Há alguns dias, numa entrevista à "Folha de S. Paulo", o governador
gaúcho, Tarso Genro, observava que o PT precisa superar o mensalão.
Segundo ele, o partido já teria feito o que lhe caberia no caso,
prestando solidariedade aos seus membros que foram réus no processo, não
fazendo mais sentido continuar a remoer essa história. O problema, para
os mais críticos ao PT, é que a única forma efetiva e moralmente
aceitável de superação do episódio passaria não pela solidariedade aos
condenados, e sim pela reiteração, nas instâncias partidárias, da
condenação judicial que lhes alcançou. Haveria até mesmo uma razão
formal para isso, pois o estatuto partidário prevê a exclusão dos
membros que forem condenados criminalmente.
Entretanto, o PT invocou sua autonomia para determinar em que situações
dá-se a aplicação da norma de exclusão, decidindo que ela não valeria
para o caso dos réus do mensalão. Seria essa uma mera demonstração de
incoerência, ou o partido teria boas razões para proteger seus membros
condenados no julgamento que, decerto, maior atenção pública obteve em
toda a história do país? Talvez nem uma coisa, nem outra - ou, ao menos,
nenhuma delas por completo.
Para compreender a lógica que levou o PT a fazer sua escolha é
necessário perscrutar as motivações da decisão. Analisando-se isto é
possível divisar quais tendem a ser as consequências do episódio para o
futuro do partido e, consequentemente, do país - já que se trata da
agremiação que mais frequentemente tem figurado como ator relevante nas
principais disputas nacionais, ganhando-as ou perdendo-as.
A solidariedade aos réus do mensalão é meio de proteger-se
A primeira razão para a solidariedade pode ser explicada em termos
organizacionais. Os principais envolvidos faziam parte do grupo
dominante do partido que, mesmo sem sua participação direta, seguiu como
setor hegemônico. Assim, a solidariedade da organização seria
compreensível em termos da lealdade dos seguidores a seus líderes.
Mas isto é pouco, pois apesar de vozes dissonantes como a de Tarso
Genro, amplos segmentos do PT (inclusive aqueles que não compõem a
coalizão dominante) mantiveram-se solidários aos réus. O segundo motivo é
o reconhecimento tácito de que as práticas que se tornaram objeto de
condenação (o caixa dois de campanha, pelo menos) não eram ignoradas
pelo conjunto do partido - mesmo por aqueles que não envolviam com elas.
De modo que seria hipócrita jogar os companheiros ao mar. Tal
reconhecimento fica evidenciado na frase que um tesoureiro de campanha
petista teria proferido ao aceitar a incumbência: "Eu vou cuidar do
convento; não quero saber onde fica o bordel."
A terceira razão pode ser apontada como uma reação defensiva.
Construiu-se a ideia de que, tendo dirigentes importantes do PT se
envolvido em ilícitos, o partido todo nada mais seria que uma gangue de
bandidos, bastando sua chegada ao poder em qualquer lugar para que a
corrupção se alastrasse de forma incontrolável. Assim, não haveria mais
petistas, apenas "petralhas". A construção desse mito foi tão longe que
levou um articulista caro ao público neoconservador - Demétrio Magnoli -
a publicar em "O Estado de S. Paulo" um artigo intitulado "O PT não é
uma quadrilha". Não tardou a que a blogosfera direitista passasse a
atacar Magnoli como um traidor, reafirmando que "sim, o PT é uma
quadrilha".
O problema de uma afirmativa como essa é seu corolário. Ora, se o PT
fosse uma quadrilha, ele não seria uma organização legítima e, portanto,
deveria ser proscrito. Ou seja, a disseminação de tal ideia poderia
comprometer o próprio projeto partidário, atingindo até mesmo os
adversários internos dos réus do mensalão. Desse modo, o ataque a eles
passou a ser percebido por muitos como uma invectiva à própria
sobrevivência do partido, levando o conjunto da agremiação e muitos de
seus simpatizantes a cerrar fileiras.
Um quarto fator potencializou os efeitos dos demais. O julgamento foi
espalhafatoso, ocorreu concomitantemente às eleições, sob intensa
cobertura midiática e - aos menos aos olhos dos juridicamente leigos -
rebaixou o sarrafo da condenação. Num país marcado pelo garantismo, que
protege os criminosos de colarinho branco que dispõem de influência e
bons advogados, o rigor condenatório do STF (liderado por Joaquim
Barbosa) foi realmente de causar espécie. Não é a toa que Tarso Genro
alega que Dirceu e Genoíno tenham sido condenados sem provas - embora
Delúbio fosse réu confesso.
As dúvidas sobre a culpabilidade aumentam ainda mais quando se considera
o aspecto do processo mais atraente ao imaginário da teoria
conspiratória: a compra de votos de deputados. Ora, se foi isto o que
houve, por que motivo parlamentares petistas também teriam recebido
dinheiro do esquema? O PT comprava gente do PT? O dinheiro de origem
ilícita era repassado a parlamentares para torná-los aliados, ou porque
eles já eram aliados? Diante de tais dúvidas, o partido optou por não
excluir seus membros por talvez considerar que eles tenham sido vítimas
de um julgamento incorreto, embora não necessariamente ilegítimo - o que
levou a direção partidária a rechaçar a proposta de uma campanha de rua
contra o STF feita por um membro do diretório nacional.
O PT precisa superar o mensalão para seguir em frente, evitando porém
cometer os mesmos erros. A solidariedade aos réus neste momento, se por
um lado parece sinalizar que as transgressões não foram tão graves, por
outro talvez fosse inevitável para preservar a coesão interna da
agremiação. Ao comentar sua condenação, José Genoíno alegou que nem sob
tortura, durante a ditadura militar, traiu companheiros - e que não
faria isto agora, como forma de minorar sua própria pena. Esse tipo de
solidariedade de grupo, embora possa ser condenável pela moralidade da
sociedade circundante, é crucial para a preservação do grupo. Se isto é
verdadeiro até mesmo em situações prosaicas (coleguinhas de classe não
dedam quem está colando), não deixaria de ser em casos mais sérios e em
organizações complexas como um grande partido.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP
Fonte: Valor Econômico (02/01/13)
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