pelos menos a gente tinha dinheiro pra comprar a revista Caras chinesa 
2012 tá ruim, 2013, galera, sei não... sei não...

Reitero. A tempestade vem aí. Adiamos com sucesso, por algum tempo (i.é, até a eleição passar), as maldades que precisarão ser feitas para alinhar o Brasil com o andar da economia mundial e seu passo cada vez mais cadenciado. Para os novos prefeitos que serão eleitos neste domingo, isto significa se preparar para muita criatividade e inovação no modo de governar e na produção dos recursos para tal, porque, no ano que vem, não vai contar muito se você é da base ou não, seja esta a base da presidente Dilma ou de algum governador. O discurso será de unidade para enfrentar as dificuldades, o crescimento da inflação, a alta da taxa de juros, a crise dos bancos, a taxa de emprego e de crescimento desacelerando cada vez mais… em suma, a tempestade que, até agora, parecia passar somente acima do equador chegará mais intensamente neste verão.
Bem-vindos ao amanhã, candidatos eleitos. Para os mais ansiosos, 2014 está logo ali na esquina. Dilma se reelege sorrindo. Opositores que se planejem para as eleições de 2016. Elas serão decisivas para determinar o que acontecerá em 2018. Fui ser mesário.
José Eisenberg é professor de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Fonte: Pitacos & Gramsci e o Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário