Lula deixou a Presidência da República bem avaliado como nenhum outro presidente antes dele, tanto que elegeu a sucessora até como certa facilidade. O sucesso eleitoral, aparentemente, teve um efeito perverso sobre o ex-presidente. Lula é popular, acertou nas medidas contra a crise de 2008 e praticamente nomeou seu sucessor no Palácio do Planalto. Mas nada disso assegura ao ex-presidente o dom da infalibilidade, como parecem acreditar parte do PT, de seus auxiliares no Instituto Lula e ele mesmo, a julgar por seus últimos atos.
Lula abusa de seu prestígio, segundo se avalia entre os amigos mais próximos, aqueles que não consideram dogma cada afirmativa do ex-presidente. Já há algum tempo Lula tem "exorbitado" e tomado decisões sem se importar com opiniões saídas do seu entorno. Pouca arbitragem, muito arbítrio. Como acertou antes e é popular, tem crédito junto à banca. Mas isso não quer dizer que esteja sempre certo, como demonstram as principais decisões tomadas por ele desde que deixou o Palácio do Planalto.
A última foi a iniciativa de conversar reservadamente com ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Especialmente se foi para tratar, de fato, do adiamento do julgamento processo do mensalão, previsto para começar em agosto e se estender durante parte do período eleitoral.
PT reclama que Lula "exorbitou" no caso Gilmar Mendes
Pouco importa se a iniciativa da conversa foi de Lula - como publicado - ou de Gilmar, como sugerem os petistas (a ideia de que o encontro foi casual ofende a inteligência alheia). O PT e o ministro do Supremo têm um longo contencioso que não recomendava nenhum tipo de conversa secreta neste momento, quando o picadeiro que se arma em Brasília é para abrigar o espetáculo do julgamento do mensalão - seja em casas alugadas por acusados, pelo trânsito frenético de advogados autorizados no processo ou pelas insinuações que jorram aos borbotões da CPI do Cachoeira e excitam a imaginação dos mais crédulos.
Gilmar nunca foi propriamente um entusiasta dos governos do PT, e chegou a ser acusado de pedir vistas a um processo, nas eleições de 2010, a pedido do candidato tucano José Serra. Em geral, diverge por convicção. É até difícil imaginar a razão que o teria levado a relatar a conversa com Lula ao presidente do Supremo, Ayres Brito, ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel e ao advogado-geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, se não fosse para se preservar.
Não há nada ilegal no fato de Lula e Mendes terem uma conversa reservada. Mesmo que nessa conversa tenha-se abordado o a conveniência de adiar o julgamento do processo do mensalão, já que é real a possibilidade de o ambiente de disputa eleitoral, no segundo semestre, de alguma maneira, contaminar a votação. O momento (da conversa) é que é inconveniente. O que de maneira nenhuma pode ser considerado admissível é tentativa de influenciar, mediante outros pretextos que não o bom argumento, a decisão de um juiz da suprema corte, como Gilmar declarou. O que falta em relação à conversa entre Lula e Mendes é clareza, transparência. Uma coisa é certa: os dois achavam que tinham algo a dizer ou ouvir do outro, ou simplesmente queriam saber o que o outro tinha a falar, tanto que resolveram se encontrar.
Na sexta-feira 25, havia uma expectativa favorável ao adiamento do julgamento, entre alguns dos 38 acusados remanescentes do mensalão (da "Quadrilha dos 40" denunciados pelo Ministério Público Federal, um morreu e outro fez acordo). Ontem, havia desolação. A revelação da conversa entre Lula e Gilmar Mendes provocou a reversão de sentimento dos mais esperançosos. Independentemente de Lula, advogados haviam registrado impressão de que havia, entre ministros do Supremo, inquietação quanto ao fato de o julgamento do processo do mensalão ocorrer às vésperas do período eleitoral. Agora, o STF parece sem outra saída a não ser julgar logo, como previsto.
Uma decisão perigosa, não só por misturar Justiça e política. José Dirceu, apontado pela Procuradoria Geral da República como sendo o "chefe da quadrilha" dos 40, tem repetido a quem quiser ouvir que não quer "um julgamento que seja político", quer "um julgamento técnico". Segundo Dirceu, um julgamento político vai "deslegitimizar" a decisão do STF. Por outro lado, é lamentável que o PT e dirigentes da CPI continuem insinuando que "surgirão fatos" na comissão de inquérito capaz de abalar o Judiciário. Ou a CPI abre o jogo, ou para de fazer sugestões sobre um inquérito cujo teor é desconhecido até dos acusados.
O envolvimento de Lula numa suposta tentativa de adiar o julgamento é mais uma das "exorbitâncias" apontadas no PT e, com mais loquacidade, entre os aliados. Outra é a forma como retirou a senadora Marta Suplicy da disputa a prefeito de São Paulo. A ex-prefeita, nome mais bem cotado no PT, segundo as pesquisas, foi avisada de que estava fora por meio de uma auxiliar do ex-presidente da República. Ela não gostou, fingiu que aceitou o "dedaço" de Lula e agora não perde oportunidade para boicotar a pré-campanha de Fernando Haddad, o nome escolhido pelo ex-presidente.
Haddad pode ganhar a eleição, o que certamente os áulicos do ex-presidente dirão que é mais uma prova de sua clarividência e genialidade político-eleitoral. O problema não é esse, para quem tem que carregar um candidato pesado e tentar jogá-lo no segundo turno. O problema é que Lula não ouviu ninguém para indicá-lo.
