A história do PMDB não pode ser vista apenas pela rasa abordagem fisiológica de sua atuação recente no presidencialismo de cooptação, sucedâneo do presidencialismo de coalizão. Em todos os lances de crise e transição, sempre teve papel decisivo em todos os nossos momentos críticos desde sua fundação, nos albores da ditadura militar. Foi presidido então pelo general Oscar Passos, a pedido do próprio primeiro interventor militar na ordem democrática que vigeu de 1946 a 1964, o general Castello Branco. Nessa época era ainda MDB ou Movimento Democrático Brasileiro. Começou como contraponto de fachada, mas logo passou a opositor vigoroso ao partido único da ditadura militar, a Arena.
Posteriormente, com os descaminhos da ditadura militar, foi se robustecendo como o grande partido de resistência democrática até conquistar o poder com as armas legislativas casuísticas da própria ditadura e se transformar no virtual fiel da transição democrática brasileira. Seu momento decisivo de acesso a essa posição majoritária nacional se deu no apogeu do autoritarismo, em 1976, com 16 acachapantes vitórias estaduais parlamentares no que restara de eleições diretas legislativas. O fato foi tão significativo que os generais foram obrigados a editar um pacote de medidas casuísticas, o famigerado Pacote de Abril de 1977, com a criação do “senador biônico”, eleito pelo voto indireto, para que a ditadura militar pudesse manter sua falsa maioria no Congresso. Esse momento mudou a face do Estado de Fato no Brasil e obrigou o general Geisel, já pressionado fortemente pelos democratas americanos que exigiam o fim das ditaduras do Cone Sul, a iniciar a chamada “distensão lenta, gradual e segura”, que desaguou na “abertura” final, comandada já por Figueiredo. Com a vitória de Tancredo, então robustecido pela Aliança Democrática, derrota o PDS, inaugurando a Nova República. Isso apesar da forte resistência da linha dura capitaneada pelo general Octávio Medeiros, então chefe do SNI que, por pouco, não desencadeia outro golpe de Estado.
O PMDB de então, chefiado por Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, houve-se com extraordinária habilidade e pragmatismo. Daí para frente passa a sofrer o inchaço inerente ao presidencialismo de cooptação. Todo esse processo aprofundou seu distanciamento do PMDB autêntico original, potencializado pela cisão dos paulistas liderados por Mario Covas com a fundação do PSDB, ainda no ano anterior à eleição do Congresso Constituinte que elaborou a nossa atual Carta Magna. Hoje, diante da maior crise já vivida pela Nova República, com o governo do PT em total decomposição, desorientação e dissolução moral e com um gravíssimo quadro econômico instalado, novamente o PMDB assume ambas as Casas do Congresso, à revelia da presidente da República e seus desastrados assessores políticos do PT. A opinião pública através da mídia, das redes sociais e da própria oposição, já articula pedido de impeachment da chefe de governo por seus desmandos e envolvimento direto em crime de responsabilidade por culpa, ainda que o dolo tenha sido afastado até agora, segundo consistente parecer do jurista Ives Gandra Martins. Mais do que isso, o vice-presidente da República, um emérito constitucionalista dos antigos quadros do PMDB autêntico, sentindo o desgoverno, assume a liderança da reforma política do Estado brasileiro.
Novamente o PMDB comanda a saída da crise, como na solução do impeachment de Fernando Collor, quando o vice Itamar Franco garantiu a sequência da democracia em momento de bem menor gravidade até do que este que vivemos hoje. Não por acaso, também Itamar era um quadro respeitado egresso do PMDB autêntico. Novamente, o barômetro do PMDB dá o norte à História e detecta as péssimas condições meteorológicas da inevitável tempestade política que se avizinha. Falta a voz das ruas com as águas de março para fechar este terrível verão de 2015.
Nelson Paes Leme é cientista político
Fonte: O Globo (28/02/15)
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