No começo do ano, há poucas semanas, parecia certa uma tranquila
reeleição de Dilma Rousseff em 2014. O candidato do PSDB seria Aécio
Neves, que concorreria não tanto para vencer, mas para marcar posição
com vistas a 2018 - renovando também as lideranças do partido de
oposição, após três derrotas sucessivas de grandes nomes seus, ambos
paulistas. Esse roteiro continua provável, mas já não é tão certo. As
chances de Dilma e Aécio diminuíram.
Dilma se enfraqueceu porque os problemas na economia - vale dizer, no
crescimento econômico - começam a preocupar. A economia é o segredo do
sucesso dos governantes, numa época em que a confiança dos eleitores
neles se reduz ao crédito que se pode ter na compra de bens a prazo, o
que por sua vez resulta da irrigação de dinheiro, do aumento da produção
e da inclusão social. Essas condições podem ser fruto da competência do
governante - de sua "virtù", como diria Maquiavel - mas também podem
decorrer de uma conjuntura de sorte, que o pensador florentino chamava
de "fortuna". Lula mostrou "virtù" não se apavorando ante a crise
mundial de 2008, não reagindo (como fariam os tucanos) com um forte
aumento da taxa de juros - mas também se beneficiou de um quadro
afortunado, porque não enfrentou a série de crises mundiais que se
abateu sobre seu antecessor FHC.
Aécio se enfraqueceu porque, segundo a "Folha de S. Paulo", Serra
radicaliza na sua intenção de disputar, mais uma vez, as eleições
presidenciais: ele até deixaria o PSDB, se não lhe derem a candidatura.
Essa notícia mostra um partido potencialmente dividido, porque Aécio
teria ainda menos razões para retirar o nome em favor de quem já foi
duas vezes derrotado no pleito presidencial. Com isso se enfraquecem
Serra, Aécio, o partido.
A economia é o terreno movediço da fortuna
Dilma estaria fraca, o que é muito curioso, não por seu desempenho na
política, mas na economia. Ora, é sabido que ela gosta da economia; que
prefere uma visão técnica, gerencial, das questões a uma visão política.
Política aparece para Dilma em seu pior sentido: o do toma-lá-dá-cá, o
da construção da governabilidade mediante concessões. Aliás, é dessa
mesma forma que a maior parte da população vê a política; talvez a
popularidade presidencial se deva a essa coincidência do seu modo de ser
com o da maioria do povo. Presidenta e povo convergem numa certa
repulsa aos políticos. "Política", aqui, é a submissão do melhor e mesmo
do bom ao possível. Quem tem valores fortes geralmente sente
repugnância por isso. Parece ser o caso dela. E, mesmo assim, neste
momento Dilma está melhor no quadro político do que no econômico. Não
tem um rival forte à sua direita, a oposição de esquerda é microscópica e
a causa ecológica muito fraca, dois anos apenas depois da avalanche de
votos em Marina Silva.
Já a economia é a praia de Dilma Rousseff. A presidenta representa uma
visão que, curiosamente, está perto do modo que, anos atrás, era a marca
registrada de José Serra, na oposição interna ao governo FHC: o ideal
de uma economia desenvolvimentista, pondo a regulação do Estado e o
apetite dos atores privados a serviço de uma estratégia que aumente o
crescimento e reduza a pobreza. (Não por acaso, jogo com o título do
best-seller de 1975, que projetou o Cebrap de FHC e Serra, "São Paulo:
crescimento e pobreza"). Não por acaso, me ocorreu escrever este artigo
depois de ler uma entrevista do economista de esquerda Carlos Lessa, que
foi professor de Dilma mas também padrinho de casamento de José Serra, e
declara ter votado no candidato tucano.
Em suma, Dilma vê a economia não como fim em si, mas como o melhor
instrumento técnico para fazer uma política que só é chamada de
esquerdista porque, em nosso país, o mero propósito de construir uma
nação de classe média soa radical - e talvez seja mesmo. Ora, é essa
agenda que poderia ser comum ao maior número possível de pessoas, que
poderia ser o ponto de encontro dos "homens de boa vontade", superando
as pautas político-partidárias de interesses mesquinhos - essa agenda
das pessoas que "pensam no Brasil", para usar uma expressão do então
presidente Fernando Henrique Cardoso, numa crítica a uma sentença do
Supremo Tribunal Federal - que está em risco. E está em risco porque a
economia é uma caixa-preta.
Fala-se tanto em competência a respeito da economia mas, na verdade, ela
é o movediço terreno da fortuna. Não se diz que os mercados "estão
nervosos"? Nervosismo é o contrário da racionalidade. Daí que, apesar do
cabedal de simpatia e da vantagem política em que está Dilma, com o PIB
baixo as coisas se tenham tornado delicadas para ela. Não há melhor
sinal disso do que a possível crise no abastecimento de energia.
Esqueçam o sinônimo "luz" e pensem no sentido forte da palavra
"energia": é isso que pode nos faltar. Simbolismo forte, não é? E pode
faltar caso faltem chuvas, que não dependem de nenhum político, mas da
sorte. Se Dilma se enfraqueceu, foi devido a golpes da fortuna.
E Serra? Seu jogo é arriscado. Fernando Henrique, que apoia Aécio, e
Alckmin, que não apoia ninguém, parecem cansados de avalizar suas
pretensões presidenciais. O pior para Serra será assumir o rótulo de
ingrato, em relação aos correligionários, de desleal ao partido e de
egoísta na aspiração ao Planalto. Com isso, ele pode tirar votos de
Aécio, mas dificilmente conseguirá a candidatura tucana e, se a obtiver,
sofrerá um intenso fogo amigo. Por hábil que seja Serra, que movimenta o
xadrez político como poucos - dotado que é de muita "virtù" -, ele pode
estar batendo no teto. Hoje, Dilma ainda vence Aécio, mas os dois
enfraquecidos.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico (21/01/13)
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