No
México, os meios de comunicação estão se vendendo - e se rendendo - à
força do governo. O diagnóstico é de Rubén Aguilar, professor e
jornalista mexicano que foi porta-voz da Presidência da República de seu
país entre 2002 e 2006 (governo Vicente Fox). "Tudo está à venda",
disse ele durante sua palestra no seminário Meios de Comunicação e
Democracia na América Latina, realizado no Instituto Fernando Henrique
Cardoso, em São Paulo, no final da tarde de terça-feira. E arrematou:
"Só o que se discute é o preço".
No México descrito por Aguilar, a
tensão entre a imprensa e o poder, que é natural e desejável nos
regimes democráticos, tende a desaparecer para dar lugar a uma relação
de troca negocial, um toma lá, dá cá em que os governantes ganham poder
(com o apoio dos veículos jornalísticos) e os empresários do setor
ganham dinheiro (tendo no Estado um anunciante camarada). Assim,
enquanto uns faturam votos e outros faturam lucros, a sociedade perde: a
fiscalização do poder some de cena e a imprensa se converte em
mercadoria política.
Diante desse cenário, o
ex-porta-voz foi coerente e se declarou contrário ao uso de verbas
públicas no mercado publicitário. O Estado, quando se converte em
anunciante, passa a constranger, seduzir, cercear ou mesmo chantagear
órgãos de imprensa, não necessariamente nessa ordem. O jornalismo
investigativo perde fôlego - e a democracia, também.
Na abertura do mesmo seminário,
Bernardo Sorj, diretor do Centro Edelstein de Pesquisa Social, professor
titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
organizador do livro Meios de Comunicação e Democracia: Além do Estado e
do Mercado (publicado no ano passado pelo Centro Edelstein), tocou no
mesmo ponto. Para ele, devemos considerar a necessidade de impor limites
ao crescente investimento de dinheiro público em propaganda de governo.
Aos que defendem a publicidade governamental com o tortuoso sofisma de
que ela jogaria recursos em pequenos jornais e emissoras, contribuindo
assim para a "diversidade" no debate público, Bernardo Sorj argumenta,
corretamente, que, se for esse o objetivo, o Estado deveria abrir linhas
de financiamento público, a partir de critérios democráticos,
impessoais e transparentes. Essa seria a política adequada para apoiar
veículos menores e fortalecer a pluralidade e a concorrência saudável.
Aos poucos, ainda que
tardiamente, vai nascendo entre nós a percepção de que a publicidade
governamental distorce, deforma e degrada o debate público. Ela, que
sempre foi uma unanimidade entre os agentes políticos - basta ver que,
no Brasil e em todos os países da América Latina, os governos anunciam
cada vez mais, qualquer que seja o partido do mandatário -, começa
finalmente a ser descrita como problema para os observadores mais
críticos.
Já era tempo. Aqui mesmo, neste
mesmo espaço, esse problema já foi denunciado mais de uma vez: o que
existe hoje nas nossas democracias ainda precárias é uma simbiose
promíscua entre Estado e meios de comunicação privados, gerando um
ecossistema com o qual é muito difícil romper.
No Brasil, a prática avança numa
progressão de enrubescer o erário. Na primeira década do século 21 será
difícil encontrar, na administração pública brasileira, uma rubrica
orçamentária que tenha crescido mais.
Comecemos pela Prefeitura de São
Paulo: num intervalo de seis anos, o montante jogado em publicidade
oficial praticamente decuplicou, saltando de R$ 12 milhões em 2005 para
R$ 108 milhões em 2010. Na cidade do Rio de Janeiro, a evolução foi
ainda mais estonteante: em 2009, ao menos de acordo com os dados
oficiais, a soma aplicada em publicidade da prefeitura ficou na casa de
R$ 0,47 milhão e, em 2011, o total alcançou a cifra de R$ 74 milhões. O
governo estadual do Rio de Janeiro passou de R$ 70 milhões em 2005 para
R$ 172,5 milhões em 2011. No governo federal, conforme cifras divulgadas
no site da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República, a Secom, os gastos da administração direta e indireta
(contando, portanto, com as empresas estatais) vêm oscilando em torno da
marca do bilhão de reais. No ano de 2009 houve um pico: R$ 1,7 bilhão.
Também em 2009, o governo paulista alcançou um ápice de R$ 314,6
milhões, ante apenas R$ 33 milhões em 2003.
A que se destinam tantas
fortunas? Elas não geram ambulatórios, não criam vagas nas escolas
públicas, não abrem um só quilômetro de metrô, não aumentam o efetivo
policial, não melhoram as estradas, nada disso. Nem sequer informação
elas oferecem à sociedade. Só o que essa dinheirama produz é fetiche:
uma boa imagem - imagem mercadológica - para aqueles que governam. É bom
observar, a propósito, que a linguagem, a estética e a forma narrativa
da propaganda oficial são idênticas - são as mesmas - às adotadas pelos
filmetes partidários exibidos no horário eleitoral. A propaganda
governamental é o prolongamento escancarado da propaganda eleitoral - e
vice-versa. Ao contrário do que dizem os governantes, não sem cinismo,
essas peças de comunicação não informam coisa alguma - apenas contam
lorotas publicitárias.
O pior, o mais grave de tudo, é
que elas esvaziam a independência dos órgãos jornalísticos de pequeno e
de médio porte. Dizem as autoridades da comunicação oficial que,
distribuindo seus milhões para os pequenos, os governos fortalecem os
jornais locais ou "alternativos". É mentira. A verba pública
transformada em verba anunciante nos jornais e nas emissoras locais
produz neles uma dependência mortal. O dinheiro público entra pela porta
e a independência crítica é expulsa pela janela. Também por isso, a
figura novíssima e abrutalhada do Estado-anunciante só enfraquece a
democracia.
Têm razão Rubén Aguilar e Bernardo Sorj. Mas que político terá coragem de romper com o ecossistema?
Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM
Nenhum comentário:
Postar um comentário