Como se aproxima o
julgamento de dois acusados do crime que vitimou a jornalista Maria Nilce,
antes de realmente entrar no assunto - que vai ficar para o próximo texto – vou
tecer algumas considerações sobre o fenômeno social de criminalização da vítima
usando um caso muito emblemático acontecido em 1973. Este texto tem por base
alguns trechos do documentário “O Caso Araceli - A Cobertura da Imprensa”, com
direção de Tatiana Beling:
“A mãe de Araceli
(Lola Cabrera Crespo) começou a ser indicada como uma das responsáveis pela
morte da filha. Ela estaria participando da orgia com a rapaziada”
Fala de Marien
Calixte, jornalista que na época escrevia para O Diário. As suspeitas
levantadas contra familiares da vítima ou a própria são recorrentes nos crimes
que envolvem membros da elite social, neste caso, de Vitória. Servem para
tumultuar as investigações, desviar a atenção da imprensa e manipular a opinião
pública. Infelizmente Marien não explica como é que surgiu a acusação contra
Dona Lola, parece dar a entender que a “indicação” partiu da própria polícia e
os jornais simplesmente publicaram.
Logo depois vem a fala
de um jornalista chamado Zé Maria Batista que cobriu o caso pelo jornal A
Gazeta, a acusação à atuação da polícia é um pouco mais clara:
“Relatam que ela seria
uma espécie de avião. Há informações, que também não chegaram a ser
confirmadas, até porque a polícia não permitiu, atrapalhou demais as
investigações - atrapalhou ela mesma - de que essa cocaína vinha de Santa Cruz
de La Sierra onde Dona Lola morava.”
Como já dito de outra
maneira, afirmações difusas como “relatam” ou “há informações” serviam apenas
para adicionar mistério e cortina de fumaça ao caso. Nos atuais tempos
politicamente corretos, até para evitar processos, dificilmente são divulgadas “informações
não confirmadas” nos meios de comunicação mais sérios.
Contradizendo as graves acusações
da polícia há o depoimento de Aurélio Marques um vizinho e amigo da família:
“Jamais, jamais,
jamais. Dona Lola era uma pessoa hiper ..., era mãe. Mãe que não tinha ligação com
nenhum ... Esse bairro aqui era um lugar ermo, isolado.”
Na seqüência do
documentário vem o jornalista Zé Maria novamente, dessa vez com uma fala bem
mais contundente e prenhe de opinião pessoal, botar a culpa na mãe de Araceli:
“Permitir que uma
menina que morava no Bairro de Fátima e estudava na Praia do Suá andasse a pé até
(!) o Bairro de Fátima? (aproximadamente quinze quilômetros) Passando aquela
Praia de Camburi toda ali a pé? No mínimo uma mãe irresponsável, né? Parcela de
culpa nessa história toda ela tem também, talvez por isso que ela tenha se
omitido um pouco no período da investigação.”
Zé Maria estava dizendo
simples e imponderadamente o que muita gente pensava e afirmava na época: “Pobre
é tudo irresponsável, deixa a filha largada por aí é isso o que acontece!” E o
pior, mas o pior de tudo isso mesmo, é que a informação de Dona Lola ser
traficante e Araceli “aviãozinho” tem sido publicada ou mencionada costumeiramente
como fato em vários blogs e sites. Na Wikipédia está assim:
“Também foi apontada como suspeita a
mãe de Aracelli, Lola, que teria usado a própria filha como "mula"
(gíria conhecida para pessoa que entrega drogas) para entregar drogas a Jorge
Michelini. Lola, que seria um contato na rota Brasil - Bolívia do tráfico de
cocaína, desapareceu de Vitória em 1981, residindo atualmente na Bolívia, tendo
o pai de Araceli, Gabriel Crespo, falecido em 2004.”
É bom saber que, uma
das exigências feita aos autores da Wikipédia é a confirmação das informações
publicadas através de referências, uma espécie de validação acadêmica que,
infelizmente, nem sempre funciona bem; basta dizer que o artigo se utiliza do
próprio documentário de Tatiana Beling para afirmar o que está dito no trecho
acima sem fazer a devida ressalva da não confirmação das informações.
Assim um boato vira notícia
e à vítima, ao invés de obter solidariedade e justiça, herda a reprovação da
sociedade. Porém, não é só a impunidade que deixa margem para especulação. Um
crime assim provoca medo paranóico nas pessoas causando diferentes reações
sociais. Após o crime de Araceli as famílias capixabas passaram a se preocupar
mais com o paradeiro dos seus filhos, outras aceitaram e difundiram a opinião
de que a menina morreu porque estava envolvida com drogas e que aquele perigo
não lhes pertencia.
Imaginemos, entretanto,
que Dona Lola fosse mesmo representante de um perigoso cartel de drogas da Bolívia.
Será que essa história teria terminado tão bem assim para os acusados? Rogério
Medeiros conta que o máximo que a mulher conseguiu fazer – provavelmente quando
entendeu para onde apontava a investigação - foi dar uma bofetada no rosto do
delegado. Dado as circunstâncias, deu
sorte de não parar na cadeia.
Araceli deveria ter
hoje perto de cinqüenta anos e a data de sua morte – 18 de maio – marca o Dia
Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Enfim,
não custa lembrar, é na semana que vem...
Olá amigo, que bom que você postou notícia sobre minha bebê Araceli.
ResponderExcluirSobre o autor do Wikipédia, ainda bem que não sou eu, se fosse eu colocaria a verdade. (Araceli nasceu em SP, Lola era simples, apenas oferecia Araceli para os Michelini e outros. Araceli começou a sair mais cedo da escola, porque chegava muito tarde, os ônibus no bairro de Fátima quebravam muito, então Lola não deu o bilhete justamente no dia 18 de maio, o bilhete veio antes. Têm pessoas que até não solidarizam pelo Caso, porque acham que a menina já era traficante por pouca idade que tinha" O pai da menina, Gabriel, faleceu em 2001.
O rapaz do Wikipédia, é uma pessoa solidária com o caso, por isso visitou o túmulo da menina, postou fotos e fez um blog.
É bem verdade que se não fosse sua filha, Tatiana, eu não saberia sobre Araceli, ou melhor, eu não teria tanta intensidade pelo caso. Humildemente eu concordo, se não fosse por mim, talvez você nem postaria o Caso no blog, isso porque não teria fotos de Araceli na internet, nem vídeos ou qualquer outra informação.
Sua filha foi como uma alavanca inicial para o início de Araceli, graças a mim, muitos sabem de Araceli e assim farei o máximo pela lembrança dela.
Eu gosto de quebrar regras, se eu não quebrasse regras, Araceli não seria lembrada! Graças a comissão da verdade, tenho esperança que ela seja mais ainda....
Tenho que agradecer muitas pessoas, muitos do ES me ajudaram, Araceli será lembrada por muitas gerações.
Tenha um bom trabalho na secretária de cultura, o povo precisa de você.
Agora você sabe quem sou eu.
Abraços.
semioticacontraponto@gmail.com sou de vitoria, es
ResponderExcluirestou ressuscitando araceli em um novo contexto, um romance ficcional, dedicado a memória da menina. preciso conversar c vcs.