Dois eventos dominaram a cena política no segundo semestre do ano
passado. As eleições municipais, de um lado, e de outro, o julgamento da
Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal. Aparentemente não
relacionados, eles guardam estreita dependência. Para a oposição, um
tanto sem rumo e sem agenda, o julgamento constituía a última esperança
de abalar eleitoralmente o PT, depois da frustração da eleição
presidencial de 2006.
A maioria dos analistas políticos aposta na dissociação entre eleições
municipais e disputas ou eventos nacionais. No entanto, pelo menos nas
capitais, o jogo governo-oposição nas eleições presidenciais estava
posto. A vitória, especialmente em São Paulo, a mais importante base
eleitoral dos principais contendores, PT e PSDB, era crucial.
O timing do julgamento não podia ser melhor para a oposição. O
julgamento foi transparente, transmitido na íntegra pela TV Justiça e
por um canal de TV fechada. Na mídia a cobertura foi ampla. Estava à
disposição da população, ao vivo, a opinião da maioria dos membros de
ilibada reputação e notável saber jurídico do STF: o alto escalão do PT e
do governo havia montado o maior esquema de corrupção da história do
país visando comprar votos para a aprovação de projetos do governo.
Parlamentares do partido, inclusive o presidente da Câmara estava
envolvido. Todos foram condenados.
Eleitorado está mais preocupado com políticas
Membros da Suprema Corte não pouparam nem a presidente Dilma Rousseff.
Na leitura de seu relatório, o relator da ação penal, Joaquim Barbosa,
no seu afã de acumular "indícios" para a tese de compra de votos chegou a
lançar mão de depoimento da própria presidente da República que, então
ministra da Casa Civil, havia declarado ter ficado surpresa com a
rapidez que fora aprovado na Câmara dos Deputados o marco regulatório do
setor energético. Em nota oficial, a presidente divulgou a íntegra de
sua declaração onde atribuía à compreensão, por todas as forças
políticas, da gravidade da situação do setor elétrico, em vias de se
quebrar, a rápida aprovação do seu marco regulatório.
A grande imprensa colaborou, desempenhando, talvez, o papel
oposicionista, defendido pela presidente da Associação Nacional de
Jornais, Judith Brito, em caso de fragilidade dos partidos. No caso
citado acima, por exemplo, o relator não foi criticado por forjar
indícios comprobatórios na citação "editada" da presidente, mas esta sim
foi criticada por ter "deixado de lado a liturgia do cargo" e
respondido diretamente, em nota oficial da Presidência, o "equívoco" do
relator.
Tudo isso parece ter sido em vão. A popularidade da presidente não foi
abalada. Pelo contrário. Ao longo do ano a avaliação da presidente Dilma
cresceu paulatinamente, batendo recordes bem superiores aos de FH e de
Lula. Na avaliação de 70% da população, portanto, as políticas do
governo estavam no caminho certo.
Quanto aos resultados eleitorais, no cômputo geral, foram altamente
favoráveis ao governo e sua base partidária. Cresceram o PT, o PSB e os
partidos de esquerda médios e pequenos. Surge também um novo partido,
originado nas hostes oposicionistas, mas com claras intenções de compor
com o governo para se firmar organizacional e eleitoralmente.
Nas capitais importantes a oposição só logrou vitórias em Manaus e
Salvador. Os partidos da base de apoio ao governo saíram vitoriosos no
Sul, Sudeste e Nordeste. Neste último, em termos de futuro, fica a
dúvida do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), quanto à sua
estratégia eleitoral. Sua defecção da base governamental pode vir a ser
um revés para o PT, mas pode também ser um salutar reforço ao
multipartidarismo brasileiro. Ou, em outras palavras, um antídoto ao
atual radicalismo bipartidário no nível nacional.
Se de fato a oposição imaginou que o julgamento da Ação Penal 470 teria
um efeito significativo, esqueceu de combinar com o eleitorado. Este,
como sempre, tem se mantido alheio a brigas entre elites.
Obviamente, para parte dos formadores de opinião, para a grande imprensa
e a classe média, não a nova, mas a tradicional, alçados à condição de
"opinião pública", o desconhecimento do "mensalão" apontado nas
pesquisas e os resultados eleitorais denotam a indiferença do povo ao
problema da corrupção. Nada mais longe da verdade. Não há indiferença à
corrupção, como aliás mostram várias pesquisas. A maioria da população
presta maior atenção em programas e resultados. A campanha negativa pode
surtir algum efeito em momentos eleitorais específicos, mas sua
exploração prolongada denota ausência de propostas alternativas e afeta a
credibilidade da oposição. Como a própria história do Brasil mostra, e
as últimas eleições confirmam, partidos políticos não obtêm vitórias
eleitorais apenas na base de denúncias de malfeitos de governos.
Em uma democracia a alternância de partidos no governo se faz a partir
de programas alternativos. A oposição brasileira precisa dizer a que
veio. Principalmente porque enfrenta um governo com políticas apoiadas
pela população.
Argelina Cheibub Figueiredo é cientista política, professora do
Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro.
Fonte: Valor Econômico (11/01/13)
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