Dilma,
a presidente, está mais à vontade no cargo este ano do que esteve em
todo o ano passado, e seu avanço sobre o próprio governo foi
possibilitado por dois fatos inesperados e circunstanciais que acabaram
lhe dando maior autonomia: o afastamento temporário do ex-presidente
Lula da cena política, por razões de doença, e o afastamento definitivo
do ex-ministro Antonio Palocci, uma figura muito forte que acabava
impondo seu ritmo e seu estilo no Palácio do Planalto.
Até pouco tempo antes de deixar a
cena governamental, Lula já era ouvido mais nos assuntos da política e
dos políticos do que de governo, e a sua volta, agora, depois de
concluído o tratamento de saúde, já encontra uma outra dinâmica
instalada. Não que deixará de ser o mais influente e importante dos
mentores, mas inclusive pelo afastamento de vários ministros que havia
imposto à sucessora, sua ascendência sobre o governo será naturalmente
menor.
No que se pode definir como uma
nova abordagem do comando, quase do tipo começar de novo, a presidente
radicalizou: passou a fazer só o que quer, a desautorizar quem age em
seu nome, a resistir a imposições e timings alheios. Por isso a
frequência com que se ouve o dito pelo não dito, as esperas prolongadas
no tempo para a tomada de decisões. Dilma vai fazendo ao seu modo,
nomeando os seus próximos, restabelecendo a rede de confiança e mandando
todo mundo se calar. Eles se calam.
Segundo comentários na aliança
governista, onde também se vai desistindo de empurrar a ferro e fogo as
demandas goela abaixo da presidente, do jeito que está montado o
governo, agora, Dilma terá condições de chegar a julho de 2014, no
início efetivo da campanha da reeleição ou da hipótese, menos provável,
da eleição de um sucessor, "tendo o que dizer à população".
Além
dos programas de promoção social e econômica, a agenda de governo da
presidente Dilma está, com uma ou outra exceção - de que o exemplo mais
citado é o programa Sem Fronteiras, de formação pós-graduada no exterior
- voltada para a economia.
Nos discursos dos primeiros
meses deste segundo ano Dilma tem reafirmado os problemas que se
transformaram em objeto de sua obsessão, todos no trilátero da economia:
juros, câmbio e impostos. O enfrentamento dos juros altos se dá às
claras e, segundo um intérprete das intenções presidenciais, ela vai até
o limite para não ver mais, no Brasil, lucros bancários de um bilhão
por mês. Os bancos terão que trabalhar mais para ganhar a dinheirama com
que estão acostumados, em resumo. Embora já se admita, depois do
primeiro tranco, concessões para que resolvam os problemas que alegam na
sua estrutura, não haverá abertura de guarda, será pressão integral.
Quanto ao câmbio, o mundo se encarregou de sacudir, e os impostos, Dilma
começa a tratar deles agora. A presidente quer não apenas reduzir a
carga tributária, mas simplificá-la. Pretende começar negociando com
Estados - por exemplo, a renegociação da dívida em troca de uma alíquota
única de ICMS - é uma ideia.
O governo se vangloria de ter
obtido, até agora, sucesso em 6 das 7 questões que discutiu com
empresários em duas reuniões de grupo de representantes com a
presidente. O único que não avançou, reconhece, foi o barateamento da
energia, por isso escolhido para ser o seu próximo passo. A economia,
para crescer, precisa de condições internas e externas, diz-se o axioma
no Palácio do Planalto, e as internas serão construídas, como já estão.
Para realizar seu plano e poder
chegar a julho de 2014 na situação ideal que deseja, a presidente
acredita que não precisará de embates políticos radicais. Ao contrário,
pretende evitá-los. Há dois conceitos muito lembrados nos gabinetes do
governo. Um, é que "não somos a Argentina, trabalhamos em paz", e suas
variações, como a que evita comparações entre Dilma e Cristina Kirchner.
Que ela irá brigar lá na frente
com a oposição, não há dúvida, mas agora sua prioridade é governar.
"Ninguém governa na guerra", é um dos preferidos lemas no Palácio do
Planalto.
Nessa linha de raciocínio o
governo gosta de exemplificar a partir da relação da presidente com os
principais políticos da oposição, notadamente filiados ao PSDB. Recebeu
os sábios do mundo, grupo de que faz parte o ex-presidente Fernando
Henrique, para jantar no Palácio da Alvorada; trata o ex-presidente do
partido adversário com educação, até com deferência; aprovou a entrega
da relatoria da Comissão da Verdade no Senado, assunto delicado e seu
grande interesse, ao senador do PSDB de São Paulo, Aloysio Nunes
Ferreira; sua conversa com o governador Geraldo Alckmin, de São Paulo,
flui. Enfim, um rosário de exemplos para provar que sua ação, toda, é
intencional e formulada com esmero. Ou seja, Dilma também não é Lula.
Por isso, o desgosto com a CPI
do Cachoeira, criada com o incentivo do ex-presidente para atender a
demandas do PT e do PMDB (Renan Calheiros renasceu com o poder na
comissão), além do ex-presidente Fernando Collor. Esse tipo de
ocorrência, a CPI, pode levar, ao segundo ano de mandato, o risco que as
demissões sucessivas de ministros levaram ao primeiro. Principalmente, o
da paralisia do governo.
E o que cria mais tensão para
Dilma, hoje, na CPI, é a já histórica ideia fixa, do PT e de Collor, de
aproveitar a oportunidade para uma vingança e criminalizar o trabalho da
imprensa. "A agenda do PT não é a agenda do governo", diz um
interlocutor da presidente. O que se conta, em Brasília, é que a sanha
tem dias contados: "Quem mandou começar já mandou parar com essa
história da imprensa".
Mas embora não tenha levado
adiante ainda o projeto de controle da mídia, deixado a este pelo
governo anterior e atualmente revitalizado pelo PT no contexto da CPI,
Dilma não o engavetou. Acredita que a lei em vigor é da era pré-Internet
e é necessário uma atualização, mas não pode ser algo escrito com o
fígado, logo depois da disputa eleitoral, eivada de idiossincrasias e de
fissura por controle, como o texto em causa. O projeto será podado de
tudo o que ferir a democracia para, um dia, ser lançado adiante. Não
será no clima de desvios do foco da CPI do Cachoeira, muito menos num
contexto de vinganças, que esse marco regulatório se realizará.
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