Lula também ajudou na criação da CPI do Cachoeira. Estimulou deputados que o procuraram, para saber o que fazer, a assinar o requerimento. A CPI então parecia conveniente ao PT, embaralhava o julgamento do mensalão, levava o senador Demóstenes Torres ao patíbulo e ainda criava dificuldades políticas para o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), desafeto do ex-presidente da República. Bom demais para ser verdade. Coisa de amador.
Lula abusa de seu prestígio, segundo se avalia entre os amigos mais próximos, aqueles que não consideram dogma cada afirmativa do ex-presidente. Já há algum tempo Lula tem "exorbitado" e tomado decisões sem se importar com opiniões saídas do seu entorno. Pouca arbitragem, muito arbítrio. Como acertou antes e é popular, tem crédito junto à banca. Mas isso não quer dizer que esteja sempre certo, como demonstram as principais decisões tomadas por ele desde que deixou o Palácio do Planalto.
A última foi a iniciativa de conversar reservadamente com ministro Gilmar Mendes, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), no escritório do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Especialmente se foi para tratar, de fato, do adiamento do julgamento processo do mensalão, previsto para começar em agosto e se estender durante parte do período eleitoral.
PT reclama que Lula "exorbitou" no caso Gilmar Mendes
Pouco importa se a iniciativa da conversa foi de Lula - como publicado - ou de Gilmar, como sugerem os petistas (a ideia de que o encontro foi casual ofende a inteligência alheia). O PT e o ministro do Supremo têm um longo contencioso que não recomendava nenhum tipo de conversa secreta neste momento, quando o picadeiro que se arma em Brasília é para abrigar o espetáculo do julgamento do mensalão - seja em casas alugadas por acusados, pelo trânsito frenético de advogados autorizados no processo ou pelas insinuações que jorram aos borbotões da CPI do Cachoeira e excitam a imaginação dos mais crédulos.
Gilmar nunca foi propriamente um entusiasta dos governos do PT, e chegou a ser acusado de pedir vistas a um processo, nas eleições de 2010, a pedido do candidato tucano José Serra. Em geral, diverge por convicção. É até difícil imaginar a razão que o teria levado a relatar a conversa com Lula ao presidente do Supremo, Ayres Brito, ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel e ao advogado-geral da União, Luiz Inácio Lucena Adams, se não fosse para se preservar.
Não há nada ilegal no fato de Lula e Mendes terem uma conversa reservada. Mesmo que nessa conversa tenha-se abordado o a conveniência de adiar o julgamento do processo do mensalão, já que é real a possibilidade de o ambiente de disputa eleitoral, no segundo semestre, de alguma maneira, contaminar a votação. O momento (da conversa) é que é inconveniente. O que de maneira nenhuma pode ser considerado admissível é tentativa de influenciar, mediante outros pretextos que não o bom argumento, a decisão de um juiz da suprema corte, como Gilmar declarou. O que falta em relação à conversa entre Lula e Mendes é clareza, transparência. Uma coisa é certa: os dois achavam que tinham algo a dizer ou ouvir do outro, ou simplesmente queriam saber o que o outro tinha a falar, tanto que resolveram se encontrar.
Na sexta-feira 25, havia uma expectativa favorável ao adiamento do julgamento, entre alguns dos 38 acusados remanescentes do mensalão (da "Quadrilha dos 40" denunciados pelo Ministério Público Federal, um morreu e outro fez acordo). Ontem, havia desolação. A revelação da conversa entre Lula e Gilmar Mendes provocou a reversão de sentimento dos mais esperançosos. Independentemente de Lula, advogados haviam registrado impressão de que havia, entre ministros do Supremo, inquietação quanto ao fato de o julgamento do processo do mensalão ocorrer às vésperas do período eleitoral. Agora, o STF parece sem outra saída a não ser julgar logo, como previsto.
Uma decisão perigosa, não só por misturar Justiça e política. José Dirceu, apontado pela Procuradoria Geral da República como sendo o "chefe da quadrilha" dos 40, tem repetido a quem quiser ouvir que não quer "um julgamento que seja político", quer "um julgamento técnico". Segundo Dirceu, um julgamento político vai "deslegitimizar" a decisão do STF. Por outro lado, é lamentável que o PT e dirigentes da CPI continuem insinuando que "surgirão fatos" na comissão de inquérito capaz de abalar o Judiciário. Ou a CPI abre o jogo, ou para de fazer sugestões sobre um inquérito cujo teor é desconhecido até dos acusados.
O envolvimento de Lula numa suposta tentativa de adiar o julgamento é mais uma das "exorbitâncias" apontadas no PT e, com mais loquacidade, entre os aliados. Outra é a forma como retirou a senadora Marta Suplicy da disputa a prefeito de São Paulo. A ex-prefeita, nome mais bem cotado no PT, segundo as pesquisas, foi avisada de que estava fora por meio de uma auxiliar do ex-presidente da República. Ela não gostou, fingiu que aceitou o "dedaço" de Lula e agora não perde oportunidade para boicotar a pré-campanha de Fernando Haddad, o nome escolhido pelo ex-presidente.
Haddad pode ganhar a eleição, o que certamente os áulicos do ex-presidente dirão que é mais uma prova de sua clarividência e genialidade político-eleitoral. O problema não é esse, para quem tem que carregar um candidato pesado e tentar jogá-lo no segundo turno. O problema é que Lula não ouviu ninguém para indicá-lo.
Lula também ajudou na criação da CPI do Cachoeira. Estimulou deputados que o procuraram, para saber o que fazer, a assinar o requerimento. A CPI então parecia conveniente ao PT, embaralhava o julgamento do mensalão, levava o senador Demóstenes Torres ao patíbulo e ainda criava dificuldades políticas para o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), desafeto do ex-presidente da República. Bom demais para ser verdade. Coisa de amador.
Valor Econômico
29/05/2012
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