• O propalado fracasso na relação Dilma Rousseff com o Congresso mudará de vez a política do país, opina o cientista político Murilo de Aragão. Para ele, a falta de habilidade e de apreço de Dilma pela política põe um ponto final na postura submissa do Legislativo em relação ao Executivo
Isabel Braga – O Globo
O que representa a atitude do presidente do Senado, Renan Calheiros, de devolver um projeto importante para o ajuste fiscal após ser avisado que seu nome estava na lista de políticos da Lava-Jato?
A atitude do Renan combina dois fatores claros para mim: primeiro, o desejo do Congresso de ser reconhecido como poder que é. É uma atitude institucional e segue tendência clara, que começou com a decisão de votar os vetos presidenciais e aprovar o orçamento impositivo. O segundo fator é operacional. A coordenação política do governo com o Congresso não está funcionando. Uma MP com essa relevância teria que ter sido previamente negociada com as principais lideranças.
Renan já havia boicotado um jantar com Dilma. Ele passou de aliado preferencial a rebelde?
Não acredito que a não ida tenha sido retaliação a alguma desfeita de natureza pessoal. O que existe é um desconforto dentro da coalizão do PMDB e um fortalecimento institucional do Congresso.
Os nomes de Renan e Cunha na lista do procurador podem significar um enfraquecimento dessa independência do Legislativo?
Qualquer envolvimento ou investigação traz desconforto. Agora, não atribuo a esse episódio o acirramento da relação entre governo e Congresso. São atitudes independentes. Estar incluído na lista é decisão do Ministério Público, a partir de investigações do Judiciário. Há um fortalecimento institucional e deficiência na coordenação política.
O senhor faz um diagnóstico de crise no presidencialismo de coalização. Pode explicar o porquê?
O presidencialismo de coalização visa dar ao presidente eleito uma maioria no Congresso. Seria, a grosso modo, um semiparlamentarismo, porque o governo precisa ter uma maioria para aprovar suas propostas e se proteger contra a oposição. Na medida em que as forças políticas do Congresso não se acham adequadamente representadas no governo, ocorrem tensões. E essas tensões ficaram evidenciadas ao longo do primeiro mandato de Dilma.
Mas como chegou a esse ponto?
Não houve a adequada participação dos partidos nos ministérios, na distribuição de cargos e de verbas relacionadas a esse suporte no Congresso. Com isso se criou um passivo de insatisfações e recalques que desemboca agora no segundo mandato. Ela está sendo emparedada pelo Congresso, que impõe sua agenda.
Mas a presidente tem 39 ministros, com representantes desses partidos neles. O que não funciona?
Os ministérios, muitas vezes, são vazios. Quem comanda a máquina não é o titular do partido que o ocupa. Recebe o ministério, mas não a caneta para administrar. E algumas vezes ela escolhe o ministro do partido, não é o partido que escolhe, o que gera tensão. E o terceiro ponto diz respeito à proporcionalidade não adequada ao tamanho das siglas no Congresso. O PT criou uma ideia de que ter a presidente daria uma supremacia maior do que deveria ter. Quem deveria mandar é a coalização dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma e Michel Temer.
Mas não foi sempre assim?
O PMDB demorou a perceber que tem mais poder do que ele exerce efetivamente. Só após a irritação causada pelo primeiro mandato de Dilma é que o desperta para essa realidade.
05/03/15
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